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315 estórias

Friday, July 23, 2004

Introdução

INTRODUÇÃO
Um simples risco num cromossoma pode decidir para sempre a carreira política de alguém.

Memórias do Camarada Choco 
Um Proletário visto à Lupa
O camarada Choco pertence a uma classe social inferior, a sociedade não o deixa pagar impostos, tem electricidade de borla, dão-lhe vários ordenados por mês, um para ele e os outros para quem o educa, reabilita e reeduca, enfim, tem uma vida de lorde numa mansão em pleno centro do Inferno...ou será o Paraíso !?? O corpo humilha-o todos os dias e priva-o quotidianamente de esperança,.apesar de ser um marco nesta estranha sociedade de auto arquétipos. Quando vai na rua as pessoas evitam cruzar-se com ele, olham-no de lado, ocupa o lugar que já pertenceu aos leprosos. Provoca ou a repulsa ou a piedade, a sua figura só transmite enfermidade, sofrimento, horror e receio e, para o bem de todos, não deveria andar pelo Mundo. Cada criatura de Deus tem algo que o distingue dos outros, para assim poder ser localizada rápida e eficazmente pelo seu Anjo da Guarda. Assim, uns têm deficit de cabelo, outros têm uma cor mais carregada, uns são minorcas e têm-nas avantajadas, outros são maiorcas e têm-nas curtas, etc.,etc,etc. Ao camarada Choco foram-lhe encaminhadas pelos Céus umas cuecas coloridas, fantásticas, únicas, com uma luxuriante fauna, um micro mundo ainda não descoberto, felizmente, pelos biólogos e outros intrometidos afins. Nesse magnífico mundo pululam Borgalhotas, Alcagóitas, Cabaças, Cutrilhos, Cutrelhas Cabacinhas e muitos, muitos mais seres vivos, dignos de pertencerem a umas slipes tipicamente proletárias, dignas dos melhores Comités Centrais ou das mais finas Lojas de Meias.
Foi numa noite já com a Lua distante e as cuecas rasgadas, que uma voz vinda do seu íntimo o desafiou para uma espécie de Viagem, uma Aventura pela Alma, pelas “histórias sem conta que os teus sentidos gravaram, com e sem o teu consentimento “ – disse firme e determinada e continuou:
-          Conta-as, revivendo-as; só assim te poderás encontrar com o sumo das tuas cuecas! Enquanto planares serás apenas um Anjo e o de baixo um primo afastado, a quem tu te referirás sempre na terceira pessoa, e que numas histórias não passará de um mero figurante e noutras será o artista principal, com todos os seus acessórios. Tu, Choco, és um visionário, um revolucionário, um poeta, um mito, um homem a quem uma simples troca de genes te tentou atirar para a lama, mas conseguiste erguer-te com uma mochila às costas e dois sacos de plástico da “Loja dos 150” em cada mão e, tal qual um “De La Mancha”, enfrentaste as inúmeras ruínas de moinhos que se espalham, ou deviam espalhar, pela Brandoa e os arredores, sem nunca ousares abandonar, tal qual um Camões após o naufrágio, as soberbas cuecas que te acompanham e que tapam a tua bilha em forma de lata de anchovas e a tua preciosa malagueta com um nó na ponta, graças a Deus, não fosses tu também querer seguir o exemplo do teu progenitor. Faz-nos participar nessas extraordinárias aventuras que guardas tão zelosamente dentro desse micro cérebro.
De repente, uma tempestade existencial eléctrica levou-o de encontro aos gritos estridentes da sua amiga e colega Papoila, acompanhados pelo som da sua cabeça a bater de encontro a uma parede de madeira azul. Mas havia algo de diferente, estava tudo amplificado, os sons, os movimentos e o tempo. Depois da Papoila veio a Violeta, a Lolita, o Tó Carvão, o Melão, a Snawzer, o Ambrósio Caspa, a madame Mocho, a Florbela, a Narcisa Ramires, a Palmira Melga, a Zulmira Destravada, a Telma Estrábica, o Zé Balbas, o Fangio Espástico, a Carolina Caracol, o Jójó Bafo-de-Bóde, a Mercedes Esgoto, a madame Amorim, a Castafiore, o Kodac, o Zé Trovão, o Tremoço, a Zobaida e...e finalmente o Choco..sim, sim, o Choco, sinal indiscutível da saída da própria carcaça, que ficava agora ali em baixo à mercê das fábulas, com heróis, vítimas, mártires e guerreiros.
Ainda se viu na 14ª aventura a partir em slide, tal como um trovão, com os ténis a chiar e o escape na máxima potência. Mas infelizmente não foi longe. Não tinha ainda atingido o meio da recta e já se precipitava de encontro aos paralelepípedos, junto à sua querida colega de infortúnio a Dona Zobaida, que acabara de capotar na 3ª aventura e esperava agora pelo 115. Mas estes eram problemas para resolver mais à frente. Não valia a pena preocupar-se com eles na Introdução.

-          ORGANIZEM-SE – gritou a Lolita arrancando e deixando para trás a própria sombra.

A aventura em que o queriam meter já estava a desestabilizar-lhe ainda mais a Alma; mas um revolucionário nunca anda para trás e “contra os canhões, marchar, marchar”, dizia a letra proletária. As jornadas iriam ser uma espécie de oração, de Salmos, um novo Manifesto, que lhe daria uma sensação de regresso à luz e à vida, uma esperança de um alívio infinito.

 

 

 

 

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