O Colégio Militar sempre deu muito de bom,
e pouco de muito mau! Por terem feito uma “brincadeira” ao professor de inglês,
um capitão, todos os graduados de 1932 foram chumbados e, em vez de expulsos,
como pretendia a direção, por causa de um deles ser familiar de uma eminência
parda do regime, foram graduados no ano seguinte em furriéis. Na disciplina de
Inglês dos anos 70 havia o “American Language Course”, dado no futurista
Laboratório de Línguas, com boxes individuais para cada aluno, apetrechadas com
uma panóplia de instrumentos, dirigidos por um docente em cima de um estrado,
com uma consola cheia de botões à sua frente que, quando se esquecia de
desligar os microfones, arriscava-se a ouvir o grito do Fogaça:
- Ó Tabi, chupa aqui!
Na Sala de Cinema, que fazia concorrência
a muitos cinemas, o Pequito projetava filmes em francês, mas a maioria
aproveitava para dormir, exceto o 69. E tudo isto para tentar fazer com que os Meninos
da Luz ganhassem competências extraordinárias no uso da língua. Mas nada vazia concorrência
ao “Swedish Sexual Course”, onde umas suecas atrevidas vaziam de tudo para
arrebitar os canários da rapaziada, cujos proprietários não davam descanso à
bicharada. O roubo, “descaminhamento” para ser mais correto, pois estes meninos
não roubavam, das “Ginas”, não representava um ilícito criminal, mas antes um
ato de camaradagem, na difusão da arte de bem cavalgar uma almofada. E por
causa das malucas tornou-se famoso nos anos 90 o Pija-Man, um super-herói
equipado com um pijama turco preto, que as farejava à distância, fechadas a
sete chaves nos armários metálicos verdes, raptava-as, esgalhava, e tornava a
pô-las no lugar, sem que o proprietário desse pela violação, exceto às vezes
algumas páginas coladas. Mas se o gamanço implicava dinheiro ou outro assunto
do Índex, abria-se a “Caixa da Luz”, de onde saiam todos os demónios e males do
colégio, que davam origem a muitos processos dos
Távoras. A memória é uma forma poderosa da experiência involuntária que
muitas vezes regressa associada a circunstâncias do presente, como fluxo de
instabilidade, o que a torna uma realidade para além do tempo, um fluxo
infindável da consciência, com sensações físicas difusas, imagens, odores e
sons, com tanta vivacidade e complexidade, que nos fazem regressar ao colégio.
Não podemos esconder os nossos pecados, não podemos enterra-los, temos de
carrega-los, temos de admiti-los com orgulho. O orgulho não advém da consumação
do erro, mas da coragem que é necessária para admitir esse erro. Havia
tradições e tabus no Colégio Militar que eram disfuncionais para o espírito de
corpo e de camaradagem. Como é que se chegava por vezes àquela loucura e
àquele mal em estado puro?
Quando o 401 entrou na sala de leitura da
quarta companhia no sábado à noite de um janeiro gélido, porque tinham ficado
todos retidos, conforme fora ordenado com a conivência de alguns oficiais, ia
com um sorriso confiante, que depois deu lugar a um sorriso apreensivo, que deu
lugar a um esgar de sofrimento, um vazio nos olhos, um tremer de medo, exausto,
com sede, um tímpano furado à chapada, o sangue a sair em esguicho, uma marca
no rosto de uma agressão com uma garrafa de whisky Highland Clan, gamada na
Soca ou oferta de algum miliciano acalorado, com dores intensas no cotovelo
esquerdo, operado duas semanas antes para retirarem os parafusos, de uma lesão
ganha a representar com orgulho o Colégio Militar na Classe Especial de
Ginástica um ano antes, atingido agora barbaramente pelas pernas arrancadas às
cadeiras, que estavam nas mãos dos psicopatas de ocasião, cegos por um ódio
profundo durante toda aquela longa noite, em sentido. O espaço dedicado à
“leitura” transformara-se num tribunal inquisitorial, a orgia de violência era
a quem mais ordenava, estavam presentes quase todos os graduados da quarta
companhia e de outras, e do Comando, com graduação igual ou acima do Comandante
de Companhia. E tudo isto porque tinham desaparecido 350 escudos dum armário,
150 escudos do saco preto de outro e uma minicalculadora científica, que
apareceu dois dias depois debaixo duma cama, após a ameaça de uma firmeza! Mais
tarde o autor deste último roubo foi apanhado com 100 dólares de um colega
durante a viagem de curso, depois de terem sido obrigados a formar numa parede
da Legião Estrangeira em Nice, onde foram revistados, e confessou também o
desvio da calculadora. Para manter a tradição, escolheram aquele que nunca fora
subserviente, que não era adepto da graxa, cujo pai nunca presenteara os
graduados com lagostas, como aconteceu duas décadas antes, em que um general
enchia semanalmente os graduados e os oficiais da companhia com caixas de
marisco, cujo filho um dia acusou, durante um desses encontros íntimos com o
comando, alguns colegas, de atos indignos, o que fez com que fossem acordados
brutalmente às duas da manhã, torturados, uns queimados com cigarros, entregues
depois aos oficiais, que continuaram a festa, mas que nunca conseguiram que
eles dissessem aquilo que eles queriam ouvir, porque a verdade era só uma.
Valeu existir um Comandante do Corpo de Alunos Oficial muito competente, que
investigou, e castigou o denunciante e os cobardes com estrelas nos ombros.
Assim, como o 402 lhes estava atravessado na garganta, transformaram-no, a ele
e ao vizinho de cama, e, portanto, suspeito de ter informações, em sacos de
pancada, onde despejaram todas as frustrações da breve vida. Os carrascos só
queriam ouvir o “sim”, mas o 401 e o 402 não deviam nada, apesar de teme-los,
mantiveram-se firmes, e em sentido, como obrigavam os “regulamentos”, durante
toda a noite. E como os ratos são sempre os primeiros a abandonar o navio, um
colega também suspeito entregou em desespero uma lista de todos os roubos que
fizera desde a entrada no espaço educativo, onde não constavam estes, ganhando
assim um bilhete para a primeira fila reservada à assistência na Sala de
“Leitura”, sinal de que nestes tempos desconstruídos bastava uma folha de Excell
para comprar graduados. Um dos inquisidores por vezes entrava em histeria e
soltava gritos efeminados, mostrando que tinha as hormonas trocadas, e por isso
tentava ser o mais macho. O 402, o alvo, aguentou-se firme durante vinte
sessões. Nunca mais quis saber do colégio, talvez esta verdade traga a
reconciliação!
“Zacatraz” aos bravos 401 e 402, que se
portaram com “Ardor Guerreiro que se apura”.
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