Comandante Guélas
Série Paço de Arcos
Este ilustre “paçoarquiano”
era senhor de vários “hóbis”, um dos quais consistia em levar a aparelhagem dos
pais a pastar para o jardim, paredes-meias com a estação dos comboios. Ligava o
microfone, encostava-se ao muro e dava início ao programa radiofónico, dirigido
a todos os utentes que esperavam a composição para Cascais.
- A menina que
está encostada à coluna é uma pu..! – Dizia uma voz da rádio, acordando até os
surdos.
A multidão era
assim apanhada de surpresa, a sangue frio, sem possibilidade de resposta. Como
era de calcular, todos os olhos se colavam na adolescente, que tentava
disfarçar, abandonando sorrateiramente o local. Mas o predador radiofónico ia
no seu encalço:
- Não vale a
pena disfarçares, és uma grande pu.., ó oxigenada! Esconde-te atrás do careca
que tem estado a olhar para o teu cagueiro.
- Já viram as
prateleiras da velha com bigode que está sentada ao pé do monhé?
- Ó
caixa-de-óculos, só és míope para os livros, mas para olhares para as tetas da
cigana já não tens dioptrias.
O calvário só
terminava quando o “verde”, o “pára-em-todas”, chegava e esvaziava a gare,
deixando o Nando-Maluco sem ouvintes. Mas a festa não acabava aqui!
Recolhida a
aparelhagem, chegava a altura do programa “in sito”, ou seja, o artista rumava
para a estação, passando a actuar na gare do lado de terra. Desta vez a festa
iria acontecer com a chegada da composição. Mal o comboio parava, o senhor
Nando-Maluco procurava a vítima, alguma velha que estivesse sentada junto à
janela, com esta aberta. E tinha de ter um “cabelo-à-Moisés” (igual ao do
filme, na cena em que o atleta acabava de descer da montanha), sinal duma ida
recente ao cabeleireiro. O predador introduzia os braços no comboio e penetrava,
com as suas mãos grossas, na cabeleira encharcada de laca, transformando-a num
“desperdício” digno dos melhores mecânicos da Costa do Estoril. E nem havia
tempo para reclamações, pois geralmente o “pica-bilhetes” dava ordem de
partida!
De regresso a
casa o Nando-Maluco passou um dia pela praceta e deu de caras com uma discussão
entre dois Gangs, o de Paço de Arcos e o de Caxias. O Zé Pincel tinha abafado o
cachimbo da mota de um membro do segundo gang, que fora à estação comprar um
bilhete, e deixara o “peidociclo” naquela zona, e no regresso topara a ausência
do acessório. Como ninguém se acusara, tinha ido ao território buscar reforços,
que estavam a chegar a conta-gotas. O Nando-Maluco foi recebido em glória, pois
representava uma ajuda de peso para o Gang de Paço de Arcos, por ser mais velho
e matulão, mas também por representar o “bom-senso”. Como não quis tomar
partido por nenhum dos lados propôs arranjar uma solução equilibrada, que
evitasse o confronto: um jogo, e quem vencesse ficava com o cachimbo! Cada
grupo nomearia um representante, e fosse o que Deus quisesse. E qual seria a
prova de fogo?
- O Zé Pincel
vai buscar umas garrafas de vinho do pai e o primeiro a cair perde!
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