As memórias que os Meninos da Luz deixam de si é o que nos revela a imortalidade do Colégio Militar, é uma cadeia que nos prende ao passado e nunca é o último elo, eles estão em toda a parte, representam uma parceria entre os alunos que estão vivos, os que estão mortos e os que irão nascer (http://camaradachoco.blogspot.com/2013/02/miolos-no-teto.html). A “Z” é a mais puritana das gerações desde a época vitoriana, mas foi o álcool e as bebedeiras que criaram a Humanidade, incluindo muitos Meninos da Luz dos anos setenta, porque foi a altura em que se servia vinho tinto martelado a partir dos 10 anos, nas duas refeições principais. A dose do almoço servia para acumular e transportar calorias, para que os rapazes fardados de cotim conseguissem aguentar o resto do dia, que era sempre muito longo (http://camaradachoco.blogspot.com/2013/03/liga-dos-meninos-extraordinarios.html). O sumo de uva libertava a criatividade, a ousadia, a inteligência e a perseverança destes meninos com um excepcional e fecundo DNA, que continha o melhor da natureza. A sua vida entre quatro paredes definia-se na interação uns com os outros, e na ajuda preciosa do néctar do deus Baco. Nenhum cresceu em branco. Todos eram vítimas destes candidatos a Odin, docentes e discentes. Mas ao contrário de tudo o que se poderá pensar o tintól nunca causou nenhum prejuízo cognitivo aos Meninos da Luz. E para uns a dose diária deixou de ser suficiente, por isso “descaminhavam-se” na copa, de onde traziam garrafões que eram consumidos no telhado. Foi devido a estes consumos, somados às tradições e às firmezas (Camarada Choco & Comandante Guélas: A Firmeza), que saíram os histriónicos, os fóbicos, os paranóides, os psicopatas, os esquizofrénicos e os maníacos que povoaram o nosso querido país à beira mar plantado. Aliás, este país, que todas as probabilidades diziam ser inviável, feito de pedaços de outros estados, foi fundado, não por betinhos, mas por jovens que saiam das tabernas dispostos a fazerem a folhas aos mouros e aos castelhanos. E o Carioca era um deles, pois de cada vez que levantava os braços para dar início ao piar dos canários, alguém do lado de fora dava um biqueiro na porta do padre Miguel, membro de uma religião que se fundia com o álcool e, como bom cristão, saía sempre a correr do espaço educativo no encalço do Teta, decidido a fazer-lhe a folha. E para que os Meninos da Luz dos anos setenta se aceitassem como um projeto futuro, tiveram de estabelecer vínculos fortes uns com os outros, uma espécie de desmossomas colegiais. Todas as tardes o 3ºE (http://camaradachoco.blogspot.com/2012/08/um-dia-na-vida-do-3-e-do-colegio.html) parecia o farwest, aguentavam, invariavelmente, firmes e hirtos, o feitio do tenente-Coronel, professor de matemática, o Bêbado que, nas alturas de maior consumo, costumava simular que estava a tocar trombeta no ponteiro, ao mesmo tempo que distribuía pelos petizes fardados de cotim ponteiradas bem aviadas, cujas cabeças respondiam, a maioria, com ecos profundos. Havia também um imitador do deus grego Dionísio nas Ciências Naturais que gostava de distribuir abrunhos àqueles que ajudavam os camaradas nas chamadas orais. E se não se mencionasse o Gunga (http://camaradachoco.blogspot.com/2013/05/o-gungunhanha.html) era injusto, que ensinava de forma diferente, através de flatetes, a sua especialidade.
- Chiça, mas hoje ninguém foge? –
Queixou-se o tenente Aparício, sentando-se nos calcanhares. – Só saltam quando
não estou aqui?
Mas os céus fizeram-lhe a vontade. Uma
das janelas da sala de leitura da 4ª companhia abriu-se com estrondo, e o
comando agachou-se tal qual um felino, gritando baixinho “mama sume”.
- Vais ter cá uma surpresa rapazinho.
O Dáni subiu para o parapeito, o
predador preparou-se para o salto, camuflando-se ainda mais. Mas sobre o
pequeno tenente Aparício, oficial de dia, caiu uma tromba de cevada, que o
obrigou a fechar os olhos, e a selar os lábios, não sem antes deixar entrar uma
gota, que desceu rapidamente para a glote.
