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315 estórias

Sunday, November 29, 2020

ATL Colegial

 

O Comandante Guélas

Série Colégio Militar

Por vezes a rotina colegial fugia à regra, caso o Diretor tivesse familiares, netos ou filhos no Batalhão Colegial. Nos anos setenta houve uma récita extra, realizada, não pelos alunos finalistas, mas pelos alunos do primeiro ano, o Diretor tinha netos, que pediram ao avozinho para quebrar as regras e deixá-los fazer o espetáculo. O 593 foi expulso do colégio porque no dia das pinturas resolveu enfiar o pincel pelo cu de um aluno e, para azar dele, familiar do Diretor. Caso o rata fosse um filho de algo, teria andado a evacuar azul durante alguns dias, sem consequências. Mas a estória é outra! O Palhaço foi o maior artista colegial em atividades circenses do universo latrinal, com a especialidade em cagandus altus trapézius e casino, por isso os mais íntimos, o 200, o Cebola e o Ginho são de opinião de que ele merece o Prémio Barretina na modalidade de “Notoriedade”. Mas não se ficou por aqui! Foi também o maior jogador de “Lerpa” do colégio, tinha o número 417 e apostava cigarros “Ritz”, que fumava uns atrás dos outros, acompanhados de soberbas escarretas. O topo das latrinas, onde se assavam chouriços com lamparinas de álcool desviadas do laboratório de química, ato culinário também muito em voga no edifício da pista de aeromodelismo, onde os onanistas apreciavam as Ginas e os intelectuais as Playboys, era a sua arena, ao mesmo tempo que camaradas arreavam soberbos cagalhões no rés-do-chão. O 200 foi quem mais ficou traumatizado, o Palhaço limpou-lhe resmas de maços de tabaco, produto que só era autorizado a ser consumido para lá do quinto ano, mas que desde tenra idade se fumava! Os jogos não se reduziam à lerpa, as latrinas foram as precursoras das consolas de jogos. Também se jogava às “Estalactites”, tentar colar beatas ao teto, devidamente embrulhadas em cuspo, arremessadas como escarretas. O tiro ao alvo, “Cagar de Alto”, exigia muita arte, mimesis diria Sócrates, porque lá de cima a água da retrete não passava de um pequeno alvo, e tudo podia acontecer se o jogador fizesse mal os cálculos matemáticos. E um dia o jogo descambou, como era de prever neste colégio original, o Horrível desafiou os colegas a tentarem acertar num fâmulo com um objeto ao critério de cada um. Estavam na primeira latrina da Terceira Companhia, onde havia um cubículo com armários dos fâmulos, com ligação aérea à área lúdica. O 120 atirou uma pastilha, que passou a rasar a cabeça do funcionário. Foi avisado para não repetir a brincadeira. O Peidão atirou um pedaço de papel higiénico molhado, que ficou colado à parede e respingou para o alvo. Da boca da vítima saiu um chorrilho de palavras zangadas, mas incompreensíveis. O inventor atirou-lhe com uma escova de engraxar sapatos, que bateu na cabeça e fez eco. O olhar de raiva do Moca foi tão intenso, que o transformou em Hullk, agarrou no pau com que abria as janelas altas das companhias ao toque de alvorada, ao mesmo tempo que acordava os graduados á paulada, e desembestou em direção aos cagatórios. Todos saltaram para os cubículos. Todos? Todos, não, os cagadores nem compreenderam porque é que um Moca enraivecido lhes entrou pelas latrinas adentro, arreando em tudo o que mexia, causando uma debandada geral, uns devidamente fardados, outros com as calças a arrastarem pelo chão, e alguns com os cagalhões pendurados.


Sunday, October 18, 2020

Supertaça "Pingasú"


 

O Comandante Guélas

Série Paço de Arcos

Futebol PA 46


Antes de começar a estória temos, de uma vez por todas, pôr os pontos nos “iis”. Há uma regra sagrada no Futebol PA: Quem perde, ganha (artigo 1508, alínea A), com uma excepção, o Fininho ganha sempre. Este facto decorre da homenagem ao Canocha Pirocha, campeão do “Jogo do Bilas”, heptarepetente da 3ª classe e atual secretário de Estado do Orçamento. Posto isto, avancemos. O primeiro jogo (11/10/2020) na nova era do Futebol PA, em Tires, paredes meias com a prisão feminina da zona, causou alvoroço no meio das moças e, uma delas, figura pública, organizou um grupo de majoretes. Rosa Grilo, a abafa ciclistas, trouxe consigo Diana Fialho, a frita mães e a dupla Maria e Mariana sobrinhas do Zé Borrego. Neste domingo dia 18 manteve-se a tradição de nick names, o Paulão mudou para Trásfacil, sinal de que o Futebol PA regressava em força. O Choné só podia estar orgulhoso, tinha 3 matulões e meio a servir o desporto rei de Paço de Arcos, o Taroulo, o Maninho Ensina, o Trásfacil, e o Calcinhas. Mas devido à crise só mandava um de cada vez para poupar. Para ajudar à festa a bancada estava cheia: Palmira das Coxas de Rã, Lisete Abafadora, Tânia dos Trovões, Vanessa Zarolha, Fernanda Ratuda, Marta Pintelhuda, Alice Fuçureira, Olivia Palito, Sandra Berbigão e Françoise Mamadeira. Ainda os jogadores aqueciam e já a líder fazia uma descrição dos alvos:

- Aquele ali matulão, - e apontou para o Trásfacil, - tem fome de bola como o irmão Maninho Ensina, e também tem cara de desconcertantes ilusionismos, deve acelerar de repente, precipitar-se para a baliza adversária e marcar potentes golos. As sobrinhas do Borrego prometeram um smartphone ao irmão, mas o tenrinho assustou-se e não veio.

- Esse é meu, - gritou a Lisete Abafadora, correndo para a rede e fazendo uma marcação.

