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315 estórias

Friday, March 27, 2020

O Meia Lua




O Comandante Guélas

Série Colégio Militar




O Colégio Militar era um lugar onde não havia respostas, todos carregavam a mais torpe das contradições, durante o dia ouvia-se o barulho de botas caminhando acertadas num lugar onde era fácil falar em números. Na aula de música do Carioca, ao contrário das obras de Mozart, não havia silêncio mesmo quando a melodia chegava ao fim, pois era o tempo de represálias. E foi numa tarde igual a muitas outras que o Chefe da Copa, quando ia calmamente a dobrar a esquina do edifício, no páteo dos Pavilhões de Desenho e Ciência, e a observar o voo de um melro que, como do costume nas aves, não deixava rasto, quase morreu abalroado por um “senhor aluno” que gritou:

- Sai da frente ó careca!

Ia em fuga desesperada, perseguido pelo Speedy Gonzales, vigilante, que na noite anterior o tinha apanhado a ele, Cão, ao Camélia, ao Gordini e ao Escalope quando os descobriu na piscina, após uma perseguição desenfreada, seguida da respetiva participação. Recuemos. O Cão tinha estado a disputar o Jogo do Barrete, uma das muitas modalidades desportivas exclusivas do colégio, que consistia em tentar acertar com o penico nos buracos do teto, jogo que evoluiu nos anos oitenta para os Miolos ao Teto, onde o objeto a atirar já não era a peça de fardamento, mas um colega, que tinha como objetivo assinar com a sola o teto da sala. O Cão tinha ganho o jogo, mas havia sempre uma consequência, o objeto entrava no buraco e já não saia, ficando de imediato o atleta em modo clandestino, ou seja, tentar chegar ao Geral das Companhias sem ser detetado. Mas o vigilante velocista tinha fama de apanhar todos os coelhos que desafiassem o sistema!

- Malucos, estes miúdos estão malucos, - desabafou o Meia-Lua.

À noite no geral da companhia ia haver um jogo de futebol, cuja bola era saltitona e tinha pele de galinha, rugosa, com um atrito necessário para fazer remates em arco, e os postes das balizas os caixotes de lixo. A caderneta de cromos estava cheia de craques, o Judi, o Panzer, o Cão, com a sua esquerda mágica, o Lory, o Becas, o Dani, uma parede na baliza, o Tofa, o Rita, o Têta, o Cascão, o Geada, o Six, o 76 e muitos outros, cujos vestígios genéticos ficaram para sempre espalhados pelos gerais das companhias. No intervalo dos jogos, como não era aconselhável a Rosa, a mulher do Patronilha, a Listete e a Antonieta fazerem de “cheerleaders”, lá aparecia o Pejó a percorrer o Geral da companhia com flic-flacs à retaguarda, desde a porta da rouparia até à sala de leitura, ocorrência que nunca provocaria uma esgalhação coletiva após a corneta do recolher, excepto talvez alguma exceção. Apesar de as bolas serem de plástico havia sempre uma que se suicidava de encontro a um vidro, estilhaçando-o e provocando um uníssono “PêêêGêêê". Como não havia culpados o prejuízo era dividido por muitos, e 1/180 foi o recorde.

Esta rapaziada, que passava a semana em reclusão dentro do colégio, e alguns o ano todo, tinha de se entreter, e ultimamente o Meia-Lua era alvo de bullying. De cada vez que terminava o trabalho, e quando iniciava a descida das escadas do refeitório das primeiras e segundas companhias, tinha um grupo numeroso de fãs que gritavam, “Meia-Lua, Meia-Lua”. Invariavelmente apanhava o primeiro pau que encontrava e tentava acertar nos pokemon que o rodeavam, uma variante do jogo atual com telemóvel.

- Meia-Lua és da Pide, - gritou o Horrível.

Foi demais para o senhor João, a somar à derrota do seu FCP, elevou o pau e quando pretendia acertar nos costados do Vinasse, ao mesmo tempo que utilizava palavras impróprias, aquele encravou-se no tronco de um eucalipto, e o Meia-Lua desequilibrou-se e rebolou pela encosta. A festa só terminou lá para os lados da sala do Carioca, o alvo seguinte de várias biqueiradas na porta. O padre saiu, como habitual, a espumar lava do Inferno e a perseguir o aluno mais próximo, mas sem sucesso. O senhor João, Chefe da Copa, mais conhecido por Meia-Lua, tinha fama de engatatão, e de confecionar o melhor Amarelo do país. Dizia-se que o segredo da iguaria estava nas batatas oleosas e prensadas, porque ele sentava-se em cima do panelão durante a confeção. E a única peida que se aproximava da sua era a do Capitão Peidinhas.


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