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315 estórias

Wednesday, July 13, 2016

A Coleira

Camarada Choco

Aventura 96


- Picha, Picha, - gritou baixinho o Peter, enrolando mais uma vez a avantajada língua nas poucas cordas vocais, que lhe alterava sempre o sentido das palavras.
Os gestos acompanhavam o aviso do monga africano, e foi isso que chamou a atenção da Menina Tatrícia. Atrás dela estava o encarregado de educação do Cuecas de Buda, que teimava em não sair da sala, mesmo depois de ter entregue o seu herdeiro, e de este já estar a esgalhar freneticamente as tampinhas das garrafas. Pai e filho tinham sido vítimas de um ataque do Cupido, o júnior acabara de repelir a aproximação da stora Mágui, que tentara dar-lhe os “bons-dias”, tendo recebido como resposta “sai daqui, este já tem dono”, e a proprietária do seu coração chamava-se Raquete, que tinha sempre uma cadeira vermelha cativa na entrada da piscina, onde ninguém ousava sentar-se, porque ele já demonstrava estar possuído por um reflexo, rosnar. Quanto a Menina Tatrícia fez uma volta de 180 graus deu de caras com o espetro de um homem em sentido, que mostrava sinais de vida. Longe dali desenrolava-se um drama, sentia-se um cheiro, que não tinha origem, como era habitual, nos intestinos de um Desaparafusado, era um odor a pólvora da vingança, vinha diretamente das entranhas da cabeça de um Aparafusado:
- Gamaram-me a coleira de cobre dos meus antepassados com a medalha da Santinha da Brandoa, - gritou desesperado o Maneta, revirando a gaveta cheia de cuecas adaptadas a um corpo já cheio de tempo. – Guardeio-o aqui quando chegámos, e queria agora impressionar as terapeutas no jantar de despedida da colónia de férias.
Nunca a relação entre Aparafusados e Desaparafusados estava tão tensa, a Doutora Sem Canudo “enfiabrava”, “óvalhanosdeus”, sem apelo nem agravo, no lombo da Maria Destravada, e esta respondia na mesma moeda, e tudo porque se tinham cruzado no corredor do hotel, sinal de que ambas eram vítimas da tirania do “reflexo condicionado” do maldito russo, que provocava uma barreira civilizacional, uma superioridade moral. No hall reunia-se de emergência o conselho pedagógico, e os interrogatórios apertavam:
- Eu nem dormi com o velho dos pincéis, - respondeu o King Kong, - ele acusa-me de ter anõezinhos mortos entre os dedos dos pés.
- Eu também não dormi com o Maneta, - retorquiu o Ládi Manquê, o guarda redes dos “Tubarões do Seixo”, a mítica equipa da Venteira cujo “i” caia sempre à entrada do clube. – Perguntem ao Albertino, ele também tem a nossa cor, e ficou lá.
- Béfica, águe, bariga, - disse com convicção quando a inquisidora o confrontou com o desaparecimento da coleira do monitor.
- Merda, estou farto do clube, - gritou o Castelinho, abandonando a comissão com os olhos a revirar.
Só o regresso da relíquia ao respectivo pescoço poderia desfazer esta tragédia individual, cuja tristeza caia na cabeça e nos ombros da vítima de bulling. A rapaziada tinha aproveitado a higiene íntima daquele que se julgava chefe de quarto, e fizera uma festa privada com a Santa da Brandoa que, findo o farrobadó, fora arremessada, sem apelo nem agravo, pela janela, e lá permaneceu até ser encontrada pela força da investigação. 
    

