Comandante Guélas
Série Colégio Militar
No dia doze de abril do Ano da Graça de
Nosso Senhor Jesus Cristo de dois mil e treze apresentou-se perante
o busto do fundador do Colégio Militar, Teixeira Rebelo, o grupo de 1971,
preparado para uma viagem por caminhos muito antes percorridos, conscientes de
que iriam regressar ao passado:
19 (Bina), 61 (Ginho), 62 (Bessa), 69 (Fernandinho),
95 (Coiote), 96 (Boneca), 128 (Nhó Nhó), 136 (Judi), 157 (Becas), 191 (Peidão),
200, 240 (Rita), 246 (Joana), 257 (Soquetes), 270 (Perry), 278 (Chinês), 281
(Tofa), 299 (Camélia), 307 (Escalope), 328 (Cão), 329 (Grincho), 338 (China),
360 (Cebola), 398 (Morena), 407 (Moutinho), 466 (Cavalo), 488 (Smile), 525, 574
(Geada), 591 (Peixinho), 592 (Belfo), 598 (Bourbon), 599 (Manéli), 601
(Gordini), 607 (Six), e 666 (Zacarias).
Deixaram como testemunho da sua passagem uma
original placa de mármore branca com os dizeres escritos em braile, para
facilitar a leitura aos soberbos barrigudos. Mas antes foram presenteados com o
grito de guerra colegial, executado por aquele que ostentara durante sete
longos anos o número mais vergonhoso do Colégio Militar, número este que brevemente
iria ser possível levá-lo à prática com a vinda das Meninas de Odivelas…mal
estivesse construído o edifício prometido que as iria albergar nas noites frias
de inverno, longe das cuecas da rapaziada:
- Zacatraz, Zacatraz, Zacatraz, - gritou o
69 com os pulmões ao rubro, apanhando todos desprevenidos, incluindo o primeiro
diretor, que estava pela metade.
- Traz, Traz, - respondeu o coro.
- Zacatraz, Zacatraz, Zacatraz, - insistiu o
trovador, com as amígdalas a arranhar as beiças, obrigando o Galo a agarrar no
chapéu.
- Traz, Traz, - respondeu a assistência,
acordando de vez o Bina e o Six, que já só pensavam no famoso Amarelo, uma
mistura dos ovos do Nunes, pai da mítica Rosa, com a carne do cavalo falecido
após a última aula de equitação.
- Ala, Ala.
- Viva (ou Arriba)
- Ala, Ala.
-Viva (ou Arriba)
- ALLEZ, ALLEZ, À VOTRE SANTÉ, - estoirou
o 69, mostrando ser um Viagradependente.
O 609 (Boneca), agora o vice do estabelecimento,
informou o trovador, ao mesmo tempo que limpava os perdigotos da farda, que no
Zimbório tinha sido declarado “Silêncio absoluto” desde manhã cedo, por causa
dos exames nacionais (GAVE) que estavam a decorrer nas salas do primeiro andar,
e por isso não seriam toleradas mais convulsões. A entrada no pátio, onde
tinham feito tantos quilómetros com a arma no ombro, fez despertar memórias, o
Gordini recuou a junho de 1976, altura em que foi contemplado com uma
“Repreensão”, seguida de “15 pontos negativos “, uma modernice da revolução de
Abril, por ter “permanecido num local incerto”. A ronda encontrara a sua cama
vazia, juntamente com as do Cavalo (466) e do Baguinha (467). Teriam ido
visitar as meninas do Bairro Alto que comiam tremoços ao mesmo tempo que os
aviavam, costume enraizado na altura dos exames oficiais? Não, esses eram
outros, estes tinham ido fazer uma visita de cortesia ao bar de oficiais nos
claustros, um local tão afamado como Monsanto naqueles anos. As prendas eram
mútuas, o coronel Galo presenteou os visitantes com uma imagem do dito de
Barcelos, que lhe valeu uma salva de palmas, uma vez que o “Zacatraz” continuava
interdito. E este curso foi tão especial, que do seu seio saiu o sucessor do
famoso engenheiro Grijó (Camarada Choco & Comandante Guélas: O Semita), professor de Físico-Químicas, grande adepto das
“bicicletas” (8 valores) e das “bengalas” (7 valores). No meio dos claustros,
vestido a rigor, o Peixinho (591) trouxe à memória uma fuga abortada, dele e do
Peidão (191). O Semita atrasara-se, como era costume, por causa de um jogo de
Xadrez na sala de professores, e ao segundo toque a turma evaporou-se, seguindo
a maioria o caminho lógico, excepto os dois artistas que, sabe-se lá porquê,
acabaram interceptados pelo docente, e levados compulsivamente para a aula,
onde foram confrontados com uma situação inesperada:
- Vou fazer chamadas orais, aleatoriamente, -
informou o antecessor do 19 (Bina).
