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315 estórias

Monday, February 18, 2019

O Galo





O Comandante Guélas

Série Colégio Militar


Estas estórias devem ser mantidas debaixo de olho, o que elas são e o que têm para contar, estórias de rapazes que se cumpliciaram para lá dos silêncios. O Colégio Militar condensou e engrandeceu a nossa experiência de vida, para o bem e para o mal!
Façanhas extraordinárias marcaram para sempre o lugar, ninguém consegue ficar indiferente a feitos quase impossíveis, a feitos extremos que desafiaram os limites da condição humana: saltos da 1ª Companhia para colchões empilhados junto do canhão, tunnings com o carro do capitão Caetano, rally no bólide do chulógrafo, ataques de cavalaria contra o pessoal da esgrima, pôr capotes na cruz do zimbório, visitas de cortesia às Meninas de Odivelas. Numa sala do primeiro andar dos claustros um tenente-Coronel armado em peru, dava início ao teste de geografia, após ter avisado os discentes de que não toleraria cabulanços, não fosse ele um ex-aluno conhecedor de todas as técnicas extras de auxílio da memória. Ainda teve tempo de abrir uma janela e falar com alguém:
- Ó ordenança, o meu cavalo já está arreado?
Felizmente não ouviu o Esperma:
- Eu montava era as tuas filhas!
O Colégio Militar representava um estabelecimento de ensino sobrevivente a 214 anos de instabilidade crónica, num país dirigido por gente que “não se governam, nem se deixam governar”, onde estudavam rapazes especiais. O 205/1897 dizia que quando entrou para a Luz era moda entre os alunos serem do contra, o galifão tinha a admiração dos camaradas, quanto mais dias de prisão apanhava melhor, porque ao domingo ia à missa escoltado por dois alunos armados, e isso dava estilo.
Nestes anos setenta do século passado o Galo andava instável, a Rosa tinha sido atacada numa noite escura lá para os lados do ginásio, e todos os Meninos da Luz eram suspeitos, e ainda por cima as suas galitas costumavam acompanhá-lo na atividade na Pista de Obstáculos, observadas sempre à distância por um rebanho de meninos rebarbados fardados de cotim, que cacarejavam sem interrupção, tentando sentir o cheiro a maresia nos momentos do trote, que tinha um efeito no comportamento noturno dos imberbes.
A alguns o colégio desaparafusou-os para sempre, não se sabe se por ter dado um empurrão nos genes, ou por circunstâncias do envolvimento cultural, pinturas, firmezas, mocada, apresentações à alvorada, flatetes, biqueiros, murros, estaladas e muitos outros feedbacks que se diziam pedagógicos, que o diga o diretor que um dia discursava com eloquência para o curso de ex-alunos que visitava com “saudade” o Colégio Militar, quando as portas do Salão Nobre se abriram de rompante e, tal como um dos Gafanhotos do Dario, o Girafa entrou às cambalhotas. A miudagem tinha comportamentos exclusivos, por isso ao jantar havia muitas vezes, algures numa mesa perdida no vasto refeitório, uma atividade cultural clandestina, o jantar  pré-histórico, em que era proibido usar os membros superiores, havendo por isso alguma dificuldade em apanhar as lulas com os dentes, e quando as apanhavam alguns arremessavam-nas de imediato, ao estilo lançamento do martelo. O Selvagem, o 202 de 1901, quando se apanhou com estrelas nos ombros, divertia-se a amarrar os ratas a um tronco de uma árvore, onde os suspendia de cabeça para baixo. Eram os psicopatas de serviço!
Noutra ponta dos claustros a aula do Falcão no primeiro andar não tinha deixado saudades, a única positiva, um “suficiente”, fora para o 157, que lhe foi pedir explicações, tendo como resposta uma ordem de saída, ou pela porta ou pela janela:
- Vou pela janela, - disse o aluno correndo para ela e atirando-se.
O Falcão ficou branco, mas desconhecia que este Menino da Luz fazia parte do Grupo Especial do professor Dario, e por isso após o salto agarrou-se à borda da janela e assentou os pés no parapeito exterior. Houve retaliações na escadaria, o Cascão quando viu que o docente já estava a uma distância de segurança, atirou-lhe com o dicionário de português do Cão, que acertou em cheio no coco do professor.
O Galo ganhara a alcunha na Escola do Exército por usar um bivaque que dava a impressão de uma crista, uma espécie de militar freak! Esteve durante todo o tempo a fazer uma marcha marcial pela sala, com as botas altas a marcarem o ritmo, enquanto os Meninos da Luz copiavam à fartazana graças aos tampos transparentes, com excepção do 69, o número mais vergonhoso do Colégio Militar!
À tarde o Ramalho impressionara a malta com um mortal à retaguarda, com a bata vestida e os bolsos cheios de tesouras e pentes, após a insistência de vários “senhores alunos”. O Madiura dera de caras com o tenente-Coronel, quando este entrava no colégio, na altura em que apalpava a santa, que há muito contemplava com orgulho o Largo da Luz.