Comandante Guélas
Série Paço de Arcos
As estórias do Gangue dos Meninos Caucasianos de Famílias de Bem de Paço de Arcos (GMCFBPA) escrevem‑se devagarinho, umas páginas aqui,
outras ali, por vezes volta‑se, porque elas são o resultado de uma
estranha e intensa relação cercada por prisões afetivas. Através delas podemos ouvir, cheirar, saborear, palpar, são extraídas
das memórias pessoais e das memórias de pessoas com quem crescemos, calcorreamos os territórios da adolescência, revivemos momentos inquietantes, sentimos
todos os sentimentos. Somos do tempo que fazer férias em Sagres significava acampar no parque selvagem junto
à praia mais “in” da localidade e ir jantar ao mini-restaurante do Gordo Caixa
de Óculos, proprietário de uma discoteca cujo nome era “Solemente para Amigos”,
e onde os meninos e meninas de Paço de Arcos tinham entrada exclusiva.
Uma espécie de “Kadoc”! Mas os sem-abrigo podiam sempre contar com a casa do Cocas, onde um Eterno-Noivo costumava estacionar a roulote com a noiva do momento. Sagres parecia
um acampamento da ONU, ouviam-se todas as línguas. E a confusão era tão grande,
que podiam dar de caras, a meio da noite, dentro da suas tendas, com alguma
estrangeira bêbada a cheirar a estrume. Mas num dos anos foram presenteados com
uma artista do Porto, de nome Balbina. Todos os dias levava para a tenda um namorado novo, que era obrigado a deixar os sapatos à entrada, e pelo
tamanho das faluas, tentava-se adivinhar a altura do franguito. A senhora Balbina como portuguesa falava várias línguas, e tinha um volume de voz que se ouvia à distância,
usando a língua pátria nas alturas em que desejava insultar a "comida":
- O teu coq est parfumé à mort, javardo!
Foi uma
espécie de novela, a “Simplesmente Balbina”, que animou as noites de Sagres
durante quinze dias!
- Das ist es, boche. Fosga-se!
Uma noite rondou a tenda do irmão do Chinoca, e este manteve-se em silêncio com recheio de ser chupado até ao tutano.
- Juro que o vi a entrar!
No dia anterior encontrara uma alemã a ressonar lá dentro, tinha-se enganado na porta. Mas houve mais!
A tenda do paço-arcoense mais ajuizado, e de
nome Peidão, também fazia parte do acampamento da ONU, e era a mais pequena
habitação da zona, porque o citado adolescente “não quis gastar muito dinheiro
na altura da aquisição”, segundo palavras do Pontas. E, portanto, ele e a
namorada tinham de entrar de gatas. Numa das noites de Sagres muito ventosas, o
Graise foi pedir lume ao Peidão e teve de acender o cigarro com a cabeça dentro
da habitação.
- Cuidado, que
isto é de “nylon” e arde rapidamente, – disse o fumador, sem se aperceber que o
aviso tinha acabado de acender o rastilho de acesso aos neurónios do Peidão.
Quando a noite
ainda ia a meio, o proprietário da barraca minorca, em sono profundo, sonhou
com um incêndio e só acordou quando já estava meio de fora, a olhar para o café
que nunca conseguia ver, e com os farrapos da tenda a balançarem ao vento.
Tinha saído pelas traseiras.
No comments:
Post a Comment