Tuesday, July 05, 2016

Na Herdade do Rogério


Comandante Guélas

Série ISEFL 4

- Esta Catarina de Quintos faz-me lembrar a Glórinha do Jamor, - suspirou o ex-político do Montijo, o Professor Doutor Anselmo benzendo-se junto à sepultura da Eufémia, um passeio cultural da responsabilidade do organizador do evento, fã do Comité Central.
- Mas aqui não há nada da Direita, - protestou o latifundiário Pedreta.
Uma ata tem de ter um ritmo definido por isso aí vai: no dia 2 de Julho do Ano da Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de dois mil e dezasseis decorreu mais um encontro cultural/gastronómico da “Geração de Oiro” do Instituto Superior de Educação Física dos anos oitenta, a célebre Turma Dois. O evento foi da responsabilidade do mais alentejano de todos os alentejanos, que humildemente mandou retirar o seu nome Rogério da porta de entrada da Herdade, tendo-o substituído pelo seu nome artístico, Grou, acrescentando o “s” para despistar as fãs. A ementa foi toda ela vegetariana, Sopa de Bolota Recheada, Croquetes de Chouriço, Legumes de Inverno com Alheira, Chalotas de Carneiro, Alho Alentejano com Molho de Tomate de Porco Caseiro,  Tofu de Porco Preto, Tremoços do Comité, Caracóis com os Toninos do Cunhal, Chouriça com Algas, Bolota Suada, Sumo de Uva, e outras iguarias que fazem sorrir qualquer entranha mais exigente. Estiveram presentes na mesa 13 pessoas, um número que dá saúde e faz crescer, principalmente aos reformados: Anselmo, Paula, Guida, Luísa, Parrilha, Jacks e esposa, Corista, Nuno, Bezerra, Pedreta, Rogério e Anabela.
O Montijo nunca mais foi o mesmo após a passagem do garanhão político, o Zézito como era carinhosamente tratado, vereador com o pelouro do desporto, que tornou a zona num exemplo de inclusão ao introduzir no município um desporto popular australiano, o “Lançamento do Anão”, que reduziu para zero a taxa de desemprego dos minorcas. Escusado será dizer que foi lá que o António Vitorino do PS iniciou a sua carreira política, por isso as más línguas dizem que ambos, o ex-comissário e o ex-vereador, estão ligados aos Vistos Gold desde estes tempos memoráveis. O Zézito também conseguiu reduzir a fatura do RSI do concelho quando substituiu a selvagem modalidade “Tiro aos Pombos” pela pragmática “Tiro aos Ciganos”. Enfim, um visionário digno da turma 2!
A Professora Doutora Paula veio de longe e chamou Jacks ao Professor Doutor Nuno, não se sabendo se foi devido ao primeiro exibir agora uma franja maior do que o segundo, ou serem sinais preocupantes de troca de identidades devido aos efeitos da rescisão. Os dois ex-trabalhadores mais famosos do Jamor exibiram escandalosos sinais exteriores de riqueza, tendo por isso confidenciado, após vários copos de sumo de uva, ao Professor Doutor Parrilha, que exibia uma preocupante fácies de psicopata, feito fortuna, uma espécie de complemento especial de reforma, no dominó de Setúbal, muito frequentado pelo grupo de motares da região, os Inválidos e Alzheimers do Comércio. A refeição foi momentaneamente interrompida pela saída intempestiva do anfitrião que alegou uma súbita dor de barriga, sinal de que as bolotas que forravam o estômago já estavam no reto, e caso alguma rebentasse, passava-se de um almoço para um velório. Regressou, para alívio de todos, alguns minutos depois, gabando-se de ter feito um grande negócio, e como tal ir patrocinar o almoço do ano seguinte para uma zona turística do país. Pediram então à Professora Doutora Luísa, pioneira na gestão do desporto, que confidenciara ser o sotaque do alentejano muito semelhante ao Hiragana de Hiroxima, para ligar ao Professor Doutor Xarepe e marcar mesa algures junto a uma praia do sul, e quando o dito senhor atendeu ela julgou ter-se enganado, pois o som que saiu do outro lado da linha assemelhava-se ao Katakana de Tóquio. A Professora Doutora Margarida, que após o final do curso seguiu a área desportiva das Finanças, rapidamente se apercebeu que falar de dinheiro com aqueles pés rapados era uma perda de tempo, mesmo com o Parrilha a tentar impressiona-la com o Mercedes, como fez nuns tempos idos com a assistente de dança, também com o mesmo nome, que o deixou à beira de um ataque de nervos com um miserável chumbo, após semanas intensas de treinos com a Dona Blandina. Não passou despercebido aos presentes que a bicharada da zona, galinhas, ovelhas, cabras, vitelas e éguas, acessórios típicos das casas da zona, estavam sempre atentas aos movimentos do anfitrião, fugindo sempre em debandada, e com algazarra, de cada vez que ele se deslocava na sua direção. E foi numa destas situações que o ex-vereador, já com muita uva e bolotas à mistura, teve um desabafo inapropriado para a idade:
- Eu com o meu feitio e com aquelas ovelhas….!
E assim se encerra mais um capítulo das nossas vidas, para ser recordado mais tarde nalguma nuvem perto de si.