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315 estórias

Saturday, June 04, 2005

Um Dia nos Serviços Administrativos

                       Camarada Choco
                                        
A entrada da Dona Sãozinha no Posto Burocrático do rés do chão, significa que a Secretaria está aberta ao público, a todo o público, com ou sem parafusos. Depois de vários anos a transportar mongas para cima e para baixo, nas largas avenidas da Brandoa, foi presenteada com a responsabilidade de tentar ordenar as estranhas folhas de pagamento que, de início, tanto serviam para processar o vencimento da tia Tété, da chefe Tendinite, da auxiliar Mosca Morta e da Dona Graça dos Rissóis, ou para tapar o tubo de escape, em caso de urgência, à Mercedes Esgoto, quando esta ameaçava fazer transbordar o penico branco, ao fim de vinte dias consecutivos no WC comum para técnicos e utentes.
- Comigo ao volante deste barco, esta promiscuidade entre os vencimentos do pessoal e o tubo de escape dos utentes, vai acabar imediatamente – prometeu, no dia da cerimónia da tomada de posse, dando uma sentida e emocionada palmada no presidente Vóscar, que teve um descontrolo repentino dos esfíncteres traseiros, obrigando-a a usar a folha de pagamentos do 13º mês. – Prometo que esta será a última !
O Sol tinha acordado feliz e a dona Sãozinha também. As cortinas do Posto de Atendimento Público já estavam para cima e a Chefe dos Serviços Administrativos preparava-se para dar uma dentadinha num queque escondido debaixo duma HP Scanjet 3300. Quando se preparava para fechar os maxilares sobre o enfarinhado...
- Cófe, cófe, - tossiu alguém.
Com o bolo entre os dedos e os dentes, vasculhou o local com os olhos, mas nem sinal do autor. Teria sido uma alucinação auditiva ? Depois de tantos anos a servir um batalhão de desaparafusados, teria chegado a sua vez ? Assustou-se ao ver-se numa sala, sentada junto a um molho de porcas e parafusos.
- Que disparate é esse, Sãozinha ? – Questionou-se.
Qual disparate, qual carapuça, pois quando tentou de novo abocanhar o queque, uma vos vinda daquilo que sempre pensou ser o alarme, gritou:
- Hora de trabalho !
Nem teve tempo para se assustar, pois nesse momento entrou, com um ataque de caspa, o rei dos mongas, o hilariante Virgulino, furioso com a EDP, por causa dos constantes cortes de energia sempre que decide cortar a erva. Mas, também este ainda não chegara junto do computador, para jogar o “Poker para Tolos”, e já a doutora com canudo pedia-lhe para tirar dez mil fotocópias, e passar para texto legível vinte e cinco relatórios escritos em crioulo. Quanto ao queque, fugiu para dentro da impressora, e ostentava agora o valor do ordenado do chefe Porres. Para ajudar à festa, o Virgulino porteiro resolveu ter um ataque epiléptico e só parou ao colo da Dona Sãozinha, sem antes lhe ensopar com a baba as já famosas Folhas de Pagamento.