- O barrigudo com ar de maluco é o Pingasú, a jogar parece um eunuco atordoado, ronrona e tem hálito de alcachofra. Porque nasceu em Moçambique diz que é preto da cintura para baixo. É o ideal para ti, - e apontou para a Fernanda Ratuda.

- Aquele velho grande caixa de óculos vive na Pampilheira e dá bofetadas na bola, - e piscou um olho à Palmira das Coxas de Rã.

- Se vier aqui chupo-lhe os ossos!

- O meu é o chinês virtual, vou ensiná-lo a andar de bicicleta e depois conto-lhe uma estória.

E nisto passou o Tony Ramos na rede mais próxima e a Sandra Berbigão gritou:

- Se te apanho cubro-te a popa de baba de camelo e lambo-te as tripas!

- Quem é aquele mouchoir? – Perguntou a Françoise Mamadeira, apontando para o Dédé. – Quando o apanhar vai para o espeto!

As equipas foram escolhidas pelo Peidão, que tinha sido marcado pela  Tânia dos Trovões, e pelo Tony Ramos, que antes verificaram se todos os atletas tinham instalado nos telemóveis a aplicação da vila, o Stayaway Milhas: Fininho, Pingasú, Al-Berto, Peidão e Dédé versus Tio Kiki, Ricardinho, Tony Ramos, Trásfacil e Zé Miguel. O Espalha chegou tarde, pagou metade, e foi repartido.

Decorria o jogo com normalidade quando o Fininho foi abalroado pelo Trásfacil e caiu desamparado. A Rosa Grilo levantou-se e, dirigindo-se ás majoretes, gritou:

- Meninas, alguma enfermeira?

- Estou aqui, - exclamou a Vanessa Zarolha, - Abram alas que vou ressuscita-lo, encho-lhe a boca toda, e ponho-o a arrotar!

De seguida foi a vez do Zé Miguel cair agarrado a um pé. A indignação da Marta Pintelhuda fez-se ouvir em Tires:

- Se tornam a fazer isso ao meu franguinho da guia, entupo-vos a garganta.

A souplesse futebolística do Ricardinho chamou a atenção da Olivia palito:

- Adoro machos que olham para a esquerda e fodem à direita!

O Futebol PA tornara-se mais perigoso, o Mata-Velhos pertencia ao passado, a ameaça era externa, as “Bilreras”, despertadas pela videochamada chinesa, eram um vírus mais perigoso, atacava velhos e novos. No final do jogo, cujo resultado ficou 7-6 para o Fininho, a Alice Fuçureira confessou a sua paixão pelo Al-Berto, e prometeu-lhe uma lua de mel nas Ilhas do Seixal. Mas o homem do jogo foi um sexagenário que fez "a-traque", motivado pelo lençol pendurado numa das celas:

- Peidão dá-me as tuas cuecas!


Sunday, October 11, 2020

Supertaça "Rosa Grilo"

O Comandante GuélasSérie Paço de Arcos

Futebol PA 45

Quando o Glórinha, ex Taroulo, se apresentou no campo para dar início ao Ano Letivo 2019/2020 do Futebol PA com um novo penteado e uma fita duvidosa na cabeça, o nick name mudou de imediato, como manda a tradição, mas não se sabia que iria ganhar um apelido. Bastou para isso voar em direção ao Peidão com tudo o que tinha, incluindo pitons dos anos sessenta, que guardava com galhardia as redes da sua equipa, para provocar a ira do mano Maninho Ensina:

- Não podes entrar assim, ainda matas o velho!

Ficou de imediato Glórinha Matas Velhos, novo recorde em mudança de alcunhas. Mas não foi só ele, o ex-Faisão, filho de um monstro do Futebol PA, que reapareceu, vindo dos ringues do Karaté Sénior, depois de ter aviado vários atletas em cadeiras de rodas, e enviado o Chico para um estágio em Londres, iniciou a época em Paço de Arcos como “bonitão das notícias” e com resmas de fãs:

- “Estas tuas covinhas, esse teu ar envergonhado deu-me a volta ao meu neurónio, perdi todos os outros a babar-me a olhar para ti.” – disse-lhe o tio Goucha.

Mas não é do Ano Letivo anterior, muito curto, que diz respeito esta crónica, mas sim do novo Ano Letivo 2020/2021 ainda com o bicho à solta. O encontro desenrolou-se junto ao Estabelecimento Prisional de Tires e teve direito a majoretes dirigidas pela poderosa Rosa Grilo: a Diana Fialho, que churrascou a mãe, e a Mariana e a Maria que fizeram massagens com um cutelo ao Diogo. O Choné proibiu beijos ao Maninho Ensina e ao Gustoso evidenciando sinais preocupantes de Covid, pois o Capitão Porão há muito que já não jogava com as bolas dos tenrinhos do Futebol PA. O jogo teve transmissão direta pela rádio Macau, da responsabilidade do Bill, pivot imediatamente detetado pela Rosa Grilo que lhe perguntou:

- Ó chinês, sabes andar de bicicleta?

A tradição manteve-se, foi atribuído um novo nick name, o Pingamisú (em calão Pingamijo), ex-Chico Boatos, que escolheu as equipas com o Peidão, que não cobrou o jogo, sinal também preocupante da Covid: Formação 1 – Fininho, Peidão, Sabão, Tio Kiki, Ricardinho (equipado com calcinhas de fazenda, camisinha e sapatos modelo Pampilheira) e o Zé Miguel; Formação 2 – Pingamisú, Al-Berto, Maninho Ensina, Gustoso, Espalha e Bastonário (título que mantém mesmo tendo perdido as eleições na Ordem, ato onde o primo foi o seu diretor de campanha). O Cinzento enganou-se e   jogou noutro grupo. O Paulão ficou em casa a montar painéis solares clandestinos, pagos por ele, mas futuramente usufruídos pelo pai. O apito inicial foi dado pelo telemóvel do Fininho sob comando do jornalista PA no Oriente. A um dado momento do jogo o Pingamisú começou a enfartar, tirou a camisola, os abdominais descaíram para os joelhos e correu para a baliza, o que levou a Diana Fialho a gritar:

- Fritava-te todo! – Ao mesmo tempo que as amigas Maria e Mariana acenavam com um cutelo.

