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315 estórias

Friday, March 09, 2018

O "Cante Zacatriano"


Comandante Guélas

Série Colégio Militar


Quando se quer ouvir a alma dos Meninos da Luz basta gritar “Zacatraz” três vezes, e a caixa abre-se de rompante:
- Traz, Traz!
- Zacatraz, Zacatraz, Zacatraz!
- Traz, Traz!
-Zacatraz, Zacatraz, Zacatraz
- Traz, Traz
- Ala, Ala!
- Arriba!
- Ala, Ala!
- Arriba!
- Allez, Allez, à votre santé!
No dia 12 de Abril de 2013 (Camarada Choco & Comandante Guélas: 12 de abril de 2013), quando o curso de 1971 / 1978 fez a visita oficial após 35 anos de saída, o 69 esmerou-se tanto, que conseguiu fazer abanar o busto do marechal, enchê-lo de perdigotos, acordar o 607, que adormecera embalado pela lenga lenga costumeira das virtudes daquele espaço educativo, sonhando com o Amarelo que iria degustar ao almoço em tal quantidade, que lhe permitiria hibernar o resto da semana. O bardo tocou na border line da legalidade (Lei do Ruído, DL 9/07 de 17/01 artº 24º nº1), porque no primeiro andar decorriam exames nacionais. No curso de entrada de 1971 havia agora duas aves canoras, a oficial e a clandestina, esta personificada no Monhé, que aproveitava todas as ocasiões festivas para distribuir panfletos patrióticos e soltar o “zacatraz” que tinha encravado na garganta, uma espinha existencial. Mal sabiam que havia outro a germinar! E o fenómeno, não do Entroncamento, mas da Luz, revelou-se no jantar do 3 de março de 2018. Após a normalidade, Amarelo, um copo a partir-se e todos a gritarem “paga já”, mas sem o Zé Pereira a correr com o bloco de notas na mão, o Monhé a distribuir folhas A4 e a soltar o seu “zacatraz”, eis que o 591 resolveu arrasar de vez com os concorrentes, e mostrar ao batalhão de reformados e afins que o curso de entrada de 1971 tinha um novo e definitivo bardo, com uma musicalidade própria de um vegan após ingerir uma minhoca da salada, atirada do exterior para a travessa, actividade curricular nos anos setenta em que se permitiam janelas abertas durante a confeção das refeições, revelou-se um Salvador da Luz. Quando deixou sair o primeiro “zacatraz”, com irrepreensível aprumo e estrénuo labor, os olhos viperinos de um ouro cru já pareciam querer sair das órbitas, o som foi trazido por um vento e por uma tempestade inesperada, brilhante, veloz e aterradora, como se fosse, não do domínio do ar, mas do interior obscuro dos medicamentos para a próstata. No segundo "zacatraz" as veias pareciam querer sair da careca, sinal de que considerava o “cante zacatriano” uma arte, a “arte do ruído para além do razoável”. No terceiro “zacatraz” o curso de 1971 assustou-se, o 591 ultrapassara os limites psicomotores da idade, sinal preocupante de travadinha iminente. O “traz”, “traz”, o coro dos camaradas reformados e afins, trouxe um pouco de serenidade ao evento. Mas foi sol de pouca dura! Nova rajada, que desta vez obrigou a maioria dos camaradas a tirarem à pressa as próteses auditivas. O Peixinho cantou com um rigorismo politicamente correto e o final foi apoteótico, comovente, com o cantor desamparado e inclinado. E tudo isto porque uma escuna francesa de nome "Zacatraz" resolveu um dia fundear junto a Lisboa no início do século vinte e convidar uma resma de Meninos da Luz para uma visita! 



