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315 estórias

Tuesday, March 12, 2024

O Lâmpada Fundida




Camarada Choco

Série Colégio Militar


Há todo um mundo escondido dentro dos Meninos da Luz que tem de ser decifrado, por isso existem estórias curtas que até parecem intermináveis. O 73 não era da Classe Especial mas tinha queda para o sagrado, uma vez que neste estabelecimento educativo, que  tentou educar futuros reis mas desistiu, e tudo graças ao Agapito, uma espécie de Estratopel, o 289, mas com uma coroa em vez de um penico, os alunos só se “descaminhavam”, e foi numa excursão à capela dos claustros, faminto, que se abarbatou dum saco cheio de “Deus-Homem”, usado no ritual cristão de comer alguém na missa. Juntaram o produto desviado às galinhas do pai da Rosa, e fizeram uns inéditos “ovos mexidos sagrados”. Mas não é destes anjinhos de que iremos falar, mas de outros seres voadores exclusivos da Luz.

-  O Dario é o Einstein da ginástica, consegue transformar merda em matéria, - disse o professor Reis Pinto.

E todos aqueles meninos da classe 1, a elite da Educação Física, disciplina dividida em quatro níveis, cujo quarto estava reservado aos gordos e aos coxos, sabiam que não poderiam chegar atrasados à aula do Lâmpada Fundida.

- Este rapaz merece um 20 a Educação Física, - fora o único elogio que o Cebola recebera, não do Conselho Pedagógico, mas sim no Conselho de Guerra.

O 360 fora o responsável por um fim-de-semana alucinante, que mostrou a capacidade de coletivamente os Meninos da Luz conseguirem o que não era fácil nem provável e, para alguns, conseguirem o impossível, mostrando ao batalhão colegial a força da juventude e da ousadia quando lutavam por um ideal, neste caso um maço de tabaco “Kart” (Camarada Choco & Comandante Guélas: Cebolada).

- Saia da aula, pela porta ou pela janela, - reagiu o Falcão, perante o pedido de explicações do 157, que tinha apanhado a única positiva da turma no teste de matemática, um “suficiente”.

- Vou pela janela, - disse o discente correndo para ela e atirando-se.

Não sabia era que o aluno em questão pertencia à elite da ginástica, um Top Gun dos “Gafanhotos” e por isso agarrou-se à borda do parapeito após sobrevoar a vidraça, tendo provocado o maior cagaço ao docente que, por momentos, endireitou a marreca, que iria ser agredida pelo dicionário do Cão, arremessado pelo 136, o seu melhor amigo, para ver o que acontecera à gazela. As noites do Colégio Militar eram uma espécie de Ibiza da Luz, porque os meninos tinham uma visão abrangente da vida, aplicavam as novas tendências e ideias, descentralizando-se. A importância desta educação selvagem foi um dos pilares em que assentou a intervenção pedagógica dos jovens dos anos 70, com grandes pedagogos dos 10 aos 60 anos. Num dos fins de semana de castigo alguns alunos resolveram ir brincar para o ginásio e montaram uma aldeia dos macacos. Quando estavam em plenos tarzans, com voos em direção aos colchões, eis que entrou o Dario e lhes fez uma proposta:

- Querem resolver o incidente oficialmente ou oficiosamente?

Acordaram receber uma aula extra, tendo o docente aproveitando o circuito já montado, que só terminou quando os meninos já pediam perdão, deixando-os de rastos para o dia seguinte.

E os efeitos da ginástica do Dario perduravam no tempo, que o diga o Girafa que um dia entrou, já homem feito, durante uma visita de ex-alunos, às cambalhotas no Salão Nobre, após abrir as portas de rompante, na altura em que o director dava a seca do costume elogiando as virtudes daquele invulgar espaço educativo.

Foi numa atividade do Dario que o 63 dos anos setenta deu início a um processo traumático que o afastou para sempre dos bocks, mini-trampolins, mesas alemãs e outros instrumentos que tornaram famosos os Gafanhotos, a classe especial do Colégio militar que encantava as Meninas de Odivelas e o resto do país, e ainda hoje lhe causa suores frios de cada vez que tenta dar uma cambalhota, coisa já rara na sua idade. O circuito estava montado, mini-trampolim, bock, cama-elástica, mesa alemã e colchão. O 8 iniciou o esquema, fez tudo em estilo gazela, sendo seguido pelo 63, que saiu com uma trajetória errada, e fez uma aterrizagem forçada na alcatifa, que lhe colocou um braço voltado para trás, impossibilitando-o de tirar ranho à cobra. O Lâmpada Fundida aproximou-se de imediato do ferido e colocou-lhe o membro no lugar.

- Vai à Enfermaria!

Cruzou-se com o Tadeu que reforçou a esperança:

- Esfrega com água fria que isso passa.

O Valentim aplicou-lhe a fórmula do costume, um copo de água com sais de fruto.

- Deixa fazer efeito e depois podes ir à tua vida.

Mas as dores aumentaram e a solução foi levá-lo ao Hospital Militar, onde acabou por ser sujeito a uma cirurgia para colocação da lasca do osso no lugar. O 63 teve de esperar dois meses até poder esgalhar de novo o frango, que entortara devido à inabilidade do uso do braço são!