Quando o tempo regulamentar, vinte minutos, chegou ao fim, a equipa do Fininho foi declarada vencedora por uns expressivos 3 a 1, sinal de que não tinham ficado parados no confinamento. E começou o treino! O Maninho Ensina ganhou freio nos dentes, passou à frente da bola e marcou golo; o Peidão rodopiou e enfiou o esférico no fundo da baliza, entrando pelo canto superior esquerdo e o Gustoso, assediado pelas majoretes, que gritavam “tu cabes na cova dos nossos dentes”, assustou-se e despachou a bola na linha final, pondo-a no fundo das redes. O regresso foi aprovado, e marcou-se novo encontro à mesma hora e no mesmo local para a próxima semana!


Wednesday, September 02, 2020

O Crematório






O Comandante Guélas
Série Paço de Arcos

Futebol P.A. 44


- Tomem, dou-vos esta relíquia! 
A doação do Focas deixou todos os “jogadores” do Futebol PA de boca aberta, todos? Todos não, os que tinham próteses dentárias nem tentaram, não fossem perder o material, mas esboçaram sorrisos genuínos. Um soberbo crematório estava agora disponível para aqueles que não conseguissem fintar o bicho chinês, que resolvera fazer uma visita surpresa ao amigo Fininho no dia de anos, dois de setembro. O “saudoso” Bill vivia num vigésimo terceiro andar, só usava elevador para descer e nas ascensões só passava pelos andares ímpares.
- A lenha é por minha conta, - ofereceu o Milhas, o mais feliz dos jogadores da bola.
- Há malta que irá explodir mal a acendalha cuspir chama, - avisou o Caveirinha, dando lustre às chuteiras, sinal de que ainda pensava regressar ao futebol de domingo.
- Se explodem ou não tanto faz, o importante é haver um crematório da Bola PA, dá-nos conforto saber que podemos contar com um novo lar quando pendurarmos as chuteiras, - desabafou o Choné.
- Já estou a ver o lema, “Do Relvado para o Crematório”, - disse o Tio Kiki com uma lágrima ao canto do olho. 
Quando chegou à vila o Bill esperava dar de caras com uma banda filarmónica a tocar o hino do PC, mas só encontrou o Taka Takata a limpar uma sargeta. Assustou-se, ter-se-ia antecipado o Corona? Discou o número do aniversariante: 
- Este número não se encontra atribuído – disse o Fininho mal se apercebeu da visita.
- Meu Deus, estou órfão de amigo! – Gritou, ajoelhando-se virado para a Quinta da Atalaia.
- Se houvesse o 5G o teu nome ficava na base de dados do partido e quando me fosses visitar irias parar a um campo de reeducação. Ingrato, fui eu que te ensinei a marcar golos na própria baliza.
O Bill estava desolado, por isso foi beber uma bejeca ao Papagaio. Mal ele sabia que este gesto grandioso, nunca revelado, iria ficar para sempre na História da Humanidade, pois o Vírus Chinês que trazia ao pescoço não aguentou os coliformes fecais que saiam das petingas pescadas junto à saída do Chalé da Merda, uma oferta desta casa centenária!

Thursday, August 13, 2020

Tempestade na Azinhaga da Luz

 

