O Comandante Guélas
Série Colégio Militar
No Colégio
Militar “pescadinha de rabo na boca” não era sinónimo de repetição, porque a
dita podia, sem deixar de ser quem era, morder o rabo de maneira diferente. Por
isso a diferença entre passado, presente e futuro não passava de uma simples
ilusão. Os que andaram na Luz vivem eternamente, porque fazemos parte de um todo.
Estas estórias contam-se porque nenhum de nós está preparado para deixar o
passado para trás. O 361 tinha ultrapassado todas as linhas vermelhas,
perdera-se em divagações e resmunguices, “descaminhou-se” e catou várias notas
de vinte escudos, onde assinou o nome, sinal de propriedade. Para o graduado
Truta só havia uma solução, que não passava pela tradicional Firmeza e
Apresentação à Alvorada, mas sim psicologando, ir-lhe às entranhas do
inconsciente, para apagar-lhe os riscos na alma. De hipnotismo no Colégio
Militar havia registos dos atos do Pato Marreco, o professor de Ciências da
Natureza, e do 599, que admoestava com alguma regularidade as galinhas do
senhor Nunes, uma vez que da filha, a Rosa, não conseguia nada, atirando-lhes
para cima clorofórmio desviado ao Valentim, que punha os galináceos à sua
disposição durante algum tempo. No Colégio Militar houve três trutas, mas só uma
abriu a caixa de pandora, chamada Sissé! O Truta era um aluno que possuía aquele
descaramento divino de mergulhar nas funduras dos camaradas, alguém que
misturava na dose certa a temeridade, bastando para isso insinuar-se com um contador
do tempo voltado para o visado. Após várias passagens do relógio em frente aos
olhos do Sissé, ouviu-se um “clic”, o 361 catrapiscou os três olhos, as poucas meninges escancararam-se e o paciente, que tinha os sarilhos colados às solas
das botas, apresentou-se com mais empáfia do que nunca, estava magnetizado, trazia consigo os
feitos agigantados dos antepassados, criados numa selva virgem onde se ouviam
mosquitos a tricotar o ar e cigarras a estridularem ao seu redor, recheados de
ódios e amores de outra época, trocando o estranho “amarelo” europeu pelo
apetitoso macaco grelhado africano. Ouviu um sussurro, que
pairou durante breves segundos e sentiu forças e
energias novas, que lhe deram uma sensação de superioridade. Desviou-se de um apagador com que o Bastos o costumava mandar calar,
viu um camarada trancado dentro de um armário, ladeado com os livros do Tarzan
e do Sandokan, antes do professor de Matemática entrar e assistiu à última
formatura de um dia em 1934, onde um comandante de companhia lia a ordem de
serviço:
- Determino
e mando publicar – começando por referir a punição em dez dias de prisão de um
soldado em serviço na quinta “por ter sido encontrado pelo sargento da ronda a
cometer actos ilícitos em cima de uma vaca”.
Por isso
quando o hipnotizado pronunciou duas palavras ininteligíveis, “catota” e “obo”,
o Truta gritou de alegria, e o 26 fugiu:
- Este já cá
canta!
O Sissé saiu
em passo de corrida e desatou a marrar nos armários da camarata e a furar todas
as bolas de plástico que apanhava pelo caminho, ao mesmo tempo que recebia uns tímidos
“olés”. A
notícia do estado soberbo do “senhor aluno” 361 chegou aos ouvidos do oficial
de dia, que o pôs a jantar à parte, ao alcance das suas mãos.
- Tic, tac,
tic, tac, - gritava de cada vez que trincava um submarino.
E foi após
uma monumental chapada, o castigo sumário mais eficaz de todos os tempos, que o
Sissé saiu do Buraco de Verme e regressou ao Batalhão Colegial!
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