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315 estórias

Thursday, August 19, 2004

O Universitário - Odisseia 1

                          Camarada Choco


                                      

A emoção era enorme e imprópria para cardíacos, coxos, zarolhos, carecas e afins. Pela primeira vez na história da nossa querida Cooperativa de Reabilitação...etc.,etc., e mais algumas mariquices, um dos seus associados tinha sido seleccionado, entre muitos milhares de mongas ( metade da população portuguesa ), west boys, cromossomas-x-men, Dandy-Walker’s e muito mais hippies, para fazer parte da selecção mundial...perdão, é a emoção a ultrapassar o meu discernimento....para fazer parte da amostra dum estudo que se iria realizar numa Faculdade.

Nome do Herói: CHOCO SILVA, ou melhor, DR. CHOCO SILVA (com letra Maiúscula e a Negrito).

Ficaria assim para a história da Brandoa como o primeiro Treacher-Collins a norte do Tejo a ingressar numa Universidade !
Iria ser sujeito a um treino intensivo durante algumas semanas e depois teria de passar por implacáveis exames finais. O Choco nem estremeceu, estava desde aquele momento pronto para a luta, com o peito ao vento...peito !??..Oh não...enganei-me...com a Cifose...lá estou eu a armar-me em intelectual...com a marreca ( nome popular ) ao vento e a língua junto aos pés.
Ainda a madrugada era uma menina e já o nosso atleta montava arraial à porta do ginásio, devidamente equipado com a sua jurássica camisola de alças número 69 do Benfica, os seus calções verde esperança e os ténis número 55, sendo os 12cm em excesso ocupados pelas suas unhas estilo predador e para amortecer o cheiro de doze anos consecutivos sem ver a luz do Sol e as carícias da água.
1,2,3..., eram tantas as flexões que até a cifose dorsal desaparecia no meio de toda aquela massa muscular, parecendo ir instalar-se sorrateiramente na face sensual do nosso Sansão, que ficava agora mais parecido com um peixe corneta.
4,5,6..rugia o leão da Brandoa, à medida que fazia manguitos com a barra de 15 quilos, ou seriam toneladas!?? A expressão facial e a posição da língua, que já tocava na testa, tendiam para a segunda hipótese.
Na 8ª tentativa o colapso traiu as expectativas e o ferro caiu com estrondo no seu sensual pescoço, provocando o arremesso imediato dos seus ténis vermelhos contra a parede branca, assim como o crescimento descontrolado das unhas pré-históricas, que se enrolaram com estrondo na língua em forma de jibóia, ao mesmo tempo que deitava fumo pelas orelhas. Foi graças às toneladas de roupa que o Choco sempre trazia na mochila que conseguiram extinguir o fogo.
A prova seguinte fazia apelo aos seus abdominais. E este parecia ser o ponto forte do nosso Tarzan Choco Taborda!
- Preparado...atenção...vai – gritou o professor com voz grossa, digna de um verdadeiro treinador.
Mas só veio a língua, que recolheu com um pedaço de caliça do tecto. Iria ser o fim do mundo quando o chefe Porres tomasse conhecimento da ocorrência! Deu-se por finalizado o primeiro de muitos treinos. O nosso herói pegou na mochila, que geralmente pesa toneladas, devido aos milhares de cassetes piratas, bugigangas, roupas, toalhas, fatos de banho, shampôs, chinelos, óculos de mergulho e muitas, muitas mais surpresas que o acompanham para todas as actividades da vida diária.
Ainda os poucos galos da cidade não tinham tocado nas cornetas e já o nosso UNIVERSITÁRIO estava junto à porta do ginásio, pronto para o segundo combate.

Prato do Dia: Resistência Aeróbica

- Aos seus lugares...pronto...Piu !
Tal como um trovão, o nosso querido Choco partiu em slaide, com os ténis a chiar e o escape na máxima potência. Contra todos os prognósticos e apostas, não foi longe! Ainda não tinha atingido o meio da recta e já se precipitava de encontro aos paralelepípedos. O cronómetro não parou, obrigando o nosso Carlos Lopes da Brandoa a retomar a marcha. Mas nem assim melhorou ! Novo despiste no mesmo local. O director da prova deu ordens para se suspender o encontro e ordenou um exame rigoroso à máquina e ao terreno. Neste não havia nada que fosse o responsável, nem mesmo uma humilde bosta da cadela Duna. Geralmente os cocós tomavam banhos de Sol na relva do Porres e do Virgulino. A culpa era dos pneus!
- São inadequados – gritou o responsável.
Os ténis vermelhos eram grandes demais para as jantes. Metade deles, mais precisamente as partes da frente, não acompanhavam o andamento e ficavam sempre para trás. Treino suspenso até mudança de faluas.
Dia 3. Mais uma vez o atleta a antecipar-se aos galináceos.

Prato do Dia: Flexibilidade
A caixa, emprestada pela faculdade já esperava ansiosa pelo utente. Primeira exigência: o jovem tinha de se descalçar!...Descalçar !??..Meu Deus, e o ambiente, a camada do Ozono, iriam aguentar ?? Desatar aqueles paquetes iria ser um trabalho “herculíneo”. Pelo menos mil nós dados desde o nascimento até à idade adulta, separavam as fedorentas meias do final do século XX. Missão Impossível! Foi com o auxílio de um pé-de-cabra meio monga que as carcaças saíram, levando coladas parte das unhas encravadas e do seu conteúdo calórico. A partir daqui o odor insuportável a chulé-por-camadas traiu a consciência dos presentes e dos mais próximos e só voltaram à luz do dia com a ajuda dos profissionais do 112. Quanto à “flexibilidade”, esta alternava de lado por influência da marreca, da escoliose e de outros problemas afins.
Há certos momentos que temos a sensação de que o Tempo anda a gozar connosco. Ainda mal tínhamos recuperado do dia anterior e já o Choco se encontrava pronto para mais uma corrida.