O Comandante Guélas

Série Colégio Militar

Quando foi libertado em 1463 de uma prisão no norte de África, o senhor Pêro cumpriu a promessa que fizera à Virgem aquando da sua visita ao calabouço, erigir uma ermida a Santa Maria da Luz, que mais tarde se transformou em Igreja de Nossa Senhora da Luz, no final da Azinhaga da Luz, de quem sobe. Durante muitos anos passaram para baixo e para cima o Cabeça de Mula, ou Trinta e Um, cavalo da GNR rejeitado para o ensino de homens mas apto para as aulas de equitação dos Meninos da Luz, o Quadrado, a Nono, o Alfage, a Rata, o Eusébio, todo branco (nomes inadmissível nestes tempos de todas as histéricas), o Patacho, o Vapor, a Quirina, a Tangerina, por isso as pedras da calçada estão impregnadas de História. Esta estória passa-se no tempo em que o páteo do Pavilhão de Desenho e do Pavilhão de Ciências Naturais era um estaleiro de obras para o empreiteiro, e uma zona de multiatividades para os Meninos da Luz. Porque o tempo no Colégio Militar é relativo e nada está realmente no passado, é sempre possível ir recuperar estórias que há muito se consideravam perdidas nas memórias. Durante o lusco fusco daquele dia da década de setenta, que tinha sido solarengo, o 120, o 125, o 191 e o 667 decidiram ir brincar para o parque aventura, iniciando a jornada com uma mija coletiva para uma lata de tinta vazia com capacidade para cinco litros, que quase ficou atestada, ao mesmo tempo que consumiam uns cigarritos. Começaram por uma atividade inofensiva, fizeram um balancé com uma tábua tão grande que os que subiam iam alto, e como ninguém queria ficar parado, puseram-se dois em cada ponta. Mas Menino da Luz que se prese, levaram a brincadeira a outros patamares: o 667 abandonou o barco quando estava em baixo, e ficou a ver o 120 e o 125 a descerem à velocidade do som e o 191 a subir como uma bala humana. A partir daqui a atividade de balancé teve variantes, desde um contra um em pé, até que o Horrível se despencou e caiu de peida a milímetros de um prego, objeto que estava presente em quase todas as madeiras. Quando o 125 resolveu fazer circular o balancé, todos voaram quando este perdeu o apoio. Seguiu-se uma luta de calhaus, com proteção de trincheiras. Mas as atividades radicais não ficaram por aqui. Desafiaram-se a passar por um parapeito estreito até um jardim suspenso no pavilhão das aulas no pateo das osgas, que dava para a azinhaga. Noutro canto da Luz, no exterior do Colégio Militar, o senhor Júlio, nome fictício, acabara de sair de casa envergando o seu melhor fato de cor azul cueca. A Palmira, sopeira numa das casas abastadas de Carnide, merecia o empenho deste seu admirador, agora que se aproximavam as festas populares de verão. O Júlio ia formoso pela verdura, levando na mão um ramo colorido, enquanto que a uns metros acima o 120 já tinha ultrapassado o desafio e incentivava agora o camarada 125 a alcançar o jardim sem saída, enquanto que o 191 esperava pela sua vez. Quanto ao Júlio levava na cabeça a formusura da sua paixão, os cabelos de ouro e a cinta fina da rapariga que lhe arrebitavam o cacete, ao mesmo tempo que o Horrível teve de ser amparado pelo Cabedo para não cair para os lados da Azinhaga. O Peidão iniciou a travessia quando o Júlio se cruzou com ele uns metros abaixo. De repente o céu desfez-se em água, que bateu com violência na calçada, seguindo-se um grito lancinante levado por uma tempestade inesperada, veloz e aterradora, como se fosse, não do domínio do ar, mas do interior obscuro do Júlio. Tudo ficou calado, o vento, o homem e os rapazes. O Loira despejara o conteúdo da lata de tinta sobre o homem, vestido com um fato azul cueca. A figura esguia do Don Ruan da Azinhada da Luz cheirava-se sofregamente, e o que sentia nem ele próprio queria sentir, muito menos quereria a Palmira dos seus sonhos. Os olhares cruzaram-se, descruzaram-se e recruzaram-se. A vítima estava com os olhos perdidos na calçada, com o pensamento focado no maior calhau das redondezas. O 120, o 125 e o 191 aperceberam-se e anteciparam-se. O Júlio transformara-se num ser caótico, depauperado, destruído, de sangue frio, estava num vácuo que engolia tudo à sua volta. O silêncio era insuportável. Os rapazes imaginaram-se a sentir o calhau nas costas, por isso pediram tempo para conseguirem castigar o infrator, ao mesmo tempo que regressavam em passo de corrida. O Júlio ainda acreditou por momentos que fosse feita justiça, com a entrega do prevaricador, mas tudo não passou de uma ilusão, pois quando os Meninos da Luz se viram de novo na segurança do pateo chamaram-lhe todos os nomes e fugiram em direção ao geral das companhias, não sem antes sentirem no ar o arremesso do pedregulho. A vítima acompanhou-os pelo lado de fora, e quando passaram pela porta da Ínfia, uma vez que tinham visto  que pelo outro lado vinha em sua direção o vigilante Speedy Gonçalez, o Chico Porteiro tentava acalmar a criatura possuída pelo apocalipse, que trajava um elegante fato azul cueca, com um cheiro intenso a mijo!

 


Tuesday, July 21, 2020

O Hipnotizador






O Comandante Guélas

Série Colégio Militar

No Colégio Militar “pescadinha de rabo na boca” não era sinónimo de repetição, porque a dita podia, sem deixar de ser quem era, morder o rabo de maneira diferente. Por isso a diferença entre passado, presente e futuro não passava de uma simples ilusão. Os que andaram na Luz vivem eternamente, porque fazemos parte de um todo. Estas estórias contam-se porque nenhum de nós está preparado para deixar o passado para trás. O 361 tinha ultrapassado todas as linhas vermelhas, perdera-se em divagações e resmunguices, “descaminhou-se” e catou várias notas de vinte escudos, onde assinou o nome, sinal de propriedade. Para o graduado Truta só havia uma solução, que não passava pela tradicional Firmeza e Apresentação à Alvorada, mas sim psicologando, ir-lhe às entranhas do inconsciente, para apagar-lhe os riscos na alma. De hipnotismo no Colégio Militar havia registos dos atos do Pato Marreco, o professor de Ciências da Natureza, e do 599, que admoestava com alguma regularidade as galinhas do senhor Nunes, uma vez que da filha, a Rosa, não conseguia nada, atirando-lhes para cima clorofórmio desviado ao Valentim, que punha os galináceos à sua disposição durante algum tempo. No Colégio Militar houve três trutas, mas só uma abriu a caixa de pandora, chamada Sissé! O Truta era um aluno que possuía aquele descaramento divino de mergulhar nas funduras dos camaradas, alguém que misturava na dose certa a temeridade, bastando para isso insinuar-se com um contador do tempo voltado para o visado. Após várias passagens do relógio em frente aos olhos do Sissé, ouviu-se um “clic”, o 361 catrapiscou os três olhos, as poucas meninges escancararam-se e o paciente, que tinha os sarilhos colados às solas das botas, apresentou-se com mais empáfia do que nunca, estava magnetizado, trazia consigo os feitos agigantados dos antepassados, criados numa selva virgem onde se ouviam mosquitos a tricotar o ar e cigarras a estridularem ao seu redor, recheados de ódios e amores de outra época, trocando o estranho “amarelo” europeu pelo apetitoso macaco grelhado africano. Ouviu um sussurro, que pairou durante breves segundos e sentiu forças e energias novas, que lhe deram uma sensação de superioridade. Desviou-se de um apagador com que o Bastos o costumava mandar calar, viu um camarada trancado dentro de um armário, ladeado com os livros do Tarzan e do Sandokan, antes do professor de Matemática entrar e assistiu à última formatura de um dia em 1934, onde um comandante de companhia lia a ordem de serviço:
- Determino e mando publicar – começando por referir a punição em dez dias de prisão de um soldado em serviço na quinta “por ter sido encontrado pelo sargento da ronda a cometer actos ilícitos em cima de uma vaca”.
Por isso quando o hipnotizado pronunciou duas palavras ininteligíveis, “catota” e “obo”, o Truta gritou de alegria, e o 26 fugiu:
- Este já cá canta!
O Sissé saiu em passo de corrida e desatou a marrar nos armários da camarata e a furar todas as bolas de plástico que apanhava pelo caminho, ao mesmo tempo que recebia uns tímidos “olés”. A notícia do estado soberbo do “senhor aluno” 361 chegou aos ouvidos do oficial de dia, que o pôs a jantar à parte, ao alcance das suas mãos.
- Tic, tac, tic, tac, - gritava de cada vez que trincava um submarino.
E foi após uma monumental chapada, o castigo sumário mais eficaz de todos os tempos, que o Sissé saiu do Buraco de Verme e regressou ao Batalhão Colegial! 