Sunday, February 04, 2018

A Zaragata







O Comandante Guélas
Série Paço de Arcos
Futebol P.A. 37



Esta é uma estória de dois domingos, o último de janeiro e o primeiro de fevereiro do Ano da Graça de Nosso Senhor Isaltino. O Futebol P.A. sempre foi uma atividade desportiva em que a originalidade o torna exclusivo. No primeiro domingo assistiu-se a uma auto expulsão, o Burren chegou a uma altura do jogo e teve consciência do seu défice grave na condução do esférico, que se agrava assustadoramente à medida que acumula aniversários, e auto puniu-se:
- Vai-te embora os velhos estão a dar-te um bailinho, e não é o da Madeira , - soprou-lhe ao ouvido um Burran Vermelho sentado no ombro direito do atleta.
- Ele tem razão, - confirmou o Burran Branco.
O Burran não é com toda a certeza um “portento do Entendimento”, como classifica o Choné o Carlos da Tapada, mas sim um “buraco negro”, que absorve a bola e só a larga após explodir, altura em que acusa os colegas de não usarem a cabeça para finalizar a jogada. Durante um ano deixou de comparecer no Futebol P.A., para gláudio de todos, indo fazer carreira no futebol universitário, de onde rapidamente foi expulso, ingressando nos jogos intelectuais de quinta feira, a “elite”, segundo classificação do Caramelo, onde se formaram expoentes máximos na arte de dominar as bolas, muito bem representados pelo Carcaça. No segundo domingo a estória foi outra, faltavam cinco minutos para o meio dia e só estavam presentes dois expoentes máximos da velha guarda, o contabilista Peidão, já antevendo prejuízo, e o dono do restaurante oficial do Futebol PA. Do Fininho nem vê-lo, deu assim a terceira falta consecutiva, o Chico Paulo ficou a ensaiar para o Carnaval de Ovar, e do Preto nem a própria família sabia. Apareceu o tio Kiki e o pai do Balotelli. Da família Marinheiro, que tantas alegrias deu à modalidade, nem sinal. Jogou-se por isso no campo pequeno! Foi a família Choné que tornou possível o encontro: Tarolinho, Paulão, Maninho Ensina e Goucha! Com desconto de ninhada o pai poupa no ginásio. Mas todos juntos num espaço tão pequeno é um risco. Os matulões envolveram-se em confronto psicológico, que foi aproveitado pelo mais pequeno, o melhor marcador do jogo, apesar de calçar umas chuteiras que se foram desfazendo ao longo do encontro, até que os sábios ameaçaram fazer queixa ao pai caso o quid pro quo evoluísse para uma modalidade ainda mais dura. Mas como o progenitor anda numa de filosofia, todos imaginaram que a intervenção não fosse além de um discurso do método:
- A verdade corresponde às convicções duma maioria, num determinado grupo e num tempo. Por exemplo, quando estou sozinho, tal como o Marinheiro pai, acredito que tenho uns filhos exemplares.
Como a equipa do Peidão cilindrou a do pai do Balotelli, a vitória foi de imediato entregue ao Fininho, o jogador que nunca perde!