Prato do Dia: Salto em Comprimento sem Balanço

Duas marcas de giz branco no chão assinalavam o ponto de partida e o de chegada. Os ténis benfiquistas persistiam em não largar o grande Choco Silva e por isso teve de ser feito um desconto pessoal: a Segunda linha recuou 10 centímetros! Foi-lhe explicada, da melhor maneira possível, a técnica ideal para ser um verdadeiro campeão.
- Hã, hã – rugiu o nosso herói, dizendo que tinha percebido claramente as instruções....ou talvez não!??....agora já era tarde de mais!
O garanhão já estava preparado para o Take Off ! As asas balançavam freneticamente, das orelhas já saia fumo branco, a língua esvoaçava em todo o seu esplendor, a cara parecia o Concorde. Colocaram colchões na parede distante, para o caso do jovem decidir aterrar na sala ao lado. Quando partiu o fumo já tapava todo aquele magnífico Jumbo da Brandoa e o barulho era ensurdecedor. O Landing provocou um autêntico terramoto. Uma eternidade até o fumo desaparecer.....todos olhavam estarrecidos para a parede, tentando vislumbrar o nosso Ser Olímpico. Mas dele, nem sinal ! Teria entrado em órbita, estando agora a ser cobiçado por um par de marcianas siamesas ?
- Está ali – gritou um dos assistentes, obrigando-os a olhar para trás.
E estava mesmo.... a 10 centímetros à frente da linha da partida.
O cabedal do herói crescia a olhos vistos. A prova dos nove veio num dia de Sol na casa dos pais. Estavam os pintores a dar novas cores ao quarto de dormir dos progenitores quando foram surpreendidos por gritos femininos alucinantes vindos da cozinha. Desceram apressadamente dos escadotes e correram como lebres para o local da tragédia. O espectáculo era arrepiante ! O nosso atleta acabara de atacar, tal como um felino, a sua progenitora e a sua querida irmã, que desde o nascimento partilhava com ele o síndrome de Treacher – Collins. As duas fêmeas já estavam “Ko” e o agressor transportava-as agora como os antigos Treacher – Collins das cavernas. O chefe da família foi confrontado com a dura realidade quando chegou do trabalho, já a noite ia longa. Lançou-se de imediato no encalço da fera, que tentava desesperado contar os carneiros, que teimavam em não sair do número três. Apanhou-o num momento de fraqueza e lançou-lhe um grito de morte:
- Se eu um dia chegar a casa e encontrar a tua mãe e a tua irmã aqui esticadinhas, dou-te uma sova que também ficas alinhadinho com elas.
Ainda o nosso herói não conseguira guardar o rebanho e já o cinto, comprado na feira da Brandoa, lhe fazia uma tatuagem na marreca.
- Querido toma cuidado com o teu “castrol”, que está muito elevado – avisava a vítima mais velha, tentando salvar o seu menino das garras do seu garanhão.
No dia seguinte o Universitário apresentou-se, tal qual um Apolo, na zona dos treinos. O mau tempo do dia anterior já não fazia parte da sua memória ( nem cabia ! ). Desta vez ia em direcção à Faculdade, precisava de se adaptar aos aparelhos. Os efeitos do árduo trabalho sobre o escultural corpo do Choco eram bem visíveis na inclinação lateral da carrinha, também ela deficiente.
O tapete rolante já roncava e o atleta olhava para ela como um palácio para um boi.
- Ah, á, á – dizia, e muito bem !
- Pronto ? Go, go...
- Nem os ruídos fisiológicos prejudicaram o arranque do pantera branca da Brandoa, que lá seguiu tipo foguetão, esteira acima.
O dia D aproximava-se, assim como o estudo exaustivo da fera.