Thursday, May 28, 2020

A arte de bem "cavar" do colégio





O Comandante Guélas

Série Colégio Militar


Fugir do Colégio Militar era uma arte, só ao alcance dos mais dotados, ou seja, dos que não faziam parte do Quadro de Honra. Mas havia regras, e quotas variáveis, conforme o evoluir da situação, pois havia oficiais que se comportavam como cães de fila, sempre à procura de fugitivos. A autorização final tinha sempre de ser dada por um graduado. Além dos muros e da rede também se tinha de estar atento às rondas. A entrada dum aluno pela janela da quarta companhia coincidira com a do Oficial de Dia pela porta, tendo-se aquele escondido de imediato atrás das cortinas, ao mesmo tempo que o militar se sentava num dos sofás. E assim ficou durante quarenta e cinco minutos, até que se levantou e foi ter com o prevaricador, agarrando-o pelos colarinhos:
- A primeira regra da camuflagem são os ténis, devem ser da cor da alcatifa!
O 640, um Menino da Luz com 1,80m, tinha um irmão ex-aluno com 1,60m, e eram ambos rapazes de uma mesma fronha, ou seja, dois Anacletos para um só Cartão de Identificação. Numa quarta-feira à tarde, dia de saída exclusivo dos alunos do Quadro de Honra, o 581 e mais cinco cábulas fardaram-se a rigor e rumaram para o muro do colégio junto à enferma. Pela porta, e devidamente legalizado com o Cartão de Identificação do irmão, saiu o 640, que só parou no local referenciado, ou seja, no referido muro junto à Enferma. Enrolou o cartão numa pedra da calçada, prendeu-o com um elástico e arremessou-o para os camaradas do lado de dentro. O novo portador do documento optou por usar a estratégia de sair em passo de corrida, e o soldado nem teve tempo para coçar os tomates. Novo lançamento, nova saída, e assim sucessivamente. Por isso às quartas feiras à tarde, nos anos setenta, saiam sempre os cromos e alguns cabulões mais espertos! Nos anos oitenta havia uma brincadeira que consistia em assustar as pessoas que esperavam calmamente pela chegada do transporte público, que consistia em saltar do muro do colégio para o teto da paragem. O À Nora durante o 12º ano ia todos os dias mudar o óleo com a namorada, saia pela “cona”, um buraco existente na rede, tirava o barrete, tapava a farda de cotim com um casaco e encontrava-se no café “Gel” com colegas “externos” que dormiam na casa das namoradas, e lhe davam guarida. Numa noite quente de junho dos anos setenta o 89, 165 e 376, com fato de treino, sapatilhas e capote, passaram por baixo da cerca de arame junto à pista de aeromodelismo, e apanharam um táxi, previamente combinado, na Segunda Circular. Foram em direção ao Instituto de Odivelas decididos a darem uma lição à Diretora Diolinda. Quando estava de Oficial de Dia o Aparício fazia questão de jurar a si próprio de que ninguém iria cavar, por isso costumava posicionar-se estrategicamente debaixo de uma das janelas da Sala de Leitura da Quarta Companhia, o local da maior parte das saídas clandestinas. Ao primeiro a que deitasse a mão levava-o para o gabinete, e enfardava conforme a tradição. Naquele dia a festa no espaço cultural era de arromba, o barulho das garrafas de cerveja a roçarem-se umas nas outras era sinal de saudações contínuas, mas ele sabia, como Comando, mesmo minorca, que não se iria deixar distrair com cenas acessórias. O Concurso de Arrotos e Flatos, barulho de rãs e tiros de pólvora seca, somava e seguia, os Meninos da Luz estavam imparáveis.
- Chiça, mas hoje ninguém foge? – Protestou o tenente.
Mas os céus fizeram-lhe a vontade! Terão feito? A janela abriu-se com estrondo, o Aparício agachou-se e gritou para dentro “mama sume”. O Dáni subiu para o parapeito, o predador pôs as unhas de fora, e uma tromba de mijo inesperada abateu-se sobre o Oficial de Dia, que nem teve tempo para fechar os olhos e selar os lábios. Correu furioso para a companhia, decidido a fazer a folha a alguém, abriu a porta da Sala de leitura com um chuto, mas deparou-se com uma resma de anjinhos a estudarem para o teste do dia seguinte!

Thursday, April 16, 2020

O Moreira


O Comandante Guélas

Série Colégio Militar



As virtudes e os defeitos dos Meninos da Luz eram inseparáveis, por isso quando separadas eles deixavam de existir. Para contar estas estórias temos de pensar em energia, frequência e vibração, porque o mundo nunca esteve preparado para o Colégio Militar, que estava muito para além do seu tempo, cujas leis prevaleceram, por isso as recompensas foram proporcionais ao esforço e aos sacrifícios feitos pelos alunos, como por exemplo fazer continência a todos os oficiais e professores que encontrassem pelo caminho, de cada vez que se deslocavam. Mas neste dia o 125, o 191 e o 601 tinham decidido só cumprimentar os serventes e os sargentos, os outros que se lixassem: o Bufalo Bill, de Geografia, e o mano Alcatrão, de Desenho, não tiveram direito a nada, mas o Marinho e o Moca levaram umas continências dignas de generais. O Dorbalino, professor de História, que chegara ao colégio como um capitão dentro de um mini podre, que trocou por um Volvo uns tempos depois de ter sido promovido a major e nomeado para Chefe da Contabilidade e Adjunto do Chefe de Serviços Gerais e da Administração também não teve direito a nada, mas em compensação no bar dos serventes o Fritz teve direito a um cumprimento digno de um almirante, ao mesmo tempo que preparava as deliciosas sandes de queijo fresco, apimentadas por uma mão que coçava permanentemente os tomates, e por uma faca que tirava os restos de coliformes fecais das suas unhas. Quando chegaram esfomeados ao primeiro andar dos claustros com a cara tapada pelo barrete, decididos a comer de borla, depararam-se com um Moreira à beira de um ataque de nervos:

-  Bós sois piores que os ciganos, - gritou, espalhando um bafo de bode pelo espaço.

E tinha razão, os ciganos ao pé desta rapaziada fardada de cotim, que costumava fardar-se ao domingo à noite no Ricochete, alguns comer um bitoque por dezassete escudos , e fumar uns cigarritos, eram uns meninos. Ao abrir o armário para dar início ao complemento do ordenado, já com uma fila de clientes devidamente ordenados, e com distância de segurança das bolas de Berlim e dos mil folhas, do material do Moreira só restava algum açúcar e umas poucas páginas. Alguém tinha entrado pelas portas dos fundos. Fazer negócios com este tipo de rapazes piores que os ciganos era difícil, já tentara abrir a banca dentro de uma latrina, pensando que o produto estava mais seguro, e a invasão começara por cima, e não tinha tido mãos para parar o ataque da turba de piranhas. E agora nem o “cofre forte” resistira! Mas mesmo com todas as variáveis controladas, havia sempre problemas:

- Bós andais a gamar-me, habiam aqui chocolates finos que custavam cinquenta centavos, estais a gozar com o Moreiraaaa”.

Só o Barnabé é que lucrava com o negócio de carros em segunda mão, estacionados perto da direção, e com o telefone do colégio nas folhas dos anúncios. Mas o Moreira tinha pergaminhos, pois como era natural do “Marco de Canabeses”, dizia ser primo da Carmen Miranda. Devia ser por estar muitas vezes a pensar na rica prima que não acertava com o buraco na fechadura quando tinha de abrir a porta da sala de aula, sendo nessa altura ajudado pelos “piores que os ciganos”. Um dia no geral do terceiro ano, com o relógio a marcar as 18H30, acompanhado do camarada Marinho, é abordado pelo diretor:

- Senhor Moreira no intervalo dos Estudos diga ao meu filho para ir ter comigo ao gabinete, quero falar com ele, mas não quero interromper a aula.

Ainda o Diretor ia a meio da escadaria já o Moreira entrava de rompante na sala e dizia em voz alta:

- Perry o teu pai quer falar contigo!

No Colégio Militar só os alunos do Quadro de Honra é que tinham autorização para sair à quarta-feira. Aos outros, a maioria, só restava “cavarem”. E foi numa dessas noites que o Gordini, o Anacleto, o Esperma e outros, fugiram para irem ver ao Cinema Roma o “Amor entre Mulheres”, não aconselhável ao 523, para maiores de 18 anos, mas com um porteiro que não ligava a essas miudezas. Foram jantar ao “Stop”, mais afastado do “Ricochete”, onde um bitoque custava, no ano de 1975, mais cinquenta centavos! Logo à saída do Colégio deram de caras, não com o oficial de dia, mas com a mãe do Anacleto que, espantada por ver o seu rebento à solta, e não se lembrar de alguma vez o ter visto no Quadro de Honra, pediu explicações:

- Mamã tivemos direito a uma saída!

Conseguiram ir de motorista até ao cinema.

Friday, March 27, 2020

O Meia Lua




O Comandante Guélas

Série Colégio Militar




O Colégio Militar era um lugar onde não havia respostas, todos carregavam a mais torpe das contradições, durante o dia ouvia-se o barulho de botas caminhando acertadas num lugar onde era fácil falar em números. Na aula de música do Carioca, ao contrário das obras de Mozart, não havia silêncio mesmo quando a melodia chegava ao fim, pois era o tempo de represálias. E foi numa tarde igual a muitas outras que o Chefe da Copa, quando ia calmamente a dobrar a esquina do edifício, no páteo dos Pavilhões de Desenho e Ciência, e a observar o voo de um melro que, como do costume nas aves, não deixava rasto, quase morreu abalroado por um “senhor aluno” que gritou:

- Sai da frente ó careca!

Ia em fuga desesperada, perseguido pelo Speedy Gonzales, vigilante, que na noite anterior o tinha apanhado a ele, Cão, ao Camélia, ao Gordini e ao Escalope quando os descobriu na piscina, após uma perseguição desenfreada, seguida da respetiva participação. Recuemos. O Cão tinha estado a disputar o Jogo do Barrete, uma das muitas modalidades desportivas exclusivas do colégio, que consistia em tentar acertar com o penico nos buracos do teto, jogo que evoluiu nos anos oitenta para os Miolos ao Teto, onde o objeto a atirar já não era a peça de fardamento, mas um colega, que tinha como objetivo assinar com a sola o teto da sala. O Cão tinha ganho o jogo, mas havia sempre uma consequência, o objeto entrava no buraco e já não saia, ficando de imediato o atleta em modo clandestino, ou seja, tentar chegar ao Geral das Companhias sem ser detetado. Mas o vigilante velocista tinha fama de apanhar todos os coelhos que desafiassem o sistema!

- Malucos, estes miúdos estão malucos, - desabafou o Meia-Lua.