Friday, January 26, 2018

O Holocausto do Carcaça








O Comandante Guélas

Série Paço de Arcos

Futebol P.A. 36


O dérbi da semana foi emotivo, com polémicas prontamente resolvidas por um senhor do futebol, o Chico Paulo, que tinha instalado nas suas chuteiras padeleiras um VAR, enfrentando as queixas de uns e de outros. Mas comecemos do princípio:
- Demoram muito tempo a escolher, - gritou o Carcaça para o assustado Peidão, que não conseguia vislumbrar nenhum jogador da sua geração, assustado por uma possível travadinha colectiva.
A pouco e pouco o Carcaça está a tornar-se um “mito em processo”, porque se especializou a sacudir bolas para longe. Este domingo atreveu-se a escolher como equipa um molho de atletas que tinha por perto, e sofreu um holocausto: 7 – 2! A propósito de Marinheiro, soube-se que o Clark Kent, que em campo espanta todos com ziguezagues que demonstram omissões graves na arte do futebol, tinha ido fazer queixa ao pai, campeão de karaté na classe tetraplégicos, de ter sofrido “Boling” devido aos excessos de “REMATA” com que tinha sido agredido pelo Peidão & Fininho. Ficou por isso em casa a rever o manifesto da Oprah Winfrey, emprestado pela Judite, tentando arranjar elementos para os acusar de “assédio futebolístico”! Na ausência do Fininho, que foi o vencedor absoluto deste encontro, porque os vitoriosos tradicionalmente oferecem-lhe a vitória, o Chico Paulo, futebolista padeleiro de bons princípios morais, honesto e profissional, foi logicamente o árbitro da partida. Existiram razões objectivas para o desaire do Carcaça, nomeadamente ele próprio e o Chico Marinheiro, e a escassez de real qualidade do plantel, onde não havia defesas, nem meio campo, mas sim um conjunto de brincas-na-areia. No Futebol P.A. a velhice é sinal de qualidade, como o vinho do Porto, é por isso que o ousado mister Peidão escolheu o Chico Paulo, o Ronaldo da vila, que sabe sempre desmaiar na altura certa, ocasião em que a bola tabela em qualquer parte do seu arredondado corpo, e vai sempre direta para o fundo da baliza. Espera-se que o Viagra e as chuteiras do Incha Padel não influenciem esta maneira harmoniosa de progredir com o esférico, e o tornem num atleta consciente. Antes do pontapé de saída, e com os jogadores ainda à procura do seu lugar no campo, o Peidão fez suas as palavras do Garibaldi:
- “Não ofereço nem recompensas (isenção de pagamento), nem casas (está a aumentar a sua com as quotas dos outros), nem comissões (são pagas ao Fininho). Ofereço fome, sede, marchas forçadas, batalhas e morte (o Paulão). E não hesitou em faltar à verdade para levantar o moral dos seus atletas:
- Marca Burren, tu és como o Clark Kent!
 E por último o homem do jogo, o Paulão, que jogou sempre em modo de toiro enraivecido mesmo a cilindrar o adversário, varreu todos aqueles que se atreveram a cruzar-se no seu caminho, amigos e inimigos, que o diga o Dédé, que foi visto a voar várias vezes. O pai Choné tem razão:
- “Quem manda no futuro é o presente e não o contrário!”

Monday, January 15, 2018

Remata!






O Comandante Guélas

Série Paço de Arcos

Futebol P.A. 35


“Remata” foi eleita a palavra bulling neste domingo solarengo em que um dos jogadores veio de pijama, o famoso médio campista Rafael Marques. Mais uma vez a vitória coube ao Fininho, um elemento essencial para manter a qualidade desportiva do Futebol P.A. e a sanidade mental, da qual o Espalha tem dúvidas, pensamento que afeta gravemente o visado, do Tigre de Bengala. O Clark Kent veio para o jogo traumatizado com os acontecimentos no Torneio da Sueca em Tondela, e não jogou futebol, mas sim dominó:
- A culpa é da polícia, que não classificou aquele jogo como um encontro de Risco Elevado, e agora arrisco-me a ir abrir o noticiário em Viseu.
E a equipa do Peidão teve de gramar com este artista, irmão do lendário Chico e filho de um mestre de Kung Fu com chuteiras que, em cada contra ataque, dava dois passos para trás e um para a frente, acabando invariavelmente por atrapalhar a sua própria defesa, e a ser o causador de dois dos três golos da equipa do Caramelo, porque de cada vez que se sentia encurralado dava um biqueiro para onde estava virado. E como a imparcialidade é uma característica destas atas, o Carcaça foi o autor, contra todas as perspectivas e a seriedade estatística do Fininho, de um golo consciente, após ter escorregado no capachinho do Choné, que tapa a marca da grande penalidade da baliza mais perto do hotel do dono do campo. O Dédé, um brinca na areia do tamanho do Marques Mendes, esteve em estilo carrossel, na grande área adversária, tendo influenciado negativamente a maioria dos colegas, o que levou o condutor, contabilista no final do jogo, da equipa, a lançar uma campanha de sensibilização ao golo, através de um feed-back pedagógico: Remata! Mas o inesperado aconteceu. A palavra não fazia parte do léxico do Clark Kent, ou Faisão caso esteja a jogar com carrapito, e este reagiu estilo Chico Marinheiro, gritando desesperado por silêncio, ato prontamente aproveitado, em termos táticos, pelo Fininho, que nunca mais lhe deu descanso. O Primo do Chico Paulo (Chico este que insiste em utilizar os ténis padeleiros neste jogo viril, dando sempre a sensação de jogar em pantufas, com pezinhos de lã) um jogador que demora meia hora a equipar-se, e que põe Vick Vaporub nas pernas, finalmente expressou-se neste jogo que é sempre intenso, e pediu tréguas para o Faisão:
- Deixem o galináceo em paz, senão perco o jogo!
E perderam! Justiça seja feita ao Maninho Ensina, um livre pensador híbrido, que joga sempre em anóxia na direcção oposta à da sua equipa, mas que desta vez mostrou a todos, a arte de bem dominar as bolas, tendo feito jogadas dignas de manual, e correspondido ao apelo do responsável máximo da sua equipa, hierarquicamente logo abaixo do Fininho, que jogava do outro lado da barricada:
- REMATA!