Tuesday, August 10, 2004

A CARTA


                         Camarada Choco
                                          
Estava o chefe calmamente a arrumar os papéis na secretária, quando o telefone tocou de mansinho. Ainda teve tempo para deitar um último olhar ao relógio, que o informou serem horas do recolher. Levantou o auscultador e foi de imediato metralhado por uma voz à beira de uma convulsão:
- A minha filha foi convidada pela Escola para um show porno no dia 24 de Março - gritou um enlouquecido, ensandecido, desvairado, endoidecido, desatinado, frenético, enfim, um mentecapto, do outro lado da linha.
O chefe nem queria acreditar ! Estaria a delirar ou já estava em casa a dormir e o excesso de trabalho provocava-lhe alucinações ? Não, era mesmo verdade.
- Estou !??
- A minha filha foi convidada pela Escola para um jantar íntimo à luz das velas e tem de ir vestida com uma blusa decotada e mini-saia - atirou o outro de rajada.
- O quê, com quem é que eu estou a falar ? - perguntou, atónito, o Chefe, pondo-se de pé, tal qual um felino, passando a falar de cima para baixo.
- DAQUI FALA O ENCARREGADO DE EDUCAÇÃO DA PALMIRA MELGA - respondeu em voz maiúscula.
- Boa-noite, senhor Evaristo Melga !
- BOA-NOITE NÃO, MÁ-NOITE. ENTÃO VOCÊS ANDAM A CONVIDAR AS ALUNAS PARA ENCONTROS DESAVERGONHADOS? - tornou a gritar o papá Melga.
O Chefe nem queria acreditar. Agora tão perto da reforma, depois de ter cumprido várias comissões militares no Ultramar, só faltava esta melga para lhe estragar o resto do dia.
- O senhor está a dizer que recebeu uma carta da nossa Instituição a convidar a sua filha...
-....PARA UM ENCONTRO SEXUAL....PEDEM PARA ELA IR TODA NUA...
O Chefe deitou um rápido olhar para um Tegretol que dormia descansado a um canto da secretária e desejou poder envia-lo, via Telecom, para aquele pai tresloucado.
- O senhor vai-se acalmar e amanhã manda-nos a carta pela sua filha.
- MANDAR A CARTA PELA MINHA FILHA !?? NÃO, NUNCA, JAMAIS....
Uma carta daquelas nunca poderia ser transportada por uma menina deficiente. E se ela engravidasse, mesmo não sabendo ler ? Hoje em dia não se podia confiar em ninguém, o perigo espreitava em todos os sítios, os pedófilos....perdão...os mongófilos não davam descanso às pobres damas, até já atacavam dentro dos envelopes. O senhor Evaristo Melga arriscava-se a ter um envelope como genro e a ser avô de uma melguinha correio azul.
- Então venha cá o senhor entregar-nos a carta.
- E DORMIR !?? APESAR DE EU SER UM PAI ATENTO E PREOCUPADO, AS RESSACAS.....OS SERÕES DE TRABALHO OBRIGAM-ME A DORMIR DURANTE TODAS AS MANHÃS. VOU ENVIAR-LHE A CARTA E A MINHA MULHER. MAS NÃO SE ESQUEÇA, SENHOR DIRECTOR, A MIM NINGUÉM ME CALA !
A carta foi entregue com nojo, diria mais, com asco...com aversão..com repugnância...pela agastada mãe à beira do precipício da vida. O local onde ela julgava que a sua filha estava e estaria sempre em segurança, revelara-se agora numa diabólica armadilha, que não hesitava em enviar espermatozóides liofilizados através dos CTT, um produto mais corrosivo do que a própria droga. Que mais coisas tenebrosas poderiam fazer ? Seriam cobaias de experiências comportamentais ? Aquela sala de luzes e sons, que a tinha maravilhado, não seria um laboratório de experiências sexuais ? A televisão tinha razão ao alertar e mostrar ao mundo estes centros de terror. Depois desta reunião com a direcção iria à SIC denunciar estas conspurcação, esta depravação, esta profanação e com certeza que o seu Evaristo Melga iria abrir o telejornal das 20H00, sendo assim o primeiro "Informador" português, aquele que descobrira o verdadeiro objectivo das Cercis deste país.E assim o envelope foi aberto e lido em voz alta o seu diabólico conteúdo:

" Vimos por este meio informar que a sua educanda Palmira Melga vai participar numa prova de Natação no dia 2 de Março. Neste dia terá de trazer fato de banho, toalha e chinelos ".

