Comandante Guélas
Série Paço de Arcos
Férias a sério,
só no Algarve. E ainda por cima os manos Abrantes tinham trazido da Bélgica o
amigo Fánoir, uma espécie de leitão com olhos azuis. Segundo o Marreco, este
Bajoulo de Bruxelas trazia conhecimentos aprofundados de artes marciais, mas o
que primeiro deu nas vistas, neste caso nos olfactos, foi o seu cheiro dos pés,
que deixava a léguas o cholé do nosso Conan Vargas, em cuja biografia já
constava a evacuação da rua da sua casa de férias de Monte Gordo. Mas deixemos
estes pormenores para mais tarde, porque primeiro tinha de se escolher o local
do acampamento. A autorização para assentar arraiais foi dada pelo General, o
papá do querido e muito estimado Bajoulo e do mano, que dizia ser o maior
cobridor de Portugal e dos Algarves, principalmente no Verão, quando rumava a
Sul na sua potente e invejada Honda-50. As turistas faziam fila para sentir o
bafo deste garanhão com cara de papagaio. A guia de marcha mencionava que o
terreno em redor da habitação da casa de praia dos pais do Bajoulo estava à
disposição destes “meninos de boas famílias”. A CP foi o meio de transporte
para estes turistas do Gang de Meninos Ricos e Caucasianos de Paço de Arcos
(G.M.R.C.P.A), assim como as suas tralhas, incluindo as motas, indispensáveis
para todas as visitas de cortesia, essenciais para a sobrevivência desta
rapaziada amiga do ambiente. A chegada ao local do acampamento despertou a
aldeia do seu torpor habitual. Aliás o Graise, também conhecido por Sousa, deu
nas vistas com um fabuloso flato, que parecia mais um foguete a anunciar a
procissão da Senhora lá do sítio . A primeira noite foi passada em cima de um
chão duro e pedregoso, seguido de um incêndio às 4 da manhã, que obrigou a
aldeia a trabalhar, para não serem incomodados e calcinados os amigos dos
filhos do senhor General. O despertar foi dado por um galo que estava em cima
do Cocciolo, que resolvera dormir ao relento em cima de uma cama estilo
“burro”. A senhora Maria, vizinha já de uma certa idade, teve pena das
condições miseráveis em que tinham passado a noite estes “meninos de boas famílias”,
e resolveu abrir uma excepção, à revelia dos patrões e emprestar a chave de
acesso ao alpendre fechado. Assim, estes anjinhos ficariam um pouco melhor,
protegidos das agruras do tempo. Mas no alpendre havia outra porta, a de acesso
ao interior, e era fraquinha. Bastou um chuto do João Sá e a fechadura cedeu.
Estavam agora na sala a arrumar as tralhas, incluindo as motas, que também não
se podiam constipar. Os primeiros tomaram de assalto os três quartos e os
restantes distribuíram-se pelos vários cantos da casa de férias do General.
Quando saíram para a praia a fechadura já estava no local de origem e a porta
novamente operacional, mas desta vez só fechada no trinco.
Mal o grupo de
amigos, oriundos das mais nobres famílias de Paço de Arcos, pôs o pé na areia,
já o Pilas tinha alugado um barco a remos, com motor. Tudo foi feito dentro da
Lei até dobrarem a esquina, ponto a partir do qual os remos foram substituídos
pelo motor, apesar de não fazer parte do contrato. Depois de muitos “ss”, piões
e outros malabarismos, a falange do G.M.R.C.P.A. regressou ao ponto de
partida…novamente a remos. Mas o dono da embarcação também tinha a escola toda
e era sócio do Gang dos Pescadores da Praia da Luz (G.P.P.L.), e como tal tinha
acompanhado o movimento da sua embarcação, pela falésia. Após o desembarque dos
soldados do Comandante Guélas apresentou a conta da “viagem a motor com remos”.
Já tinha ganho o dia à pala daqueles rapazinhos imberbes, pensou. Mas pensou
mal! Do alto da falésia vira o rasto de espuma, que o uso de remos nunca
conseguiria fazer (excepto se fosse o Conan Vargas ao comando do paquete), mas
não as várias mijas que tinham sido feitas directamente para o depósito, tendo
em vista compensar o consumo clandestino de combustível. E não constava que o
suminho de cevada emborcado na noite anterior explodisse na presença de uma
faísca, porque senão o Velhinho há muito que tinha rebentado. Continuava são
que nem uma pêra, porque tinha sido visto há uma semana atrás a arrastar uma
porta, pela praceta, com o Pilas a dormir em cima, para lhe ir dar o cházinho
retemperador do costume. Queria isto então dizer que o pescador iria ficar
apeado quando regressasse da próxima pescaria, indo engrossar a lista dos “desaparecidos
com bom-tempo”.
O dia chegou ao
fim, significando que se aproximava a hora crítica, a noite, onde todos se
transformariam em demónios, mas de “boas famílias”. O retorno à casa do General
foi feito no meio de transporte do costume, “peidociclos”, indo o Karateca Fánoir à pendura do adolescente Peidão, o mais
ajuizado, numa Yamaha 50 “Mini Enduro”, tendo o mau hábito de ir sempre em pé
aos gritos. As péseiras acabaram a época balnear a apontar para o chão e as
suspensões traseiras a queixarem-se de escoliose grave. Na casa de banho havia
fila para o banho, e o cartaz na porta, escrito pela esposa alemã do militar,
pedia para deixarem as instalações tal como as tinham encontrado. Quinze dias
depois parecia que o areal da Praia da Luz se tinha mudado para o sanitário do
General.
Banho tomado,
umas quantas latas de atum e sardinhas com tomate abatidas, e o G.M.R.C.P.A.
rumou todo aperaltado para o “Luz Bay Club”, agora ocupado pelos pescadores,
depois de terem corrido, e muito bem, com os arrogantes “bifes”. E tudo isto
graças ao “Espírito do 25 de Abril”, que foram os melhores anos para se ser
adolescente, porque a Lei tinha morrido!
O irmão do
Marreco estava de amores por uma “franciu”, com cara de suíno e exclusividade
na língua francesa. Assim, os amigos falavam à vontade junto a ela,
questionando-o porque é que andava com a “Porky”. Seria que depois da
meia-noite se transformaria em princesa? Só quando o fabuloso Carateka Fánoir
confessou que tinha medo de ir para casa sozinho, impossibilitando assim o Marreco
mais velho de ficar a apanhar gambuzinos na praia com a oxigenada, é que a
“vampe” teve um ataque de caspa, descontrolou-se, e desbobinou o que lhe ia na
alma mas … em português. O resto do que faltava da noite foi passado na casa do
General, com o Tonico já mais para lá do que para cá, com a cabeça encostadinha
aos pés nauseabundos do belga, que obrigavam o resto do pessoal a conservar um
perímetro alargado de segurança, visto ser impossível descobrir oxigénio
naquele ambiente pestilento. Enquanto todos tentavam descobrir um espaço para
dormir, eis que chega o Graise envergando um bonito vestido de cor verde alface
propriedade da mulher do General, que tinha descoberto no armário do quarto
onde ia pernoitar. Atrás dele seguia-o outro, e outro, e outro, parecia uma
passagem de modelos da Fátima Lopes. Foi uma noite longa, muito longa!
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