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315 estórias

Thursday, November 15, 2007

Bufoterapia

                          Camarada Choco
                                          Aventura 50

Os Desaparafusados são “pau para toda a obra”, à conta deles vão aparecendo, por geração espontânea, técnicos para todo o serviço. São os responsáveis por uma nova modalidade de “corrida ao ouro”, que tem o pomposo nome de “Acção de Formação”, onde os responsáveis se apresentam com currículos vertiginosos cheios de “Licenciaturas no Togo”, “Mestrados na Guiné” e muitos diplomas ganhos na farinha “Pensal”. O antigo “Chá Tupperweare” foi agora substítuido pela “acçãozinha de formação”, que vai directa para o papelinho da “experiência profissional”. E tudo isto a pensar na recuperação dos Desaparafusados e na carteira dos Aparafusados. Seguindo a linha desta intelectualidade a funil, a minha pobre escolinha foi assim contemplada como uma novidade, a “Buffo-Terapia”, que permitia aparafusar o pessoal através de sons. Mais felizardos estavam os Aparafusados, pois a acção destinava-se exclusivamente à elite. Mas que sons poderiam sair das pandeiretas, se de muitas das bocas raramente se viam os dentes e os encéfalos estavam forrados de gases? Mas quanto a isto nós, os ilustres Desaparafusados, sabemos muito bem distinguir os Aparafusados que “vestem a camisola” e os que não têm “outro remédio”. E podem tirar todos os cursos que quiserem, que de nós só levarão “buffas”. Mas, voltemos à questão dos sons que fazem milagres. Pus-me a imaginar:
- Bom-dia senhores doutores Aparafusados, eu sou o Mestre Roque Gamanço e estou aqui para vos fazer um desafio, que é aproveitarem o vosso próprio meteorito intestinal para a reabilitação dos Desaparafusados….
- AROOOOOONC – arrotou um formando, abanando as orelhas.
- Santinho, - disse o formador e continuou. – Como já viram, os gases encefálicos também servem.
- Desculpe, mas saiu-me.
- Pum, Pum, - saudou outro, levantando a perna.
- Já estou a ver que compreenderam qual é o lema desta acção de formação: liberta o gás que há em ti!
O ambiente estava pesado, um dos formandos já estava com cara de cu.
- Mas que javardice é esta? – Gritou a Doutora Sem Canudo, interrompendo-me a meditação.
Tinha dado de caras com um vaso xungoso, cheio de lixo e com um pau carunchoso armado em rosa.
- É o Cantinho da Pilca, - explicou a Menina Tatrícia, não se escapando de levar um empurrão da colega de meia idade, que com o desequilíbrio caiu ela aos pés do touro.
- Dona Pilca, que porcaria é esta? Já não me chegavam os candidatos a “Buffo-Terapeutas” do primeiro andar, e agora é isto? Ainda vem aí uma inspecção e passo a ter três queixosos na fila da porta: a Pirolito, o Cabo Pilas e a Inspectora. Eu vou recolher os donativos do café, atender os queixinhas e quando voltar quero aqui um jardim suspenso.
Cinco minutos depois ninguém conseguía passar para o refeitório, pois a Dona Pilca tinha juntado todos os vasos da Venteira e erguera, com raiva, a Floresta Mágica Mongólica. Pelo caminho tinha dado um chuto na velha que insistia em pôr os caniches a cagar na floreira da entrada.
- Agarrem a Lolita, - gritou a Kalélé.
Mas foi tarde de mais. A Lolita embrenhou-se no matagal e não saiu pelo lado do refeitório.
- Não me digas que trouxeste uma planta carnívora, - disse a Pirosa.
- Mais uma dessas e deito fogo a isto tudo, - berrou a florista, ficando de imediato com um bigodão, sinal de que a tampa ia saltar a qualquer momento.
Mas havia ainda mais um problema grave: uma “Manifestação de Tísicos”, liderada pela padeira Tareca, que ameaçava partir a loiça toda se não lhe dessem a conhecer a já famosa “Lista dos Bichados”, gamada pelo poder intermédio, mas que conseguira deixar a culpa no colo do Trio Odemira dos Serviços Administrativos, a Sãozinha Júnior, o Pato Donald e a Madame Patológica. Só acalmou quando começaram a distribuir as fotos íntimas do pessoal, que iriam levantar a ponta do véu da “verdade da mentira”.
- Aiiiiiiiii, - gritou a Terapeuta Zézé ao confirmar que o pulmão direito estava meio-cheio de tinto branco da Luz.
- Alto e param os pincéis, - ordenou o senhor Pintor, - eu quero que me digam se morro com o pincel rijo, como sempre desejei, ou que a brocha vai cair de caruncho por causa deste bicho que anda aí à solta?
O caos desta típica aldeia gaulesa da Venteira chegara cedo. Seria um sinal do fim do mundo?