Saturday, August 07, 2004

Desenvolvimento Pessoal e Social

                           Camarada Choco

                                             Aventura 12
 
O tema escaldava ! Pedia-se a colaboração de todos, tinha-se chegado a um ponto sem retorno, o abismo estava cada vez mais perto, a ponte para a outra cueca...perdão...para a outra margem tinha de aparecer o mais rapidamente possível. “Sexo”, sempre o maldito “sexo” ! Ficar-se-ia pela teoria, como do costume, ou tentar-se-ia socializar a prática ?
A Natureza andava a brincar connosco. Privava-nos de muitas coisas, mas no que tocava ao “chéxu” estava tudo intacto. Era só esperar pela chegada da Primavera e aí estávamos todos a abanarmo-nos de todas as formas e feitios, para chegarmos ao mesmo prazer. E quais iriam ser os temas a transmitir-nos ? Seriamos divididos por classes, os Eremitas, os Pescadores ( tudo o que vem à rede é peixe ), os Predadores, os Arrastões...etc.,etc., ou ficaria tudo ao molho ? Ou até não teríamos direito a participar, pois só aos doutores diria respeito ! Ainda as decisões não estavam tomadas e já choviam propostas:
- Os alunos da Educativa poderão ir visitar os do C.A.O. !
Uma simples visita de cortesia ou um encontro mais picante !?? E quais seriam as regras?? Existiria fora de jogo e cartão vermelho ? Quantos doutos juizes ? Não seria melhor deixar andar as coisas como estavam, do que ir mexer num vulcão meio adormecido ? A decisão estava tomada....
A sala 6 da Área Educativa, constituída por meninos e meninas no início da Puberdade tinha sido a escolhida para ir fazer uma visita sexual....perdão...perdão....uma excursão de trabalho à sala 9 da Área do C.A.O., para aí assistirem a uma Acção de Informação sobre “Sexo”. A excitação estava dentro dos parâmetros normais, incluindo duas convulsões de última hora. A saída decorreu ordeiramente ao som de um ritmo caótico e alucinante.
Na sala a Formadora esperava pacientemente os utentes, entretendo-se a desenhar num quadro um estranho objecto constituído por dois círculos pequenos e uma linha recta avantajada. Os assistentes foram-se acomodando à medida que chegavam e algum tempo depois o local já fervilhava de mongas teenagers inconsequentes.
- Bem, podemos começar – avisou a oradora, apontando para o desenho – Isto é um Pénis ! Alguém sabe o que é um Pénis ?
- Énis...Énis – levantou-se de imediato alguém da assistência com o braço no ar – Énis, Énis...
- Diz lá, Palmira Melga, o que é um Pénis.
- Énis...Énis – gritava excitada a espectadora à beira de uma convulsão, sendo acompanhada pela multidão em histerismo – Énis, Énis...
- Vá lá, explica aos teus colegas...
E como um gesto vale mais do que mil palavras, puxou de imediato o Choco que estava ao seu lado e prontificou-se para mostrar o que era o “Énis”. O macho não cabia em si de contente por ter sido ele o eleito e já deixava escapar a sua enorme língua de encontro ao chão. Abriu os braços e avançou a bacia em sinal de cooperação.
- Énis, Énis – continuava a gritar a intelectual.
Puxou pelo indicador da mão direita e colou-o de imediato nos ténis vermelhos número 50 do seu querido e respeitado Choco. A decepção foi geral, mas não evitou que a turba se lançasse furiosamente de encontro a todos os ténis presentes. O retorno à calma demorou uns longos trinta minutos, tendo sido necessário recorrer a todos os calmantes disponíveis na sala. Quanto ao macho eleito, ainda se podia ver o seu gesto reprovador, como que chamando burra à sua ilustre colega.
- Énis, Énis – gritava ininterruptamente a interveniente, alheia ao caos em que se transformara o “Desenvolvimento Pessoal e Social”.
- Quem sabe o que é um “pénis” ? – tornou a perguntar a Formadora.
De imediato, o Choco tomou a iniciativa e saltando para o palco, tal qual um felino, gritou bem alto para quem o quisesse ouvir:
- Áálho, áalho, áalho – rosnava o nosso herói do cinema mudo, ao mesmo tempo que baixava furiosamente os calções...os calções...os cinco calções multicolores que trazia desde o mês anterior.
Nem as vozes contra o demoveram da exibição e num piscar de olhos ficou com a cintura pélvica ao léu, mostrando ao público presente o apêndice avantajado, torto e com um nó na ponta com que os céus o tinham presenteado e agora aumentado com o calor da discussão. E, no meio disto tudo, ainda se ouviu um grito alucinado duma das presentes, que desmaiou com a emoção. Era a nossa querida e estimada Madame Amorim ! Quanto ao Choco, permanecia parado e orgulhoso, exibindo o seu fabuloso Chevrolet com os pneus furados, uma precaução da Natureza, não fosse ele querer seguir as pisadas dos progenitores e manter indefinidamente a inscrição da família Choco na Segurança Social.
A primeira parte da sessão estava concluída, já não havia dúvidas quanto ao “Pénis”. No entanto, foi necessário esperar algum tempo para fazer sentar a Papoila que, devido à sua fraca visão, insistia em ver o Chevrolet, tendo-se para isso deslocado para junto do colega e colado os olhos ao seu descomunal pepino. Quanto aos outros machos presentes, todos eles também exibiam os seus dotes às colegas interessadas...todos!??....todos não, havia uma excepção, o Ambrósio Caspa que, por mais que procurasse, não conseguia vislumbrar o seu cacete, ausente devido às contingências genéticas.
- Amigos, tenho outra pergunta para vos fazer – avisou a Formadora, conseguindo captar, depois de muito esforço, a pouca atenção dos presentes.
O próximo tema também não era dos mais fáceis. Foi com muito medo que se atreveu a passar à questão seguinte:
- Alguém sabe o que é uma “Vagina” ?
Foi demais ! Com esta o Choco não se aguentou e atirou-se sofregamente à Zobaida, que permanecia no seu normal estado letárgico rodeada de moscas, mas foi traído pela sua visão estereoscópica, indo cravar os dentes na roda traseira esquerda, que apresentava um piso careca, despedaçando-a com estrondo, facto este que provocou um súbito desequilíbrio na pré-histórica cadeira de rodas, que não aguentou a traição da força da Gravidade, arremessando, de imediato, o seu pesado conteúdo de encontro ao chão frio. Mas como o destino é madrasto, nesse preciso momento ia a passar a apressada Lolita que não teve outro remédio senão apanhar com os cento e tal quilos da sua colega, ficando espalmada, tendo ainda tempo de atirar umas sábias palavras para o ar:
- Organizem-se !
Foi com muito esforço que conseguiram dominar o senhor Choco, tendo o Conselho Pedagógico, que reuniu de emergência, deliberado amarrá-lo a uma cadeira. Decidiu-se também avançar com a projecção do pequeno, mas muito elucidativo, filme “A Actividade Sexual dos Caracóis, das Lentilhas e dos Percebes” da autoria do Alto Comissariado Europeu para a Igualdade no Trabalho e no Sexo ( A.C.E.I.T.S. ), que estava previsto para o final da sessão. Entretanto, os organizadores desta educativa e pedagógica Acção de Formação acharam por bem também eles recorrerem à ajuda dos milhares de drunfos postos à disposição dos presuntos....perdão...dos presentes. Pode ainda ouvir-se o protesto do Fangio Espástico, que queria que pusessem no ar a cassete com a gravação da sessão do canal 18 da TVCabo do dia anterior.
As lentilhas foram mais eficazes do que os caracóis, pois conseguiram adormecer a assistência, principalmente o impetuoso Choco que dormia agora como um anjinho, no regaço da sua amada Florbela. Quanto aos responsáveis pela organização, já estavam de novo preparados para a acção:
- Vamos falar outra vez sobre “Vagina” – principiou a titubeante Formadora, lançando um olhar medroso para as suas colegas, ao mesmo tempo que ligava o projector de slides que atirou para o écrã a imagem de uma rosa.
O tema era muito forte ! O nome da Rosa mexia demais com as profundezas da alma e das....cuecas....do nobre e altivo Choco, obrigando-o a dar um pulo majestoso, tal como um garanhão, mergulhando de cabeça no retrato...
- Ele vai dar cabo do écrã – gritou a Formadora, conseguindo afastar-se a tempo do predador.
Não se sabe a causa, nem o truque utilizado, mas todos são testemunhas juramentadas de que o herói saiu do local com uma rosa vermelha entre os dentes. Quanto à do écrã, desapareceu misteriosamente sem deixar rasto.
- Lá vão as lentilhas outra vez – gritou o projectista, rodando o manípulo do aparelho.
Ficou-se pelos bivalves e quanto aos utentes, que se desenrascassem na próxima Primavera.






