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315 estórias

Saturday, August 26, 2023

Equitação Colegial

 



Comandante Guélas

Série Colégio Militar


Os Meninos da Luz viviam em permanente diálogo com a vida e com o mundo, foram poucas as situações que não abordaram, eram fazedores do impensado, por isso recorriam a atividades próximas da poesia. Somos gigalôs das memórias, porque estas estórias têm a participação de muitos. Se nos dias de hoje formos ao Bar Spell e King na Formação ainda sentimos o cheiro a cavalo. As aulas de equitação no Colégio Militar eram sempre um campo de batalha em que todos os Meninos da Luz compreendiam a gesta dos seus violentos antepassados. Tudo começava no Largo da Luz onde seguiam em procissão bichos com os carretos gripados, em direção à Azinhaga da Fonte, no fundo da qual entravam no colégio e no respetivo picadeiro. Davam coices nos soldados, nos colegas e faziam riscos nos carros. E às vezes extraviavam-se e só apareciam lá para os lados de Monsanto na zona da Marreca. Para se conseguir sobreviver a uma aula de equitação a ordem de chegada era fundamental, e quando o toque da corneta avisava o fim da aula a turma saia a galope em direção ao picadeiro.

O Cabedo estava a fazer galopes curtos com o Flipper quando os alunos chegaram. Alinhados numa das paredes do picadeiro, guardados por soldados estavam as cavalgadura militares do costume: o Salame que mordia, a Nono, uma égua mansinha que gostava de dar coices, a Rata, uma égua branca que dava cangochas quando lhe tocavam na garupa, o Quadrado, de cor castanha e feitio muito vivo (partiu o braço ao 80), o Alfange, uma máquina a disparar coices, o Eusébio, que tinha mau feitio, o Patacho, o Vapor, que num desfile com fato de cerimónia e com a presença do Presidente, quase lhe tatuou uma ferradura na cara após uma valente cangocha quando a excelência saía do carro, a Quirina, a Tangerina o Único, o 31, o 48, enfim, tudo bons quadrúpedes.

O 581 e outros camaradas tiveram um dia uma aventura alucinante, quando receberam ordens para levar uns quantos cavalos ao hipódromo do Campo Grande. Saíram pela Estrada da Luz, embrenharam-se pela 2ª circular, misturando-se com o trânsito caótico e na zona do Estádio Universitário, com bermas largas de areia e ervas, o instrutor deu ordem de “galope”, e foi nesta altura que o cavalo do 581 desembestou, só parando quando chocou contra a rede que delimitava o espaço desportivo. À chegada ao local ainda houve tempo para patinagem artística nos paralelepípedos que forravam a estrada.

- Montar – ordenou o Jaimito dando início à aula de equitação, colocando-se estrategicamente num dos cantos do picadeiro, e ordenando ao soldado para se posicionar no canto oposto.

Nem deu tempo à rapaziada para se sentarem adequadamente, ergueu o chicote no ar e iniciou as hostilidades. Os quadrupedes arrancaram em debandada, um dos instruendos depressa ficou pendurado, com uma mão no arreio e com um pé no estribo, até que um barulho ensurdecedor ecoou pelo picadeiro, sobrepondo-se aos gritos e relinchos. O 480 acabara de ceder à força centrífuga.

- Quem é que mandou apear? – Gritou o Jaiminho com um ar de macho, aproximando-se do aluno

- Eu não aguento mais, meu capitão.

- Já lá para cima.

De novo o chicote a fazer gritar o ar, o 480 saiu agarrado em desespero ao cepo da sela.

A aventura do 317 também foi digna de registo, pois recebera ordem do instrutor para ser o fila-guia, e descer as bancadas do campo de futebol com o Quadrado, depois de ambos terem levado, ainda dentro do picadeiro, uns valentes coices da Nono que aparecera, sabe-se lá porquê, e após um galope muito confuso, de frente, aproveitando a ocasião para cumprimentar o colega e o seu jovem cavaleiro. O cavalo do 317 estava zangado com a “rapariga” e quem levou com o mau feitio foi o aluno, que sentiu nas costas o chão duro do campo da bola. O 467 era um ás na “arte de bem cavalgar toda a sela”, por isso tinha sempre a mania de inventar, recebendo com frequência um cartão amarelo do instrutor:

- O senhor está a mijar fora do penico! 

- Galope - ordenou o Dores. – Tirar os pés dos estribos, pôr as rédeas ao pescoço e as mãos em cima.

E no caminho estava um cavalete que tinha de ser ultrapassado, e quando o Vinasse aterrou de costas na serradura, limitou-se a dizer:

- Senhor aluno, agarre o cavalo e monte!

No fim ordenou:

- Vão dar uma volta a passo pelo exterior para secarem os cavalos!

Os Meninos da Luz eram rapazes cheios de sonhos, de nobres, galantes e vãs fantasias com as Meninas de Odivelas, por isso deram início a uma temerária aventura ao estilo D. Quixote: um ataque frontal à metade da turma que se encontrava a praticar esgrima no exterior do ginásio. Ouve um minuto de silêncio quando ambos os grupos se encontraram à distância. Após este tempo de reflexão a turba de quadrupedes comandados por bípedes sentados nos seus costados lançou-se com furor num galope em direção à floresta de fatos-de-treino acastanhados com o emblema da Barretina no coração.   

A estória acaba na outra ponta do colégio com um docente a distribuir ponteiradas a bípedes que tinham imitado em coro o relinchar de quadrúpedes durante a aula de química prática:

- É só gado, é só gado, - gritou o Semita.


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