À noite no geral da companhia ia haver um jogo de futebol, cuja bola era saltitona e tinha pele de galinha, rugosa, com um atrito necessário para fazer remates em arco, e os postes das balizas os caixotes de lixo. A caderneta de cromos estava cheia de craques, o Judi, o Panzer, o Cão, com a sua esquerda mágica, o Lory, o Becas, o Dani, uma parede na baliza, o Tofa, o Rita, o Têta, o Cascão, o Geada, o Six, o 76 e muitos outros, cujos vestígios genéticos ficaram para sempre espalhados pelos gerais das companhias. No intervalo dos jogos, como não era aconselhável a Rosa, a mulher do Patronilha, a Listete e a Antonieta fazerem de “cheerleaders”, lá aparecia o Pejó a percorrer o Geral da companhia com flic-flacs à retaguarda, desde a porta da rouparia até à sala de leitura, ocorrência que nunca provocaria uma esgalhação coletiva após a corneta do recolher, excepto talvez alguma exceção. Apesar de as bolas serem de plástico havia sempre uma que se suicidava de encontro a um vidro, estilhaçando-o e provocando um uníssono “PêêêGêêê". Como não havia culpados o prejuízo era dividido por muitos, e 1/180 foi o recorde.

Esta rapaziada, que passava a semana em reclusão dentro do colégio, e alguns o ano todo, tinha de se entreter, e ultimamente o Meia-Lua era alvo de bullying. De cada vez que terminava o trabalho, e quando iniciava a descida das escadas do refeitório das primeiras e segundas companhias, tinha um grupo numeroso de fãs que gritavam, “Meia-Lua, Meia-Lua”. Invariavelmente apanhava o primeiro pau que encontrava e tentava acertar nos pokemon que o rodeavam, uma variante do jogo atual com telemóvel.

- Meia-Lua és da Pide, - gritou o Horrível.

Foi demais para o senhor João, a somar à derrota do seu FCP, elevou o pau e quando pretendia acertar nos costados do Vinasse, ao mesmo tempo que utilizava palavras impróprias, aquele encravou-se no tronco de um eucalipto, e o Meia-Lua desequilibrou-se e rebolou pela encosta. A festa só terminou lá para os lados da sala do Carioca, o alvo seguinte de várias biqueiradas na porta. O padre saiu, como habitual, a espumar lava do Inferno e a perseguir o aluno mais próximo, mas sem sucesso. O senhor João, Chefe da Copa, mais conhecido por Meia-Lua, tinha fama de engatatão, e de confecionar o melhor Amarelo do país. Dizia-se que o segredo da iguaria estava nas batatas oleosas e prensadas, porque ele sentava-se em cima do panelão durante a confeção. E a única peida que se aproximava da sua era a do Capitão Peidinhas.


Saturday, March 21, 2020

A Fotografia



O Comandante Guélas

Série Colégio Militar



No Zimbório o Chulógrafo preparava-se para registar para a posteridade os oficiais e os professores do ano letivo de 1971/72. Todos? Todos, não, porque lá para os lados do ginásio o Maneta procurava desesperado a sua mão, que costumava tirar quando ia nadar, o Estorninho, mestre de esgrima, esgalhava o florete na foto da Rosa pendurada na sala de armas e na sala de professores o Semita jogava descontraidamente uma partida de xadrez com o Casanova:

- Não jogue assim, porque senão ganha-me - disse, já um pouco exaltado.

-  Mas eu jogo para ganhar, xeque-mate!

O pensamento do engenheiro Grijó, o Semita, estava agora a caminho do centro da noite, rodeado por um nevoeiro espesso, tentando encontrar um interruptor que acendesse uma luz, ao mesmo tempo que o Chulógrafo gritava não muito longe dali:

- Olha o Passarinho!

Ao mesmo tempo que o fotografo oficial do Colégio Militar carregou no botão, o Semita virou as peças com a mão esquerda e retaliou:

- Ainda se lembra da jogada?

No Colégio Militar havia um vórtice do destino à nossa volta que aumentava com cada uma das nossas escolhas, e que nos modificou as sinas das mãos, por isso é no intervalo de tempo entre o aviso do Chulógrafo e o disparo do flash que decorre esta estória de uma breve eternidade que parecia poisar nos raios luminosos que riscavam o Zimbório, e de onde saíam vozes tranquilas de perfeição estética, ao mesmo tempo que somos levados por um vento e por uma tempestade inesperada, brilhante e veloz, vinda das nossas memórias, e que nos traz o Teta a grande velocidade da terceira companhia, montado em patins, com um objetivo bem definido, passar no intervalo de centímetros entre duas mesas de ping-pong.

- Estão-me sempre a chamar Feio, hoje vou dar o meu melhor, - pensou o Francisco António de Simas Alves de Azevedo (2.9), professor de História e Geografia.

Quanto ao 3.19 e ao 3.20 não sabemos qual era o assunto da conversa, mas algo nos diz que iria haver farrobadó à noite na Soca, área reservada ao descanso dos oficiais, neste colégio com tantos pergaminhos. O 3.8  era o mais famoso professor de Música da Luz, Miguel da Silva Carneiro, que tinha muitos traumas na alma:

- Carioca chupa-me a pichota, - era a voz vinda, não do Além, mas da boca do Teta, acompanhada de um biqueiro na porta.

O padre largou tudo e saiu a correr atrás do 332, decidido a enfiar-lhe, como era costume, uma dose de estaladas bem aviadas. Mas, não teve sorte nenhuma! 

No tempo de “Estudo” do professor de Inglês Bernardino Gonçalves Monteiro e Mota (3.15), mais conhecido por Didi, o docente tentava desesperado descobrir a origem dos zumbidos, que se calavam quando olhava, e reapareciam quando estava longe.

O professor Almodover (1.5), o Teacher, preparava-se para debitar mais uma aula do seu Americam Language Course no sofisticado laboratório de Línguas, já com os alunos devidamente distribuídos pelas boxes, quando o 224 deu o berro do Ipiranga ao microfone, que fez com que o docente desse um salto na cadeira, e tirasse apressadamente os auscultadores.