Thursday, August 05, 2004

A Sala de Snooker

                           Camarada Choco
                                                                

 A notícia não podia ter sido a melhor: a Sala de Snooker já tinha aberto ao público......perdão.....Snoezelen......Sno quê !??..... Snooker, aquela com um tampo verde, muitas bolinhas coloridas, uns quantos buracos e uns tantos paus!??...Não, não, Snoezelen, também havia bolinhas, mas mais, muito mais, um colchão de água que vibrava e debitava música, uma bola de espelhos, um tubo alto com água e peixinhos coloridos, que mudavam de cor quando lhes tocavam, e outras atracções, que eram para o menino e para a menina. Portanto, Snooker “Sim”, mas um Snooker da Guerra das Estrelas, capaz de excitar o mais profundo dos colegas. E tudo isto por uma pequena bagatela: três mil contos!!
Resolvi antecipar-me à realidade e dei um pulo ao Futuro (nos sonhos pode-se tudo ). Lá estavam eles, os meus queridos amigos de infortúnio esperavam ansiosos a sua vez de curtirem, o néon colocado à porta da casa de espectáculos indicava que era ali o sítio mais in da cidade da Amadora:

Sala de Snooker
... Ò Perdão ...

SALA DE SNOEZELEN

...onde até o teu bisavô embalsamado diz “YES”....

.....anunciava com orgulho a luz cintilante.

O ambiente, enevoado pelo fumo dos cigarros estilo anos 30, mostrava que a tensão, em todas as partes do corpo, era muita. Havia homens e mulheres a preceito.
- Olha o calmante, Vallium 20 do melhor – anunciava a nossa querida Lolita, vestida de coelhinha do PlayBoy, tendo nos pés as famosas faluas 53 do seu amante Choco.
- Quero Fê.....Fê....Fê – gritou um macho de óculos escuros barrando o caminho à vendedora.
- Vê lá se te organizas – disparou de imediato a artista do Portugal dos Pequeninos.
- Fê...Fê... – e o senhor Kodak não passava disso, parecia ter o cromossoma extra do vinte e um encravado na garganta.
Ao seu lado uma senhora com a cara de toupeira mantinha um diálogo animado com as suas próprias mãos. Era a dona Snawzer, uma jogadora inveterada, viciada ainda no Colchão de Água, mas já curada do Pufo. Numa cadeira próxima, uma snoezelendependente careca tentava desesperadamente dar lustro à sua cabeça , roçando violentamente com esta numa placa de anúncio, que avisava:

“ Neste Estabelecimento é vedada a entrada a indivíduos com P.C. “
P.C. !?? Partido Comunista !?? Estava vedada a entrada a deficientes inscritos no Partido Comunista !??
- Ordens da Dra. Sem canudo! – apressou-se a esclarecer a abstracta Dona Lolita – Os utentes com Paralisia Cerebral podem ir dar uma volta ao bilhar grande, porque isto não é para os vossos dentes....perdão...para os vossos ossos.
- Avante camaradas – gritou o Fangio Espástico acelerando contra a multidão, ao mesmo tempo que dava sinal ao extenso cordão de mongas para o seguirem.
Parecia uma das cavalgadas dos filmes do velho oeste:

- na ponta esquerda o lendário Ambrósio acelerava como uma lesma, deixando para trás a sua própria caspa;

- ao seu lado, mas um pouco mais à frente, a famosa lebre sem patas, o inigualável Zé Balbas, deixava no soalho as marcas da borracha dos sapatos;

- no extremo direito e um pouco atrás, a pesadona Mercedes Esgoto deixava no chão um rasto como o caracol, mas acastanhado para dar um toque pessoal;

- em sentido contrário seguia a Telma Estrábica ao encontro dos seus fantasmas;

- em passo de corrida, quase junto ao líder, a madame Castafiore cantarolava tão afinada como a sua progenitora de cabelo verde;

