Comandante Guélas
Série Paço de Arcos
O tempo era de
solidariedade, mas para o Pierre Pomme-de-Terre e o Bajoulo não passava tudo de
uma questão de oportunidade para o negócio e não havia tempo a perder, pois as
latinhas do peditório já andavam a circular nas ruas. A responsável pela área
de Paço de Arcos tinha sido, desta vez, a mãe do Peidão, que andava toda
atarefada a controlar a saída das caixas que lhe tinham calhado na rifa. Todas
as forças vivas da zona estavam empenhadas na colecta, desde as tias, passando
pelos escuteiros e acabando nos alcoólicos …perdão…acólitos acima referidos.
Quando a mamã do Peidão deu a novidade em casa e pediu a ajuda solidária da
família., o “paçoarquiano” ia tendo um “treco”, e veio-lhe logo à memória as
caritas catitas do Bajoulo e do Pierre Pomme-de-Terre. Entrou de imediato em
prevenção, tentando evitar que os artistas tivessem acesso às latinhas. Já
sabia dos esquemas dos anos anteriores, mas agora o duo tocava-lhe à porta e
teria de proteger a progenitora. Mas como já andavam nesta escola da vida há
muito tempo, anteciparam-se à jogada e aproveitaram a boleia de um inocente.
- Vou à casa do
Peidão buscar uma latinha. Vocês também deviam participar nesta causa que é
nobre, – disse o inocente Bigornas, trepando para cima do “peidociclo” do
irmão, um ex-militar das forças especiais tal como o Conan, mas do ramo dos
Comandos, e também com a especialidade de ajudante de cozinha de campo, pois
tinha a sua “Sumbeam”, um motão do tempo dos Descobrimentos, toda desmontada à
entrada da “Jomarte”, a loja de fotografias mais famosa da Costa do Estoril,
que oferecia, de borla, a qualquer cliente que entrasse, uma espera no mínimo
de uma hora, até que o proprietário acabasse de ler o livro de quadradinhos do
dia.
- Tiraste-me as
palavras da boca, – interrompeu o raposão de nome Pierre Pomme-de-Terre, dando
um toque matreiro ao acompanhante. – Eu estava agora mesmo a desafiar o Bajoulo
para o gamanço…para uma boa acção, e não há nada melhor para a nossa imagem do
que participarmos no peditório. Mas como é que temos acesso ao material?
- Este ano a
mãe do Peidão é a responsável pela zona e vou neste momento a casa dele buscar
a latinha.
- Então podias
fazer-nos um favor, e trazer uma caixinha para cada um de nós. Eu tenho um
pouco receio de lá ir, pois da última vez que o fiz o avô estava solto e
apareceu-me por detrás de uma árvore com um pistolão do Farwest, julgando que
eu era um comunista a querer ocupar a casa. E ainda por cima hoje estou vestido
com uma t-shirt vermelha.
- Não se
preocupem, eu vou buscar várias latinhas para distribuir pela gente caridosa.
Quando se
apanharam com as “redondinhas” ao pescoço, o duo nunca mais parou, percorreu a
Costa do Estoril duma ponta a outra, chegando a encontrar mais dois colegas de
curso em Cascais. Mas o que é bom tem sempre um fim, e o peditório tinha hora
marcada para acabar e um prazo para a recolha do material. O Peidão estava
agora escalado para o efeito e resolveu começar pelas tias da Figueirinha.
- Estas latas
estão vazias porque pus o dinheiro todo nesta, – explicou a velha a cheirar a
perfume até às unhas dos pés, e com um penteado que parecia o Moisés dos “Dez
Mandamentos” após ter descido da montanha. – Os selos que tapavam as latas
caíram, – e fechou a porta.
Seguiram-se os
“meninos vestidos de parvos, comandados por um parvo vestido de menino”. Das
trintas latas, nenhum selo! E assim continuou a viagem, muito poucas latinhas
com selo, a maioria estranhamente sem ele. Uns dias depois a mamã do Peidão
teve um ataque de caspa monumental, pois faltavam duas “redodondinhas” do
senhor Bigornas. Contactado de imediato, explicou que estavam na posse do
Bajoulo e do Pierre Pomme-de-Terre, que se tinham comprometido a entregá-las no
prazo. Estariam estas duas alminhas caridosas a fazer horas extraordinárias? O
primeiro foi apanhado desprevenido, pediu para esperar um pouco, deslocou-se à
garagem, ouviu-se um som dum martelo a malhar num torno, e eis que o anjinho do
Barroco regressou com a caixinha amarela do peditório. Mal ela trocou de mãos o
selo, que parecia mais de carta do que o original de chumbo, caiu aos pés do
Peidão, ficando os dois a olhar para ele. A latinha do Pierre Pomme-de-Terre
estava em casa a dormir e foi entregue intacta. Intacta?! O selo só caiu
redondo no chão quando chegou à casa do Peidão, ou melhor, na sala dos pais, em
frente da mãe que já estava em pleno ataque de caspa, incrédula com a atitude
daqueles meninos de coro. Foi aberto um inquérito de averiguações, os dois paço-arcoenses
confessaram os desvios, devolveram algumas notinhas de vinte escudos e os
factos foram comunicados por escrito e assinados por todos os intervenientes,
sendo os relatórios enviados à instituição que prometeu mão de ferro para os
prevaricadores. Mas não nos podemos esquecer que estávamos num país de brandos
costumes que, com ou sem revolução, deixou ficar tudo na mesma. No ano seguinte
o Bajoulo e o Pierre Pomme-de-Terre lá foram vistos outra vez na fila da frente
da solidariedade, com umas latinhas amarelas ao pescoço a recolherem donativos
para uma causa que era muito nobre.
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