O Comandante Guélas
Série Colégio Militar
As virtudes e os defeitos dos Meninos
da Luz eram inseparáveis, por isso quando separadas eles deixavam de existir.
Para contar estas estórias temos de pensar em energia, frequência e vibração,
porque o mundo nunca esteve preparado para o Colégio Militar, que estava muito para
além do seu tempo, cujas leis prevaleceram, por isso as recompensas foram
proporcionais ao esforço e aos sacrifícios feitos pelos alunos, como por exemplo
fazer continência a todos os oficiais e professores que encontrassem pelo
caminho, de cada vez que se deslocavam. Mas neste dia o 125, o 191 e o 601
tinham decidido só cumprimentar os serventes e os sargentos, os outros que se
lixassem: o Bufalo Bill, de Geografia, e o mano Alcatrão, de Desenho, não
tiveram direito a nada, mas o Marinho e o Moca levaram umas continências dignas
de generais. O Dorbalino, professor de História, que chegara ao colégio como um
capitão dentro de um mini podre, que trocou por um Volvo uns tempos depois de
ter sido promovido a major e nomeado para Chefe da Contabilidade e Adjunto do
Chefe de Serviços Gerais e da Administração também não teve direito a nada, mas
em compensação no bar dos serventes o Fritz teve direito a um cumprimento digno
de um almirante, ao mesmo tempo que preparava as deliciosas sandes de queijo
fresco, apimentadas por uma mão que coçava permanentemente os tomates, e por
uma faca que tirava os restos de coliformes fecais das suas unhas. Quando
chegaram esfomeados ao primeiro andar dos claustros com a cara tapada pelo
barrete, decididos a comer de borla, depararam-se com um Moreira à beira de um
ataque de nervos:
-
Bós sois piores que os ciganos, - gritou, espalhando um bafo de bode
pelo espaço.
E tinha razão, os ciganos ao pé desta
rapaziada fardada de cotim, que costumava fardar-se ao domingo à noite no
Ricochete, alguns comer um bitoque por dezassete escudos , e fumar uns cigarritos,
eram uns meninos. Ao abrir o armário para dar início ao complemento do ordenado, já com uma
fila de clientes devidamente ordenados, e com distância de segurança das bolas
de Berlim e dos mil folhas, do material do Moreira só restava algum açúcar e
umas poucas páginas. Alguém tinha entrado pelas portas dos fundos. Fazer negócios
com este tipo de rapazes piores que os ciganos era difícil, já tentara abrir a
banca dentro de uma latrina, pensando que o produto estava mais seguro, e a
invasão começara por cima, e não tinha tido mãos para parar o ataque da turba
de piranhas. E agora nem o “cofre forte” resistira! Mas mesmo com todas as
variáveis controladas, havia sempre problemas:
- Bós andais a gamar-me, habiam aqui
chocolates finos que custavam cinquenta centavos, estais a gozar com o
Moreiraaaa”.
Só o Barnabé é que lucrava com o
negócio de carros em segunda mão, estacionados perto da direção, e com o
telefone do colégio nas folhas dos anúncios. Mas o Moreira tinha pergaminhos, pois
como era natural do “Marco de Canabeses”, dizia ser primo da Carmen Miranda.
Devia ser por estar muitas vezes a pensar na rica prima que não acertava com o
buraco na fechadura quando tinha de abrir a porta da sala de aula, sendo nessa
altura ajudado pelos “piores que os ciganos”. Um dia no geral do terceiro ano, com o
relógio a marcar as 18H30, acompanhado do camarada Marinho, é abordado pelo
diretor:
- Senhor Moreira no intervalo dos
Estudos diga ao meu filho para ir ter comigo ao gabinete, quero falar com ele,
mas não quero interromper a aula.
Ainda o Diretor ia a meio da escadaria
já o Moreira entrava de rompante na sala e dizia em voz alta:
- Perry o teu pai quer falar contigo!
No Colégio Militar só os alunos do Quadro
de Honra é que tinham autorização para sair à quarta-feira. Aos outros, a
maioria, só restava “cavarem”. E foi numa dessas noites que o Gordini, o
Anacleto, o Esperma e outros, fugiram para irem ver ao Cinema Roma o “Amor
entre Mulheres”, não aconselhável ao 523, para maiores de 18 anos, mas com um porteiro que não ligava a essas miudezas. Foram jantar ao “Stop”, mais
afastado do “Ricochete”, onde um bitoque custava, no ano de 1975, mais
cinquenta centavos! Logo à saída do Colégio deram de caras, não com o oficial de dia, mas com a mãe
do Anacleto que, espantada por ver o seu rebento à solta, e não se lembrar de
alguma vez o ter visto no Quadro de Honra, pediu explicações:
- Mamã tivemos direito a uma saída!
Conseguiram ir de motorista até ao
cinema.
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