- e muitos mais que a História iria registar para sempre no imemorável filme ,

“ A Fuga dos PCs para a Brandoa “.
Lá dentro a loucura era total ! O Tubo Mágico embebedava as almas atormentadas e estas lançavam os neurónios, tal como os dados num jogo de Poker, pelas áreas apertadas daqueles cérebros micros, indo bater de encontro às luzinhas que subiam pela coluna. O Colchão de Água, para além de vibrador, soltava uma música radical, a dos “Rolingspásticos”, a banda de rock do momento. O Pufo já era, a Zulmira Destravada tinha-lhe pregado uma dentada monumental e agora o seu conteúdo esvoaçava pela boîte, dando um toque natalício ao ambiente.
- Neve, neve – gritava tresloucada a madame Amorim, uma veterana nestas andanças, deixando cair, com estrondo, os dois anõezinhos que tinha escondidos nos sovacos....sovacos não...axilas...axilas!?? .... A madame Amorim nunca teve axilas, mas sim sovacos, e dos grandes...SOVACÕES, já para não falar das crostas acumuladas nas suas pernas peludas, devido às ausências prolongadas ao chuveiro. E a sua progenitora que andava sempre tão aperaltada e perfumada !
Na Piscina de Bolas viam-se pernas, muitas pernas, acompanhadas de risinhos marotos, entrecortados por vezes por cabeças que emergiam com bolas coloridas entre os dentes, mas só por poucos segundos, desaparecendo de imediato nas profundezas.
Quanto à Bola de Luzes, a rotação era infernal e já levava agarrada quatro espásticos, três atetósicos, cinco coxos, dois marrecos e meio, sete micro, dois hidro, sem contar com a Zobaida que, devido à força centrífuga, já tinha abandonado o carrocel, encontrando-se a deslizar lentamente pela parede branca do recinto.
- Fujam, vem aí o chefe Porres – avisou o Zé Balbas.
- Mas tu não ficaste mudo depois daquele fim-de-semana alucinante oferecido pelas doutoras no dia das “ Comemorações do Regresso Pedagógico ao lar doce lar “ ? – perguntou a sempre atenta Lolita, afastando o melão do senhor Melão.
- É tanga, só não falo para receber o subsídio, mas à noite transformo-me no Super-Balbas, o maior orador de todos os tempos.
- Ó menina, ainda vais ficar muito tempo agarrada ao meu melão ? – refilou o senhor Melão ( não confundir com o dos “Excesso” ), apoiando-se na cabeça micro que lhe aparecia entre as pernas.
- Se já te tivessem operado a esta hérnia monstruosa não estavas aqui a ocupar tanto espaço – respondeu, de imediato, a candidata a deputada à Assembleia da República.
- O meu mal não é ter todo o intestino nos joelhos, é ter nascido preto e não ser filho de ministro. Os especialistas dizem que não é urgente !
- Sai da frente ó P.C., esta procissão “belongue” aos mongas – gritou o Johny Kodak, o rei dos trissómicos, uma espécie de maçons do Ensino Especial.
Num canto escuro e já um pouco inclinado pelos efeitos dos drunfos, o Choco mostrava a sua requintada arquitectura corporal a uma moça desprevenida.
Na Sala de Snoezelen a festa aproximava-se perigosamente do RedLine. Dentro do tubo já nadavam dois utentes e a Violeta ameaçava com uma crise existencial e tudo devido a eles não mudarem de cor quando lhes tocava. Os boateiros depressa espalharam que a boite era uma fraude, tinham-na comprado numa loja dos 300, não era uma Znoezelen genuína. Queriam a cabeça do responsável !
No ar pairava a ameaça de uma convulsão em bloco, um autêntico 25 de Abril dos deficientes.
- Calma, o povo é sereno – gritava para as massas a única pessoa lúcida, a D. Lolita, depois de ter trepado para as costas do Pitrongas.– Só tenho drunfos para os mais radicais ! Quem quiser reclamar dirija-se à Secretaria e fale com a chefe.
A festa acabou nos Serviços Administrativos com os utentes em histeria total e a Dona Sãozinha em início de colapso, depois de ver, mais uma vez, as folhas de pagamentos desaparecerem, desta vez engolidas pelos artistas mais incomodados.



Tuesday, August 03, 2004

Linha de (Des)montagem

                          Camarada Choco

                                          

- Conseguimos – gritavam com orgulho as educadoras para quem as quisessem ouvir – conseguimos a “Linha de Montagem”, os nossos alunos vão começar a produzir !
Era o delírio colectivo, a nossa querida Escola acabava de entrar no pelotão da frente do Mundo Ocidental. Pus-me a imaginar ! Um centro industrial pujante no meio da cidade da Amadora, o orgulho de toda uma população, um exemplo para o Universo, o país dos Descobrimentos tornava a renascer das cinzas e mostrava-se agora babado aos bárbaros. E tudo isto devido à já famosa “Linha de Montagem” !
De repente o meu sonho foi invadido pela imagem arrogante do Choco, o melhor operário fabril, a apertar com convicção uma porca a um parafuso monstruoso, pertencente a um petroleiro liberiano que entrara recentemente nos estaleiros da Lisnave. O seu empenho reflectia-se na enorme língua que descansava suavemente no chão de madeira, tendo os olhos colados à cara barroca da sua querida namorada, que recebia o trabalho acabado pelo seu macho e dava início ao seu: desaparafusar ! Não, não era possível, estes pensamentos eram anti-operários, não iria ser com certeza esta a realidade da nossa futura fábrica.
A “Linha de Montagem” iria fazer jus ao seu nome, as porcas sairiam da fábrica devidamente enroscadas, quer quisessem, quer não. Aqui trabalhar-se-ia, o tempo das mordomias chegava ao fim ... avante camaradas ... ó, perdão ... avante mongalhadas !
- Então, onde estão as máquinas ? – perguntou o professor.
- São estas – respondeu a educadora, mostrando-lhe três recipientes de plástico da “Loja dos Trezentos” e vários sacos com porcas e parafusos.
- What !?? Perdão, caras senhoras, eu com toda a certeza que não me fiz entender ! Vou repetir o pedido. Minhas caras colegas, V. Exas. terão a gentileza de me mostrar o material.
- Aqui está !
De novo os recipientes de plástico, os sacos com os parafusos, as indomáveis roscas e .... e ..... ( claro que faltava alguma coisa, a sua indignação era genuína ! ) as irresistíveis anilhas finas e anilhas grossas, escolhidas em função do tamanho dos parafusos dos operários.
Fui outra vez puxado para o mundo alucinante da cadeia de produção e dei de caras, para mal dos meus pecados, até já parecia uma perseguição, com o rei dos trabalhadores, o irresistível sindicalista Choco, que apresentava agora um cartão de identificação colado à testa, que o denunciava como membro do clube dos portadores de Síndrome de Treacher – Collins. A mania das grandezas deste macho da Brandoa já me começava a irritar ! Estava agora a tentar pôr no seu parafuso uma anilha fina, não se coibindo de usar como martelo a cabeça oleosa da sua colega operária, a Dona Lolita. Ao seu lado estava a Telma Estrábica a tentar pôr uma rosca num parafuso fantasma, produto da sua visão dupla. À sua frente a Florbela debicava alegremente nas porcas, sendo a sua barriga de grávida testemunha da sua gulodice extraterrestre, não se coibindo de lançar uma mão ao parafuso do seu amado. Na ponta final da linha de produção estava a majestosa Zobaida tentando, há já muito tempo, colocar a sua anilha grossa, sendo prova desse esforço o bigode que entretanto crescera, cobrindo-lhe agora o lábio superior, dando um toque nobre à sua silhueta barroca.
De repente a confusão instalou-se na secção S.L.M.E.A.A. quando a operária Papoila resolveu suspender , unilateralmente, o trabalho, para presentear o seu camarada de posto com um jacto de vómito, deixando-lhe um odor muito in, digno dos melhores perfumes Brandoenses, como, por exemplo, a célebre “Essência de Anão”. Isto obrigou o operário a soltar do parafuso a sua mão direita, para assim poder retirar dos óculos os restos da maçã, bife e massa e outros produtos alimentícios calóricos, que lhe perturbavam a visão de 140 dioptrias, esquecendo-se, no entanto, que a mão esquerda já há muito tinha virado a 180º, sendo por isto inútil nesta faraónica “Linha de Montagem”. Como se previa, a Lei da Gravidade era para todos sem excepção e assim o parafuso despencou em direcção ao solo, acabando por aterrar na cabeça do JóJó Báfo-de Bode, que estava a sorver, com enorme prazer, um resto de bife expulso das entranhas da sua amiga Papoila. O que se ouviu na secção S.L.M.E.A.A. ( Sub-Linha de Montagem para Espásticos, Atetósicos e Afins ) não foi um “ai”, porque o operário Báfo-de-Bode não era dotado para a oralidade, mas também não correspondia a um “ui”, porque o som vinha das entranhas, tal como um vulcão, deixando no ar um pressentimento de estado convulsivo, seguido de hecatombe de merda. Perdoem-me, mas só pode ser este o termo certo ! Na nossa alegre Casinha os utentes há muito tempo deixaram de fazer coco, fazem merda, muita merda, em qualquer altura, em qualquer lugar, sem avisos, tudo à traição, e muitas vezes com cumplicidades familiares, que os atulham de purgantes, dados nas alturas certas, para eles assim despejarem o conteúdo intestinal longe de casa. E foi numa das ocasiões mais impróprias que a operária Mercedes Esgoto resolveu expulsar os quilitos que tinha a mais. O resultado ficou expresso no número alucinante de moscas por metro quadrado.
Os episódios laborais foram-se multiplicando, tendo atingido o seu auge na manifestação de operárias junto à porta da Administração. Queriam ter os mesmos direitos dos seus colegas machos, ou seja, o uso de bigode e pêlos nas pernas. A Patroa não cedia ! Mulher que fosse encontrada na “Linha de Montagem” com pedículos capilosos nos beiços ou nos membros inferiores era de imediato obrigada a deslocar-se à zona da tosquia, mesmo que isso significasse divórcio, fim-de-namoro, fim-de-amante, etc., etc. A “Igualdade” ainda era uma palavra vã nesta fábrica de Roscas, Anilhas Finas, Anilhas Grossas, Mongas e Parafusos.
Mas, e há sempre um “mas” em todas as histórias, a hora da libertação aproximava-se, como o nevoeiro pela costa. O sinal veio através de um jornal clandestino, que já circulava nas hostes operárias, o “Almondegas”, assinado pelo punho da operária Catarina Eumacho ( pseudónimo da Zobaida ). O título do pasquim não deixava dúvidas:

