O Comandante Guélas
Série Colégio Militar
Fugir do Colégio Militar era uma arte,
só ao alcance dos mais dotados, ou seja, dos que não faziam parte do Quadro de
Honra. Mas havia regras, e quotas variáveis, conforme o evoluir da situação,
pois havia oficiais que se comportavam como cães de fila, sempre à procura de
fugitivos. A autorização final tinha sempre de ser dada por um graduado. Além
dos muros e da rede também se tinha de estar atento às rondas. A entrada dum
aluno pela janela da quarta companhia coincidira com a do Oficial de Dia pela
porta, tendo-se aquele escondido de imediato atrás das cortinas, ao mesmo tempo
que o militar se sentava num dos sofás. E assim ficou durante quarenta e cinco
minutos, até que se levantou e foi ter com o prevaricador, agarrando-o pelos
colarinhos:
- A primeira regra da camuflagem são
os ténis, devem ser da cor da alcatifa!
O 640, um Menino da Luz com 1,80m,
tinha um irmão ex-aluno com 1,60m, e eram ambos rapazes de uma mesma fronha, ou
seja, dois Anacletos para um só Cartão de Identificação. Numa quarta-feira à
tarde, dia de saída exclusivo dos alunos do Quadro de Honra, o 581 e mais cinco
cábulas fardaram-se a rigor e rumaram para o muro do colégio junto à enferma.
Pela porta, e devidamente legalizado com o Cartão de Identificação do irmão,
saiu o 640, que só parou no local referenciado, ou seja, no referido muro junto
à Enferma. Enrolou o cartão numa pedra da calçada, prendeu-o com um elástico e arremessou-o
para os camaradas do lado de dentro. O novo portador do documento optou por
usar a estratégia de sair em passo de corrida, e o soldado nem teve tempo para
coçar os tomates. Novo lançamento, nova saída, e assim sucessivamente. Por isso
às quartas feiras à tarde, nos anos setenta, saiam sempre os cromos e alguns
cabulões mais espertos! Nos anos oitenta havia uma brincadeira que consistia em
assustar as pessoas que esperavam calmamente pela chegada do transporte
público, que consistia em saltar do muro do colégio para o teto da paragem. O À
Nora durante o 12º ano ia todos os dias mudar o óleo com a namorada, saia pela “cona”,
um buraco existente na rede, tirava o barrete, tapava a farda de cotim com um
casaco e encontrava-se no café “Gel” com colegas “externos” que dormiam na casa
das namoradas, e lhe davam guarida. Numa noite quente de junho dos anos setenta
o 89, 165 e 376, com fato de
treino, sapatilhas e capote, passaram por baixo da cerca de arame junto à pista
de aeromodelismo, e apanharam um táxi, previamente combinado, na Segunda
Circular. Foram em direção ao Instituto de Odivelas decididos a darem uma lição
à Diretora Diolinda. Quando estava de Oficial de Dia o Aparício fazia questão
de jurar a si próprio de que ninguém iria cavar, por isso costumava
posicionar-se estrategicamente debaixo de uma das janelas da Sala de Leitura da
Quarta Companhia, o local da maior parte das saídas clandestinas. Ao primeiro a
que deitasse a mão levava-o para o gabinete, e enfardava conforme a tradição. Naquele
dia a festa no espaço cultural era de arromba, o barulho das garrafas de
cerveja a roçarem-se umas nas outras era sinal de saudações contínuas, mas ele
sabia, como Comando, mesmo minorca, que não se iria deixar distrair com cenas
acessórias. O Concurso de Arrotos e Flatos, barulho de rãs e tiros de pólvora
seca, somava e seguia, os Meninos da Luz estavam imparáveis.
- Chiça, mas hoje ninguém foge? – Protestou o
tenente.
Mas os céus fizeram-lhe a vontade! Terão feito? A
janela abriu-se com estrondo, o Aparício agachou-se e gritou para dentro “mama
sume”. O Dáni subiu para o parapeito, o predador pôs as unhas de fora, e uma
tromba de mijo inesperada abateu-se sobre o Oficial de Dia, que nem teve tempo
para fechar os olhos e selar os lábios. Correu furioso para a companhia,
decidido a fazer a folha a alguém, abriu a porta da Sala de leitura com um
chuto, mas deparou-se com uma resma de anjinhos a estudarem para o teste do dia
seguinte!
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