Comandante Guélas
Série Paço de Arcos
O Cavaleiro
preparava-se para dar mais uma festa grandiosa e insistia em não convidar os
adeptos do Comandante Guélas. Mas como era tradição, o Gang já sabia e
aprontava-se para mais uma noite bem passada. A casa estava dentro de uma
quinta, situava-se no topo e pelo meio morava o Zé Preto. E nessa noite o
Botelho iria levar o primo, tendo como obrigação protegê-lo de todos os
perigos. Foi por isso que o Mac Macléu quando lhe deu boleia, na sua Zundapp,
pôs o petiz no meio, para não cair. Eram nove e meia da noite quando o
G.M.R.C.P.A. se apresentou à porta da casa onde se ia desenrolar o evento.
Desta vez foram recebidos por cinco seguranças adolescentes, todos vestidos de
preto, incluindo luvas, e com um ar muito mau.
- Só entra quem
foi convidado, – informaram, com vozes de trovãozinhos, os terríveis seguranças
imberbes.
O Charlot
rosnou, mas não o deixaram avançar. Foi o Pilas. Mas depressa o convenceram de que
esses não eram os métodos adequados à situação. De todas as outras vezes tinham
conseguido entrar, sem usarem a violência, que fazia parte do espírito do
“Guélanismo”. Pediram para falar com a mãe do Cavaleiro. Tinham de esperar!
Lembraram-se da primeira festa das suas vidas, no Alto de Paço de Arcos, e de
terem dado de caras com o Graise à porta, agarrado à sua primeira namorada, a
miúda mais feia da Costa do Estoril, um cágado com bigode:
- Esta festa é
só para orientados, – disse apertando a anã.
A frase ficou
para sempre na memória de todos os paço-arcoenses pertencentes ao Gang dos
Meninos Ricos e Caucasianos de Paço de Arcos.
A um dado
momento passou um adulto pela parte de dentro da casa, que foi detectado pelos
penetras:
- Tia, tia, –
chamaram com uma voz doce os seguidores do Comandante Guélas.
Todos sabiam
que a senhora já estava mais para lá do que para cá, devido aos efeitos do sumo
de cevada, e ao tamanho do decote, impróprio para rapazinhos na puberdade.
- Olá, olá, –
respondeu a proprietária do imóvel, tentando recordar-se do nome daquelas caras
desconhecidas.
Mas a técnica
era essa. Ela nunca iria dar parte fraca.
- O Zé
convidou-nos, mas ele está lá em cima e os seguranças não nos querem deixar
entrar, – queixou-se o Velhinho, dando um beijo à tia.
- Mas que
disparate, eles podem entrar, são amigos do Zé.
Os imberbes de
preto abriram alas e os membros do G.M.R.C.P.A. treparam até ao sótão. Quando
passou pelo tenebroso homem de preto que chefiava a equipa, o Pilas deitou-lhe
a língua de fora e o Charlot rosnou-lhe aos ouvidos. Lá em cima a festa estava
animada e bem organizada. Dançava-se num lado e compravam-se bebidas no outro.
Compravam-se?!! Sim “compravam-se”, passado! O proprietário ausentara-se devido
a uma necessidade fisiológica e, entre amigos, não havia necessidade de fechar
o estabelecimento comercial. Mas por alguma razão o G.M.R.C.P.A. não tinha
sido, mais uma vez, convidado e, mais uma vez, entrara. E o João Sá, mais uma
vez, prontificou-se a tomar conta da ocorrência. Declarou “Bar Aberto”, e
começou abastecer de “bejecas” o grupo de meninos ricos de Paço de Arcos. Quando
o Cavaleiro chegou o Bar era do povo, a população abastecia-se de borla, amigos
e inimigos. Um acontecimento destes não sucedia em todas as festas. A única
solução era encerrar temporariamente para balanço, apesar de toda a gente saber
que era negativo, negativíssimo! O João Sá ainda não tinha acendido o cigarro e
já estava no olho da rua, encostado à porta do bar, que se fechara. Mas como
era de madeira não resistiu aos dois biqueiros que levou. Abriu-se então um
grande buraco na parte de baixo, que foi por onde passou a cabeça, para pedir
lume ao patrão.