“O Buço é do Povo, Abaixo a Rapação”.
A resposta do poder foi brutal, mandando retirar as drogas que paralisavam os poucos neurónios disponíveis, apagando de vez estas veleidades revolucionárias, deixando o povo trabalhador à mercê da tirania das suas almas.
A partir desse momento não havia nada para ninguém, acabaram-se os Largastil, Mellail, Brunil, Nalium, Unisedil, Tegretol, Diplexil, Sabril, Bialzepan, Luminal, Noostan, Artane, Haldol,.........
As palavras revolucionárias inundaram de imediato as paredes brancas:

“Espásticos Unidos jamais serão vencidos”
“ Abaixo as Roscas Fascistas “
“ Operário Amigo Junta a Nós a Tua Atetose “
“ Marreco Trabalhador, o Povo está Contigo”

A Revolução estava em marcha, ninguém a parava. Do alto do palanque, tal qual um Lenine de saias, a camarada Lolita enchia os ouvidos dos seus colegas com a sua verborreia revolucionária, estando agora mais vermelha do que o normal, talvez devido à falta das doses maciças de Diplexil. No meio da multidão de fêmeas que clamavam pelos seus bigodes, um agente fascista disfarçado com uma saia e uma camisola do Benfica com o número 69 e um cheiro popular, tirava partido do calor revolucionário e abusava das ingénuas camponesas.
- Há, Ó, Ó, Há, Á, Á – gritava, excitado, o técnico de porcas.
Até o Zé Balbas gritava de emoção e furor proletário, prontificando-se a ajudar o Fangio Espástico a pegar o bólide e a desaparecer no meio de um chiar de pneus, pelos vastos corredores da fábrica de roscas e anilhas, tendo-se esquecido de parar no sinal vermelho, apanhando assim distraída a Carolina Caracol que, com o impacto, ficou sentada ao colo do piloto, indo ambos precipitar-se pela Secretaria adentro, só parando em cima da Dona Sãozinha, que viu, para seu desespero, as folhas de pagamento ficarem coladas ao tecto, devido ao excesso de baba revolucionária, tendo ainda tido tempo para recriminar os invasores:
- Saibam V. Exas. que se esqueceram de pedir licença para entrar !
O estrondo trouxe-me de novo à realidade. E lá estavam eles, aqueles charmosos homens e mulheres, a trabalhar arduamente a um ritmo de caracol, no eterno ciclo

PARAFUSO, ANILHA FINA, ANILHA GROSSA E PORCA.
Ao longe a cera já borbulhava, pronta a atacar o buço mais entranhado e o pêlo mais teimoso !