Tuesday, January 09, 2018

O Tigre de Bengala










O Comandante Guélas
 Série Paço de Arcos
Futebol P.A. 34

No dia sete de janeiro do Ano da Graça de dois mil e dezoito  ficarão para a eternidade dois nomes do Futebol PA: Carcaça e Tigre de Bengala! O primeiro porque marcou o primeiro golo de um novo ano, de ricochete quando corria em direcção à linha lateral, o segundo, o Milhas, um paradoxo desportivo de Paço de Arcos, que todos pensavam ter sido curado pelo Tarolinho quando o arremessou sem piedade de encontro a ele próprio, tirando-o do campo para gládio de todos os amigos. Rachou o rádio, mas rasgou o cérebro. Por ter continuado a jogar no Whatsapp contra o Fininho, um improvisador inesgotável, cheio de ruídos dos fantasmas do passado, e o Espalha, um experimentador compulsivo, cheio de memórias do antigamente, ganhou uma nova alcunha, a juntar a Soneca, Azias, Beduíno e Milhas: Tigre de Bengala! Previam-se mudanças na dinâmica de jogo, quando o psiquiatra lhe desse alta por cada golo que a sua equipa sofresse o Fininho gritaria não o clássico “obrigado Zé”, mas sim “obrigado tigre de bengala”, ou, “Milhas queres a bengala para jogar?”. A escolha das equipas coube a dois veteranos, o Caramelo e o Peidão, que sabiamente escolheram os atletas que pensavam estarem ainda aptos para darem uns chutos na bola. Por isso o golo em situação de distração do Carcaça tornou-os arrogantes, julgaram que já tinham no papo a primeira vitória do novo ano. O Chico Paulo pensou que a performance continuava nos sapatos do Padel, um jogo de reformados parecido com o Dominó e o Milho aos Pombos, mas o Fininho toureou-o durante toda a partida, e várias foram as vezes em que gritou “olé”, após dribles fabulosos. A equipa do Peidão estava imparável, motivada, coesa, por isso o capitão da equipa marcou um fabuloso golo de fato e gravata, e ao Paulão, o demolidor do Futebol P.A. E isto merece um replay! O canto foi marcado com mestria, o contabilista do Futebol P.A. pensou elevar-se na altura certa, e quando se preparava para cabecear, a bola deslizou pelo pescoço, e saiu disparada para as mãos do filho mais velho do Choné, que estavam rotas, e aceleraram o esférico para o fundo da baliza. É nestes encontros que se vê a aposta que o Choné faz nos filhos: o Maninho Ensina estava possuído, o ar da bomba não era o habitual dióxido de carbono, mas sim hidrogénio, porque o oxigénio está caro, o Paulão mostrou estar com caibras nas mãos, sinal de ausência de bananas à refeição, e respectivo défice de potássio; apostou tudo no Tarolinho, que fica aviado com um Hambúrguer Natura, e este correspondeu com um golo consciente.