O velho professor Ferreirinha do Carocha (2.3) e da gabardine cinzentos, e do permanente cigarro Kart entre os dedos, que enchia as aulas de fumo. O Padre Joaquim Gomes da Costa Peixoto (2.1), também conhecido por Pichota, professor de História que escrevia as perguntas dos pontos nos triplicados das participações, deitando depois as cópias para o lixo, ação esta que nunca se soube se era deliberada ou por distração, mas que fazia com que nunca ninguém chumbasse. O professor Artur do Nascimento Morais, conhecido por Tabi, que tinha dificuldades auditivas:

- Stor, posso bater à punheta?

O quê? – Perguntou ao 601 o professor de inglês, com a mão em concha junto ao ouvido.

- Apanhar a caneta!

O José Rodrigues Matos Guita (2.27), Guitão, professor de História que utilizava os meios audiovisuais mais avançados da época, o retroprojector e os slides, que punham a sala de aula numa penumbra, facilitando o sono dos alunos.

O Padre António Valdomiro Lusitano Leal (3.24), Baldomijo, que um dia fez uma curva mais apertada com a sua Lambreta e bateu com os costados no chão, contando depois que vira uma “luz” antes de cair.

- Devem ter visto as cuecas da Antonieta, - arriscou o Peidocueca.

O primeiro capítulo finaliza com o professor de Desenho Norberto Pina Lopes (1.15):

- Se marcares o alvo num mapa com o lápis rombo, as bombas caiem ao lado!

Esta é uma estória aberta que deverá ser contada por todos, por isso o final ainda está longe.



    1.1   Dr. Fernando José dos Santos Fernandes (Fufu) - A rubrica dele no livro de ponto era Fufu.

    1.2   Dr. António Lagas Pereira (Pato Marreco)

    1.3     Dr. António Pires Rolo

1.4 Dr. Pierre François Maurice Cador

1.5 Dr. António Manuel Almodôvar (Teacher)

1.6 Dr. João da Cruz Pinto

1.7 Dr. Fernando Venâncio Peixoto da Fonseca (Domdom)

1.8 Cor. Alberto Augusto da Costa Andrade 

1.9 Dr. Cristóvão de Sousa Lima

1. 10 Brigº. Américo Agostinho Mendóça Frazão (Dito) – Promovido a General em Nov/73

1.11 Cor. Juviano Aloísio Chaves Ramos (Sub)

1.12 Dr. João Navarro Brazão (Pipocas)

1.13 Capitão Dr. Júlio de Jesus Martins (Juju)

1.14 Cor. Júlio Beirão de Brito

1.15 Dr. Norberto Pina Lopes

1.16 Dr. Manuel Carlos Corrêa Manitto Torres

1.17 Dr. Enrique Pessoa Lobato Cortesão

1.18 Arq.º Jorge Alberto Ribeiro de Oliveira (Fá)

1.19 Dr. Clementino Moniz de Sousa (Camões)

2.1 Padre Joaquim Gomes da Costa Peixoto

2.2 ???

2.3 Dr. Ferreirinha (Ferrari)

2.4 Dr. João Augusto da Fonseca e Silva (Felica) - Professor de Ciências.

2.5 ???

2.6 Dr. Walter José Rodrigues de Carvalho

2.7 Prof. Mário Augusto Sampaio de Lemos

2.8 Dr. José Luís Chaves Loureiro (Bóbó) - Professor de Ciências

2.9 Dr. Francisco António de Simas Alves de Azevedo (Feio)

2.10 Dr. Jaime Carmo Amorim de Macedo

2.11 ???

2.12 Dr. Armando Pontes Carreira

2.13 Dr. Manuel Carlos Dias

2.14 Dr. Augusto Almeida Oliveira e Sousa

2.15 ???

2.16 Cor. Jorge do Carmo Vieira

2.17 Dr. Ralho Correia ???

2.18 Dr. Victor José Gamarro Correia Barrento

2.19 Cor. António Catalão Filipe Dionísio

2.20 ???

2.21 Dr. João António Fernandes Varregoso

2.22 Cor. Garcia de Brito

2.23 Dr. Artur do Nascimento Morais (Tabi)

2.24 ???

2.25 Dr. Francisco Antunes Domingues (Bôzô)

2.26 Dr. José Casimiro Rodrigues (Menino) - Professor de História

2.27 Dr. José Rodrigues Matos Guita

2.28 Dr. Joaquim Eugénio Filgueiras Soares

2.29 Dr. Jacinto Augusto dos Mártires Falcão

2.30 ???

2.31 - Tenente Lourenço (Cabo Fedorento) 

3.2 Prof. Nuno Humberto Gama Lobo Vitória

3.3 Ten. Prof. Carlos Dario Fernandes

3.4 Cap. Eng. Mário José Saraiva

3.5 ???

3.6 ???

3.7 Dr. Fernando Alberto Prado Dias Freitas

3.8 Padre Miguel da Silva Carneiro (Carioca)

3.9 Dr. António Campos Monteiro Romão (Mámas)

3.10 Cor. José Maria Vieira Abrunhosa

3.11 ???

3.12 Artur Teodoro de Matos

3.13 Padre Américo da Silva Martins (Capelão)

3.14  Porco Alentejano, professor de Ciências

3.15 Dr. Bernardino Gonçalves Monteiro e Mota (Didi)

3.16 - Jaime de Almeida Godinho, Primeiro Oficial

3.17 Maj. Manuel Júlio Matias Barão da Cunha

3.18 Escultor José João Machado Carneiro de Brito (Judas), professor de Desenho.

3.19 - Capitão Vicente, Chefe da Contabilidade

3.20 ???

3.21 Prof. Manuel Hilberto Freitas de Oliveira

3.22 Maj. Leonel Martins Vicente (Palhaço)

3.23 Arq.º Fernando António torres de Sá Dantas

3.24 Padre António Valdomiro Lusitano Leal