Monday, August 02, 2004

O Demolidor

                                                        Camarada Choco

                                            
 
Plim, Tlim, Tim ......... gritava a loiça quando atingia o chão da sala ao lado.
- Os pratos, os pratos do almoço - gritou uma funcionária. - É o Zé Trovão.
Era sim, senhora, o Zé Trovão, tinha conseguido iludir a vigilância, que por vezes se quebrava devido à falta de meios humanos. Quando chegaram ao local do crime deram de caras com o autor, que lhes estendeu as mãos e confessou:
- Ó patiu, patiu.....à, à mau - dizia, ao mesmo tempo que revirava os olhos e mordia furiosamente os pulsos, tatuando-se com a sua dentadura de onze anos, a maior parte deles atormentados por doenças da Alma.
- És mau, és mau, estes pratos eram para o almoço - disse a primeira senhora a juntar-se aos cacos.
Coitada, coitadinha, nem teve tempo para se aproximar mais, pois o Zé Trovão deu paz aos seus pulsos e declarou guerra à intrusa, agarrando-lhe freneticamente a cabeleira, arremessando a proprietária contra o chão de nylon, roubando-lhe parte dos cabelos, que ficaram entre os seus dedos gordos. Em socorro da maltratada foi uma educadora, que também não teve muita sorte, apesar de ter ido munida com os métodos pedagógicos mais avançados. Eu fui testemunha ocular e juramentada da cena canalha ! O Zé Trovão parecia estar de relações cortadas com o sexo feminino, pois presenteou esta admiradora com um excelente biqueiro, digno dos melhores momentos do tio Eusébio. Escusado será dizer que deixou a senhora a coxear e a tentar afastar-se o mais rapidamente possível do predador, usando para isso a perna que ainda estava sã. Mas o trovãozinho já não estava para aí virado ! Atacou a terceira, e a mais cuidadosa, que se tinha conservado longe, à entrada,. Desta vez o tiro saiu-lhe pela culatra, pois pretendia distribuir chutos em rajada, ou seja, incluir o professor no lote das vítimas. E como a melhor defesa é o ataque, ele neutralizou-o de imediato, deixando-o sentado no chão, entretido novamente com os seus pulsos, ao mesmo tempo que os feridos eram retirados da zona de combate.
Aos dois anos uma gripe resolveu armar-se em esperta e transformou-se numa encefalite, que deixou muitas marcas no cérebro do Zé Trovão. Teria sido obra do acaso ou tudo já estaria traçado algures nos astros, ou talvez até nos genes? Respostas desnecessárias perante um mal que se instalou e levou para o fundo do poço toda uma família.
Quando fui para aquela Instituição, o Zé Trovão já lá estava a distribuir murros e pontapés a todos. Nem em casa parava. O pai já só aparecia aos fins-de-semana, a irmã ameaçava sair de vez e a mãe ( sempre as mães ! ) era uma mártir nas mãos daquele filho que vivia quotidianamente possesso. A loiça acompanhava o crescimento daquele rapaz de onze anos, e era colocada em armários que trepavam pela parede, estando sempre fora do seu alcance. Quando a segurança falhava, lá saia pela janela um conjunto de canecas ou de pratos, o que estivesse mais à mão, que só parava, felizmente até agora, no alcatrão do bairro. Mas como mais valia prevenir do que remediar, o Zé Trovão tinha acoplado a si um seguro contra terceiros. Em cada canto da casa havia um balde para o menino selvagem poder urinar, visto que quando a vontade apertava ele despejava para onde estivesse voltado.
Mais uma tragédia aproximava-se desta família, pois a mãe ameaçava suicidar-se ! Quiseram então falar com o médico responsável pelo acompanhamento desta criança. Ficaram a saber que o doutor “observava” o seu paciente via telefone. Usaria um satélite ? Não, não era um satélite, era mesmo um telefone, e dos antigos. Precaução, somente precaução e nada mais. Nas últimas visitas do Zé Trovão ao seu consultório, dois anos antes, este tinha-lhe deixado como recordações os cacos do mobiliário. O doutor estava traumatizado !
Na conversa que tiveram abordou-se o tema “lobotomia” e foram informados de que já não se fazia, era contra os Direitos do Homem. Os métodos usados tinham seguido um caminho totalmente diferente, que iam dar ao mesmo ou eram ainda piores. Usavam-se os químicos, montanhas de comprimidos, que neste caso chegavam às 16 bombas diárias, com efeitos secundários que atiravam o nosso amigo para o abismo. Não havia Estômago, Fígado, ou sei lá o quê, que aguentasse tamanha carga de drunfos. E não se limitavam a receitá-los, mudavam-nos constantemente para verem os seus efeitos. Uma “Lobotomia Química”!
- Basta - disseram um dia. - Temos de fazer qualquer coisa !
Quiseram falar pessoalmente com o psiquiatra, que se prontificou de imediato a recebê-los, mas com uma condição: não levar a fera ! Há dois anos que não o via, fugia dele como o Diabo da Cruz. Aceitaram as únicas condições possíveis e propuseram uma outra, que consistia em filmar o artista no seu habitat natural, para assim Sua Excelência o poder observar no quentinho do lar, sem maçadas e sem encargos, tendo ao seu lado um copinho de Whisky de 12 anos, estando ambos livres das garras do José Trovão.
Pelo caminho ficaram outras histórias de indivíduos da mesma tribo do nosso amigo, como, por exemplo, a daquela família que contratou um ex-comando para andar sempre colado ao filho, tendo como missão dominá-lo em casos de crise. Mesmo assim o artista conseguiu, durante um jantar familiar, arremessar o caniche através da janela do 5º andar.