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315 estórias

Friday, September 25, 2009

Marginal de Dia







Comandante Guélas

Série Paço de Arcos


Eram poucos os momentos de glória, mas valiam a pena. Durante o Rali de Portugal havia uma altura em que os participantes tinham de fazer a ligação entre Lisboa e Cascais, via Marginal. O povo esperava-os e eles distinguiam-se no meio do trânsito normal porque traziam os faróis acessos e ambos tinham capacete na cabeça. Na face do Conan Vargas cintilavam os olhos a anunciar uma tarde de fama. Havia na Marginal uma atmosfera luminosa, um brilho. O condutor do Ford Escort branco já tinha o filme dentro de si, via-se de penico branco na cabeça, comprado na Dona Maria das Bicicletas, com os máximos ligados, o grupo sanguíneo na porta, “O - RH menos” (“Ó” de Óscar, “RH” não sabia o que era e “menos” era a nota que tinha apanhado a comportamento no Liceu de Oeiras), e o barulho das fêmeas a sobrepor-se ao seu tubo de escape e, acima de tudo, a gritarem pelo nome artístico: Óscar! Conan Vargas era uma criatura nocturna que dava “oito seguidas sem ver a luz do Sol” (citação). Quando o nosso herói se sentou ao volante do carro, lembrou-se que na noite anterior tinha sido o co-piloto do Pilas, que batera o recorde da vila ao entrar “prego a fundo” pelo lado do bar “Marginalíssimo” e ter passado pelo “Manuel da Leitaria” a 140. Desta vez tinha ao seu lado o jovem adolescente com o cognome de Peidão, uma jóia de menino, que reparou que o piloto estava com a mesma cara, o mesmo cabelo e um olhar alucinado só reservado para estes breves momentos de fama.
- Quando o Conan se despistou em Carcavelos, na curva do sanatório, estava com este olhar, - foram estas as palavras de incentivo do Bigornas ao mesmo tempo que entregava os capacetes à equipa paço-arcoense número dois, uma vez que o Pilas já tinha arrancado com o Velhinho.
Se estava ou não alucinado quando desfez o carro da mãe, o Peidão não sabia, mas o relato do desastre feito pelo irmão do Zé do Fotógrafo era muito completo. O Conan tinha acabado de tirar a carta e queria impressionar as fêmeas lá para os lados do “Santini”. Como o seu “chaço” de certeza que causaria má impressão nas meninas queques de Cascais, inventou uma desculpa da falta de gasolina e de um exame da quarta classe imprevisto, e a mãe emprestou-lhe o carrinho que ainda estava em rodagem:
- Guia com cuidado, - avisou-o.
- Eu não sou burro! – Rugiu o Conan Vargas.
Encheu o carro de amigos e partiu a todo o gás. O Bólide ia com a língua de fora quando fizeram a curva, começaram a rodopiar e a bater em tudo o que era obstáculo. O Bigornas meteu as mãos na cabeça, segundo contou, e preparou-se para o mergulho no esgoto. Como é que iria safar-se no oceano se, como dizia o teórico Focas, “quando alguma vez cair numa parte funda só poderá pedir socorro com os pés, pois a cabeça funcionará como uma poita”. Não era por acaso que tinha o cognome de “Bigornas”. Tiveram sorte, Deus ainda não os queria lá em cima. O carro não foi cortado ao meio, porque bateram no poste junto ao motor, já depois da bagageira ter ficado desfeita quando atacara o muro do Sanatório.
Este pensamento varreu-se da cabeça do Peidão na altura em que o carro partiu, a fazer muito barulho, mas em passo de caracol. As fêmeas não estavam longe, encontravam-se distribuídas por toda a Marginal e o Conan queria sentir o cheiro de todas elas. Foi a sua consagração, já se via o agente secreto Óscar, à medida que o carro avançava com os faróis acesos, os pilotos de penicos na cabeça e o povo a aplaudir em êxtase uma das equipas do rali mais famoso do mundo. Mas nem Holliwood, nem Bolliwood, pois a única vez que Conan Vargas apareceu na televisão foi no anúncio ao “WC Pato”, em que se levantava da posição de cagador, abanava a mão junto ao nariz e era salvo por um perfume inebriante saído do autoclismo.