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315 estórias

Thursday, May 28, 2020

A arte de bem "cavar" do colégio





O Comandante Guélas

Série Colégio Militar


Fugir do Colégio Militar era uma arte, só ao alcance dos mais dotados, ou seja, dos que não faziam parte do Quadro de Honra. Mas havia regras, e quotas variáveis, conforme o evoluir da situação, pois havia oficiais que se comportavam como cães de fila, sempre à procura de fugitivos. A autorização final tinha sempre de ser dada por um graduado. Além dos muros e da rede também se tinha de estar atento às rondas. A entrada dum aluno pela janela da quarta companhia coincidira com a do Oficial de Dia pela porta, tendo-se aquele escondido de imediato atrás das cortinas, ao mesmo tempo que o militar se sentava num dos sofás. E assim ficou durante quarenta e cinco minutos, até que se levantou e foi ter com o prevaricador, agarrando-o pelos colarinhos:
- A primeira regra da camuflagem são os ténis, devem ser da cor da alcatifa!
O 640, um Menino da Luz com 1,80m, tinha um irmão ex-aluno com 1,60m, e eram ambos rapazes de uma mesma fronha, ou seja, dois Anacletos para um só Cartão de Identificação. Numa quarta-feira à tarde, dia de saída exclusivo dos alunos do Quadro de Honra, o 581 e mais cinco cábulas fardaram-se a rigor e rumaram para o muro do colégio junto à enferma. Pela porta, e devidamente legalizado com o Cartão de Identificação do irmão, saiu o 640, que só parou no local referenciado, ou seja, no referido muro junto à Enferma. Enrolou o cartão numa pedra da calçada, prendeu-o com um elástico e arremessou-o para os camaradas do lado de dentro. O novo portador do documento optou por usar a estratégia de sair em passo de corrida, e o soldado nem teve tempo para coçar os tomates. Novo lançamento, nova saída, e assim sucessivamente. Por isso às quartas feiras à tarde, nos anos setenta, saiam sempre os cromos e alguns cabulões mais espertos! Nos anos oitenta havia uma brincadeira que consistia em assustar as pessoas que esperavam calmamente pela chegada do transporte público, que consistia em saltar do muro do colégio para o teto da paragem. O À Nora durante o 12º ano ia todos os dias mudar o óleo com a namorada, saia pela “cona”, um buraco existente na rede, tirava o barrete, tapava a farda de cotim com um casaco e encontrava-se no café “Gel” com colegas “externos” que dormiam na casa das namoradas, e lhe davam guarida. Numa noite quente de junho dos anos setenta o 89, 165 e 376, com fato de treino, sapatilhas e capote, passaram por baixo da cerca de arame junto à pista de aeromodelismo, e apanharam um táxi, previamente combinado, na Segunda Circular. Foram em direção ao Instituto de Odivelas decididos a darem uma lição à Diretora Diolinda. Quando estava de Oficial de Dia o Aparício fazia questão de jurar a si próprio de que ninguém iria cavar, por isso costumava posicionar-se estrategicamente debaixo de uma das janelas da Sala de Leitura da Quarta Companhia, o local da maior parte das saídas clandestinas. Ao primeiro a que deitasse a mão levava-o para o gabinete, e enfardava conforme a tradição. Naquele dia a festa no espaço cultural era de arromba, o barulho das garrafas de cerveja a roçarem-se umas nas outras era sinal de saudações contínuas, mas ele sabia, como Comando, mesmo minorca, que não se iria deixar distrair com cenas acessórias. O Concurso de Arrotos e Flatos, barulho de rãs e tiros de pólvora seca, somava e seguia, os Meninos da Luz estavam imparáveis.
- Chiça, mas hoje ninguém foge? – Protestou o tenente.
Mas os céus fizeram-lhe a vontade! Terão feito? A janela abriu-se com estrondo, o Aparício agachou-se e gritou para dentro “mama sume”. O Dáni subiu para o parapeito, o predador pôs as unhas de fora, e uma tromba de mijo inesperada abateu-se sobre o Oficial de Dia, que nem teve tempo para fechar os olhos e selar os lábios. Correu furioso para a companhia, decidido a fazer a folha a alguém, abriu a porta da Sala de leitura com um chuto, mas deparou-se com uma resma de anjinhos a estudarem para o teste do dia seguinte!

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