O Comandante Guélas
Série Colégio Militar
O Colégio Militar era um lugar onde não havia
respostas, todos carregavam a mais torpe das contradições, durante o dia ouvia-se
o barulho de botas caminhando acertadas num lugar onde era fácil falar em
números. Na aula de música do Carioca, ao contrário das obras de Mozart, não
havia silêncio mesmo quando a melodia chegava ao fim, pois era o tempo de
represálias. E foi numa tarde igual a muitas outras que o Chefe da Copa, quando ia calmamente
a dobrar a esquina do edifício, no páteo dos Pavilhões de Desenho e Ciência, e a
observar o voo de um melro que, como do costume nas aves, não deixava rasto,
quase morreu abalroado por um “senhor aluno” que gritou:
- Sai da frente ó careca!
Ia em fuga desesperada, perseguido
pelo Speedy Gonzales, vigilante, que na noite anterior o tinha apanhado a ele,
Cão, ao Camélia, ao Gordini e ao Escalope quando os descobriu na piscina, após
uma perseguição desenfreada, seguida da respetiva participação. Recuemos. O Cão
tinha estado a disputar o Jogo do Barrete, uma das muitas modalidades
desportivas exclusivas do colégio, que consistia em tentar acertar com o penico
nos buracos do teto, jogo que evoluiu nos anos oitenta para os Miolos ao Teto,
onde o objeto a atirar já não era a peça de fardamento, mas um colega, que tinha
como objetivo assinar com a sola o teto da sala. O Cão tinha ganho o jogo, mas
havia sempre uma consequência, o objeto entrava no buraco e já não saia, ficando
de imediato o atleta em modo clandestino, ou seja, tentar chegar ao Geral das
Companhias sem ser detetado. Mas o vigilante velocista tinha fama de apanhar
todos os coelhos que desafiassem o sistema!
- Malucos, estes miúdos estão malucos,
- desabafou o Meia-Lua.
À noite no geral da companhia ia haver
um jogo de futebol, cuja bola era saltitona e tinha pele de galinha, rugosa,
com um atrito necessário para fazer remates em arco, e os postes das balizas os
caixotes de lixo. A caderneta de cromos estava cheia de craques, o Judi, o Panzer, o Cão, com a sua esquerda mágica, o
Lory, o Becas, o Dani, uma parede na baliza, o Tofa, o Rita, o Têta, o Cascão,
o Geada, o Six, o 76 e muitos outros, cujos vestígios genéticos ficaram para
sempre espalhados pelos gerais das companhias. No
intervalo dos jogos, como não era aconselhável a Rosa, a mulher do Patronilha,
a Listete e a Antonieta fazerem de “cheerleaders”, lá aparecia o Pejó a
percorrer o Geral da companhia com flic-flacs à retaguarda, desde a porta da
rouparia até à sala de leitura, ocorrência que nunca provocaria uma esgalhação
coletiva após a corneta do recolher, excepto talvez alguma exceção. Apesar de
as bolas serem de plástico havia sempre uma que se suicidava de encontro a um
vidro, estilhaçando-o e provocando um uníssono “PêêêGêêê". Como não havia culpados o prejuízo era dividido
por muitos, e 1/180 foi o recorde.
Esta rapaziada, que passava a semana em
reclusão dentro do colégio, e alguns o ano todo, tinha de se entreter, e
ultimamente o Meia-Lua era alvo de bullying. De cada vez que terminava o
trabalho, e quando iniciava a descida das escadas do refeitório das primeiras e
segundas companhias, tinha um grupo numeroso de fãs que gritavam, “Meia-Lua,
Meia-Lua”. Invariavelmente apanhava o primeiro pau que encontrava e tentava
acertar nos pokemon que o rodeavam, uma variante do jogo atual com telemóvel.
- Meia-Lua és da Pide, - gritou o
Horrível.
Foi demais para o senhor João, a somar
à derrota do seu FCP, elevou o pau e quando pretendia acertar nos costados do Vinasse,
ao mesmo tempo que utilizava palavras impróprias, aquele encravou-se no tronco
de um eucalipto, e o Meia-Lua desequilibrou-se e rebolou pela encosta. A festa
só terminou lá para os lados da sala do Carioca, o alvo seguinte de várias
biqueiradas na porta. O padre saiu, como habitual, a espumar lava do Inferno e
a perseguir o aluno mais próximo, mas sem sucesso. O senhor João, Chefe da
Copa, mais conhecido por Meia-Lua, tinha fama de engatatão, e de confecionar o
melhor Amarelo do país. Dizia-se que o segredo da iguaria estava nas batatas
oleosas e prensadas, porque ele sentava-se em cima do panelão durante a
confeção. E a única peida que se aproximava da sua era a do Capitão Peidinhas.
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