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315 estórias

Friday, October 26, 2007

O Construtor de Sonho

                          Camarada Choco
                                           Aventura 49

Há um velho ditado no Oeste da Brandoa que diz: “ Se te dizem que esta obra foi feita por um Monga, desconfia. Eles geralmente pouco fazem!”
E é a pura verdade! Todos sabem disto, mas negam-no se lhes perguntarem, apesar de andarem sempre a dizer aos miúdos e graúdos que é feio mentir. Assim, se olharmos para um quadro numa exposição camarária de “pessoal diferente”, noventa por cento da obra foi feita pelo técnico responsável, tendo-se limitado o autor oficial a uma simples pincelada, que estragou tudo o que já estava feito, obrigando o Aparafusado a fazer umas horas extraordinárias, de borla, para repor a legalidade da obra. Se recebermos um postal de Natal assinado por um desaparafusado desconfie-se, porque noventa e cinco por cento do presépio foi feito pela auxiliar, pois geralmente a responsável pela sala estar sempre algures a fazer as eternas, e já famosas, avaliações, que lhe modificam sempre o formato do penteado. O desaparafusado, como diz a tradição, é sempre o responsável pelo único olho com que o Menino geralmente aparece na inspecção final, obrigando a Comissão da Perfeição a colocar-lhe o berlinde em falta, pois naquele espaço são proibidos objectos imperfeitos, porque ninguém compra. Passa-se o mesmo com os Pirilampos: as velhas analisam primeiro o bicho antes de largarem a moedinha! Muitas das vezes regressam no dia seguinte para o trocarem por outro mais “perfeitinho”. E tudo isto em nome dos Desaparafusados, que tanto amam. E sabonetes “made in monga” com imagens de santinhos? Eles nem entram na sala de produção, não vá deixarem escapar pedaços de baba, que transformariam o cheiro a “Rosinha Manhosa” em “Sebo de Mongólia”. Mas não é de “acessórios” que esta história irá tratar, mas sim de “tijolos”. E como sempre em tudo o que está relacionado com este Clube das Mil e Uma Noites, tem o dedo da Madrinha. Decidiu um dia que os técnicos tinham direito à sua própria vocação atirando, mal entrou na propriedade, com o Nélinho para o sótão, de encontro ao “cimento e ao chumbo”.
- Quero vinte mil carcaças de betão para amanhã, – ordenou.
- E ajudantes?
- Podes ir ao rés-do-chão requisitar colegas e traz também uns desaparafusados para fazerem número. Aliás, o projecto foi a pensar neles, como todos os que me sustentam.
O Nélinho fez uma entrada de Açor nos gabinetes das colegas, trazendo de arrasto a Terapeuta Zézé e a Fisio Raposinha, pondo-as no ninho e obrigando-as a meter as mãos na massa.
- Só vos devolvo os “Cartões de Ponto” quando fizerem o servicinho, – gritou, tirando a camisa.
- Mas eu tenho Clientes à minha espera, – disse timidamente, levantando um dedo, a Raposinha.
- Caluda, quem manda neste sótão sou eu, o Doutor Nélinho, Sobrinho-Neto da Doutora Sem Canudo. Vou até ao bar tomar o pequeno-almoço e aproveito para ficar para o almoço. Quando regressar lá para o fim da tarde, quero cinco paletes empacotadas. Lembrem-se que quem vos paga os ordenados e os subsídios da outra, – e apontou para cima, mudando rapidamente o indicador para baixo, quando se apercebeu que estava no sótão, – são estes tijolos de betão com prazo de acabamento. Dos Mongas não esperem receber nada, pois eles só são úteis para a isenção do IA e do IVA, e nem conduzir podem.
- Estou com falta de ar, - queixou-se a Terapeuta Zézé, tentando meter baixa médica.
- Eu já lhe curo a emoção. Eu só tirei a camisa para vestir a bata. Estava a pensar em paródia? Comigo “conhaque é conhaque, trabalho é trabalho”, mesmo que aqui só beba conhaque, ouviu? Vá, siga já para os tijolos!
A “Dança das Cadeiras” é uma constante neste estabelecimento de reeducação, e quem hoje está sentado amanhã poderá não ter assento. Enfim, modernísses!