- Mãe,
maeeeeeeeee, -gritou o Zé, descendo apressadamente as escadas, ao mesmo tempo
que a turba, de amigos e inimigos, lhe invadia o Bar pela segunda, e
definitiva, vez.
A mamã veio a
correr, com o chefe da segurança atrás, e entrou no Salão de Dança para botar
discurso. A música parou e a tia deu a entender aos sobrinhos que estava muito
magoada com eles. Tinham-lhe partido a bilha toda…perdão…a porta do Bar e isso
era muito feio. Como se esperava, todos negaram o acto! Mas eis que a porta se
fechou, deixando-os todos trancados no Sótão.
- Abram, é uma
ordem, – gritou a dona da casa.
Ninguém
respondeu!
- Eu sei que
está aí alguém do lado de fora. Se não abrir a porta expulso-o de minha casa.
Só se ouviram
palavras obscenas que foram dirigidas à tia. Quanto à porta, continuou fechada
até ser arrombada. Do outro lado não estava viva alma. Teria sido um fantasma?
A festa continuou porque todos os que estavam ali eram filhos de “boas
famílias” e juraram, por escrito, que não tinham feito nada. Aliás, como ficara
provado, o responsável por tudo aquilo tinha sido aquele que momentos antes
havia vilipendiado a tia escondendo-se, talvez por vergonha, atrás da porta.
Para garantir que o que tinham prometido era cumprido, a proprietária do imóvel
ordenou ao único segurança que tinha tido a coragem de a acompanhar ao reduto,
porque sabia que junto a ela estava seguro, para ficar a tomar conta dos
primos. Foi uma má decisão. O Pilas aproximou-se do garanhão e rosnou-lhe. Não
houve qualquer tipo de reacção. Entrou então em cena, contra todas as
expectativas, o irmão do Zé Pincel que queria já ali ajustar contas com aquele
que horas antes lhe tinha barrado a entrada e que agora ele sabia estar em
minoria. Foi barrado pelo “paçoarquiano” Peidão, o único com algum juízo, que o
virou ao contrário e o deixou cair, deixando-o abananado e a cuspir fininho
junto a uma janela, não fosse faltar-lhe o ar. E nesse momento os fusíveis
foram, pela décima vez, propositadamente abaixo, o que levou à precipitação dos
acontecimentos. O homem de negro foi selvaticamente atacado e quando a luz
voltou estava prostrado no chão, a queixar-se de falta de ar e das duas
dentadas que tinha recebido no peito, apesar de não haver nenhum cão por perto.
Não era preciso um animal desses para haver dentadas, o Charlot estava lá, e
tinha andado em roda-viva durante as trevas. A festa continuou no andar de
baixo com o ferido à espera da ambulância. Após a remoção do corpo a tia deu
por encerrada esta noite louca, que iria ser a última. Todos se despediram da
dona da casa e o Gang de Paço de Arcos montou nos seus “peidociclos” e foram
colina abaixo. Mais uma vez o priminho do Botelho foi arrumado na Zundapp do
Mac-Cléu , a meio. Mas faltava cumprir a tradição! A tia tinha a decorar o
jardim uma monstruosa roda de carroça que ia sempre montanha abaixo no final
das festas, para que no dia seguinte o primo Cavaleiro, com a ajuda das irmãs,
fosse visto a empurrar o mastodonte para o local que lhe competia, tal como o
seu antepassado Sísifo. Ainda os motoqueiros não tinham atingido o meio do
caminho e já a roda se cruzava com eles, tendo o Botelho apanhado o maior cagaço
do mundo, por ter imaginado que ela poderia ter colidido a meio da mota. Mas o
destino foi outro. Nunca mais trouxe o priminho para Paço de Arcos! A roda só
parou no quarto dos caseiros, junto à cama deles, e vinda do tecto. Como as
relações entre a patroa e os empregados não eram das melhores, isto deu origem
a um processo em tribunal, segundo reza a lenda.
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