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315 estórias

Friday, March 20, 2009

Abromobajoulo



Comandante Guélas

Série Paço de Arcos

O Verão no Algarve consumia cada vez mais dinheiro e por isso era necessário arranja-lo, pois as férias grandes eram mesmo grandes. O Bajoulo conseguia passar um mês inteirinho ao Algarve, sem interrupções, com uma nota de mil escudos e regressava a Paço de Arcos mais gordo, estilo leitão de Barrancos, trazendo ainda cinco mil na carteira. Era o dois em um, nas boites namorava e abastecia-se. Naqueles saudosos anos pós-revolução havia mais alemãs com pulgas por metro quadrado do que Ctenocephalies felis felis sozinhas e o Bajoulo estava em vantagem em relação aos suínos que elas traziam, pois ele era produto nacional e falava fluentemente em alemão. E as meninas bebiam no mínimo vinte cervejas, só para aquecerem. Por isso caíam-lhe todas no regalo, deixando as malas descuidadas. Este adolescente anafado já era muito avançado para o seu tempo, pois só se abastecia nestes Multibancos germânicos. Os desvios eram vários, longos e metódicos. Numa primeira fase conferia a forma e a localização da carteira, na segunda fazia os ajustamentos corporais necessários, que incluíam a aproximação e a distracção da fêmea com modos corteses e medidos, e na terceira preocupava-se com os pormenores, ou seja, a abertura do fecho e a localização das notas. Todo este ritual demorava tempo e exigia muita gramática, o Bajoulo falava da vida como se contasse um segredo. Mas tinha uma ética e por isso mostrava sempre o maço de notas aos amigos e pedia-lhes a opinião da quantidade aceitável, tudo isto em mímica e ao mesmo tempo que namorava com a turista.

Monday, March 09, 2009

Abromobatata




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Comandante Guélas
Série Paço de Arcos

Ainda o Abramovich andava de fraldas e já o pai do Pierre-Pomme-de-Terre tinha uma chata com cabine feita de lona comprada nos ciganos, a quem ele chamava Iate. Como em Paço de Arcos todos o conheciam, a feira das vaidades rumava a Sul, mais precisamente para o Algarve. No início das férias o rebento ficava sozinho em casa a “estudar” para os exames, ou seja, a desviar umas librinhas de ouro para os gastos. E num dos verões apareceu um problematizo adicional: o arranjo do descapotável do chulo do Pimenta, com que haviam marrado numa parede! Durante vários dias o Bajoulo e o Batata tinham impressionado o Pica (o café) com o potente cabriolet que, de cada vez que arrancava, dobrava a meio, dando sempre a sensação de se ir dividir em dois a qualquer momento. O majestoso Iate dos Batatas, o “Pirolito II”, estava estrategicamente fundeado na praia mais “in”. Em terra davam-se os últimos retoques para a cena, os papás Batatas colocaram os derradeiros emblemas com motivos do mar, âncoras e búzios, para dar a impressão de várias voltas ao mundo ao leme do “Pirolito II”. Na cabeça do chefe morava um chapéu digno dos melhores lobos-do-mar e na tola da esposa uma espécie de toldo, a imitar as mais finas castas inglesas. No barco, vindo expressamente de Paço de Arcos na noite anterior, depois de se ter desenvencilhado das libras no “Dobrão”, Pierre-Pomme-de-Terre esperava pelo sinal que viria de terra. O papel que lhe tinha sido atribuído era o de paquete, que iria a terra numa chalupa buscar os patrões, para irem almoçar a bordo. Quando a praia ficou cheia com as famílias mais importantes de Lisboa, o papá tocou a corneta, comprada numa das bancas da feira de verão que estava junto à estátua do Patrão Lopes, e o marinheiro fez-se ao coco, ao mesmo tempo que os patrões se dirigiram para a beira-mar. O encontro foi digno dos melhores filmes de Hollywood, os magnatas Batatas estavam mais brancos do que o próprio OMO, uma brisa marítima fazia ondular o vestido voluptuoso da dama, enquanto que o chapéu à Comodoro dava um ar imponente à figura do Pomme-de-Terre Sénior. O coco atrasou-se um pouco, como tinha sido decidido no guião, para que a praia tivesse direito a apreciar um fenómeno ainda muito raro naqueles anos, mas rotineiro nos dias de hoje. O Batata chegou com uma remada digna das melhores caravelas, saiu em salto, tal como um felino, mostrando à populaça o seu belo fatinho à marujo e atirou ao papá, agora no papel de capitão Haddock, com cachimbo e tudo, uma soberba continência igual às dos filmes da Segunda Guerra. O patrão agradeceu e entregou-lhe a mão da marinheira, para que lhe desse apoio no embarque. Quando estava tudo a postos, o marujo Pierre-Pomme-de-Terre deu uma remada tão brusca, que fez a chalupa dar uma volta de 180 graus, que a colocou de quilha para o ar e sentou os papás no fundo do mar!