- Bós sois piores que os ciganos, - gritava sempre o Moreira (Camarada Choco & Comandante Guélas: O Moreira) de cada vez que era emboscado por uma turbe de rapazes com vestígios de tintól nas guelras, que só deixavam restos de mil folhas no local.
O efeito do vinho do jantar do dia anterior sentia-se nas cestas do reforço da manhã, pois havia sempre uma manada de discentes que se precipitava sobre elas, e tragava, num abrir e fechar de olhos todos os pães com marmelada das redondezas, uma forma de tentar atenuar o sumo de uva que ainda lhes corria nas veias. Mas o tintol colegial tinha muitas vantagens, foi destas molhadas que saíram os melhores jogadores de rugby do país. À noite, no Geral da Companhias, tal como os oficiais czaristas tinham o direito de dar um murro na cara de qualquer um dos seus soldados como castigo sumário, os Meninos da Luz com estrelas aos ombros também usufruíam desse direito, eram os medidores de conformidades, cujo efeito do tinto martelado oferecido à descrição às refeições agravava os comportamentos, daí as tradicionais “Firmezas”, um tipo de tortura exclusivo deste espaço educativo cheio de pergaminhos, mas com muitas nódoas, de vinho. O pior aconteceu quando um dia um 401 (http://camaradachoco.blogspot.com/2012/11/as-noites-dos-facas-longas.html) entrou na sala de leitura da quarta companhia num sábado à noite de um janeiro gélido, porque tinham ficado todos retidos, conforme fora ordenado com a conivência de alguns oficiais, que adormeciam no posto com um biberon em cima da mesa, ia com um sorriso confiante, que depois deu lugar a um sorriso apreensivo, que deu lugar a um esgar de sofrimento, um vazio nos olhos, um tremer de medo, exausto, com sede, um tímpano furado à chapada, o sangue a sair em esguicho, uma marca no rosto de uma agressão com uma garrafa de whisky Highland Clan, gamada no Bar do pessoal, com dores intensas no cotovelo esquerdo, operado duas semanas antes para retirarem os parafusos, de uma lesão ganha a representar com orgulho o Colégio na Classe Especial de Ginástica um ano antes, atingido agora barbaramente pelas pernas arrancadas às cadeiras, que estavam nas mãos dos carrascos de ocasião, cegos pelo álcool durante toda aquela longa noite.
Pedir a uma resma de Meninos da Luz
carregados de tinto para fazerem uma rosa com barro era suicídio, que o diga o
professor de Trabalhos Manuais, o Oliveira, mais conhecido por Baco, vá-se lá
saber porquê que, de cada vez que virava costas para ajudar o 69, o único
discente que bebia sumo de laranja, os outros forravam a parede branca com
pedaços de argila, e quando se apercebia e tentava intervir, amassavam a rosa
do “número mais vergonhoso do Colégio Militar”. E do outro lado da sala do
pavilhão de Trabalhos Manuais, onde se faziam trabalhos em cartolina, e mais
uma vez o 69 superara tudo e todos com uma soberba Torre Eiffel, cuja ala era
dirigida pelo professor Clarence (era o tempo da série Daktari onde se
destacava o Cross-Eved Lion), os efeitos do carrascão eram ao retardador, mais
propriamente no intervalo após o almoço, com a invasão da sala vazia pelo Horrível
(125), que apesar da alcunha era o maior fodilhão de Alvalade, o Peidão (191) e
o Cabedo (120), cuja brincadeira consistiu em reduzir a cinzas a obra do
camarada 69.
E para terminar estas divagações sobre
meninos educados com uma mentalidade eminentemente selvagem que, além de
elegantes, desafiavam os limites da vida, quando o Maná se preparava para beber
o vinho destinado à missa, que estava na capela dos claustros, só teve tempo
para dar um golo pois apareceu, vindo das trevas, o padre Peixoto, o professor
de História que escrevia as perguntas dos pontos nos triplicados das
participações, deitando depois as cópias para o lixo, ação esta que nunca se
soube se era deliberada ou por distração, mas que fazia com que nunca ninguém
chumbasse.
-
Então 78, a bebida é do seu agrado?
Antevia-se
um processo, o Maná já sentia uma carecada, e outros miminhos exclusivos da
Luz, e ainda por cima agora que se aproximava um Chá Dançante com a presença de
muitas Meninas de Odivelas. O padre Peixoto fez uma dissertação sobre vinhos,
que acabou com uma oferta de uma excelente garrafa de Porto e um conselho:
-
Tens de bebe-la toda para não ires parar ao Inferno!
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