Friday, October 05, 2007

O pêssego da Brândoa

                          Camarada Choco
                                           Aventura 48
 
O produto secreto contra a sarna usado uns anos antes pela Protecção Civil, e que tinha deixado marcas na parede, estava agora a provocar os efeitos secundários, escondidos deliberadamente por quem pretendia tomar o poder: uma praga de estagiárias! E a situação era tão grave que elas ameaçavam ultrapassar o número de Clientes (nome pomposo atribuído agora aos Mongas). A cada dia havia uma novidade, elas apareciam por Geração Espontânea, eram de todas as formas e feitios, altas, baixas, gordas, magras, velhas, brancas, pretas, coxas, grávidas e……mongas! E tudo acontecera desde o momento em que a Doutora Sem-Canudo se auto-nomeara “Directora Geral”, com o correspondente auto-acréscimo de ordenado. E tudo dentro da Lei! As finanças estavam difíceis, metade do orçamento ia para a Folha de Pagamentos da Madrinha, que fazia colecção de cargos, como o major de Gondomar, e a outra parte esgotava-se nos almoços obrigatórios nos dias das reuniões às 10H00, na rua ao lado, diários, e que incluíam também o consumo de gasolina e gasóleo, caso se utilizasse o autocarro com a plataforma. Se a reunião fosse com as doutoras sem canudo do costume, a concorrência obrigava ao uso do “Machibombo com Elevador”, para que a Auto-Directora Sem Canudo da Venteira humilhasse as adversárias no momento em que lhes aparecia vinda do céu, tal qual um anjo. Mas um reinado destes tinha custos, muitos custos, e como a ambição era grande, e o mealheiro estava vazio, muito vazio, tinha-se de cortar nos bolsos dos outros. Daí esta invasão de estagiárias, de borla, escravizadas e que não tinham direito a reivindicações. A verdadeira história começa aqui!
A Beta do Samecas estava à beira do suicídio, o pau com que ele passara em direcção à casa de banho não tinha tido a influência das suas carícias. Havia monga no terreno e ela jurava fazer justiça com as próprias mãos, com a que funcionava e com a que estava gripada desde o nascimento. O Samecas estava em “estado de unicórnio” permanente, com o chifre a meio do corpo, e a cara dava a impressão de estar perigosamente perto da sensação de não ser aquele que acreditara ser. E tudo isto causado pela nova estagiária que resolvera sentar-se ao seu colo, contra todos os princípios que faziam dela uma aparafusada, dando-lhe de enfiada um ósculo violento no pescoço, arriscando-se a engolir um dos seus maiores quisto, o conhecido “Pêssego da Brandoa”. Estaria ela a usar novos métodos pedagógicos de reabilitação de desaparafusados ou seria ela própria uma estagiária monga, descoberta exclusiva da Doutora Sem Canudo, única directora com queda para este tipo de fenómenos do Entroncamento? Quando tentaram contactar com a responsável estava com um problema agudo entre as mãos: a Afilhada, agora com o nome próprio de Fidélia, recusava-se a trazer uma das carrinhas da colónia, alegando não ser a sua e ameaçando vir de burro. E nesse preciso momento a Bélinha, a irmã do Choco, estava congelada, em estado de Santinha, sinal de que a tradição epiléptica da família se mantinha. O brasão do Conde Chocalheiro, ilustre monga do século XVII, continuava a dirigir os destinos daquela ilustre família. À tarde a mães do Samecas reclamou as dentadas que o filho levava no lombo. Foi informada de que a responsável era a Belucha, a sua eterna noiva, agora possessa de ciúmes, pois o “Pêssego da Brandoa” estava-lhe destinado há muito, prometido para a Noite de Núpcias, e não seria agora uma estrangeira, e ainda por cima Aparafusada, que lhe iria roubar o seu “fillet mignon”. Por isso tinha decidido marcá-lo, da mesma maneira que ao gado, para acabar de vez com a concorrência.