E o regresso ao passado continuou, pois ao subir
em direção à capela onde o padre Valdemiro iria celebrar a missa para limpar o
cadastro de 35 anos de pecados, o Cão (328) lembrou-se do dia em que o Cascão
(436) atirou o seu dicionário de Inglês contra a marreca do Falcão, professor
de matemática, que acabara de contemplar toda a turma com notas negativas,
excepto o Becas (157), que levou para casa um “suficiente”. Como não podia
deixar de ser falou-se da Rosa (Camarada Choco & Comandante Guélas: A Rosa da Luz), tendo os visitantes sido informados que atualmente
a poderiam encontrar nos serviços administrativos do SEFE. O padre era um dos
convidados especiais, pois fora o responsável pela atribuição de uma das
alcunhas:
- Quem é que me sabe dizer o nome de um dos reis
magos? – Perguntara várias décadas antes numa aula de Religião e Moral.
- Zacarias, - respondeu a seco, e sem
autorização, o 666.
- Zacarias… rua, - gritou, apontando para a
porta.
Mas como esta data era de reencontro, o abraço
foi fraterno e as palavras do religioso foram premonitórias:
- Rapaz, antevejo para ti uma passagem brilhante
pela televisão!
Outro dos convidados foi o professor Mário Carmo,
que veio munido da caderneta com o registo do desempenho escolar dos seus
alunos, principalmente nas Cantigas de Escárnio e Maldizer, onde se podia ver a
olho nu a discrepância assinalável entre o que contavam aos filhos (“um empenho
escolar notável”), e a tinta vermelha que preenchia a maior parte dos
quadradinhos. Apesar de não abordarem o assunto, a maioria lembrava-se da
missão impossível a que um dia este docente se propusera levar avante,
controlar a distribuição do reforço da manhã. A turma saiu, como habitualmente,
da sala a correr, e mergulhou sobre o cesto repleto de carcaças com marmelada,
levando lá para dentro o professor de português. Foi destas molhadas que saíram
alguns dos melhores jogadores de rugby do país.
O ex-tenente Mota, agora presidente da câmara de
Pombal, deu de caras com o aluno que o obrigara a elaborar o maior número de
relatórios disciplinares, perdendo com isso tempo precioso para namorar dentro
do seu Toyota: o Peidão ! Veio-lhes à memória a noite em que o carro do capitão
Caetano foi fortemente castigado por um grupo de alunos, tendo ele de imediato
dado caça ao 191, uma vez que as probabilidades de ter participado na fatwa
eram muito grandes, e a estatística raramente se enganava, mas afinal o petiz
estava inocente, coisa rara. Seguiu-se nova reunião, desta vez na biblioteca,
que para o Peidão, mesmo com seis anos de Colégio Militar no lombo, foi uma
estreia. Mais discursos, do Diretor e do Fernandinho, seguido da oferta dos
visitantes, um soberbo prato do Sporting com cenas colegiais numa das bordas, e
da reforma no lado oposto. Seguiram para a fotografia da praxe nas escadarias
da enfermaria, já com o batalhão formado à espera dos ilustres visitantes,
ocupando todo o espaço da parada.
- Oito? – Assustou-se o Camélia, ao contar o
número de elementos do primeiro pelotão da primeira companhia.
A impossibilidade de calcar a bota do colega da frente
durante a marcha, caso levasse o passo trocado, era uma realidade, pois estavam
afastados uns dos outros vários metros, para assim poderem ocupar o espaço, que
antes obrigava a formaturas em cima da relva. Quando o Comandante de Batalhão
deu a ordem para o desfile, muitos regressaram ao passado, e tiveram atentos ao
bater sincronizado dos calcanhares no chão, que equivaleria no seu tempo a
vários treinos caso o som se assemelhasse a uma metralhadora. Mas de pelotões
de oito só se poderia esperar a perfeição! Quatro companhias, quatro
“Zacatrazes”, o último dos quais esteve em dúvida, porque o Tofa passou a
saudação in extremis ao Gordini, que se escondera na fila mais perto do
Amarelo, e não teve outro remédio senão imitar o 69, mas sem o efeito do Viagra.
Seguiu-se a romagem para o refeitório, não sem antes o 601 voltar ao passado,
na altura em que olhou para a quarta companhia. Em 1977, por causa de alguém
que tentara acabar com o “enguiço das latrinas”, defecar do cimo da parede
tentando acertar na retrete, e falhara, tinham sido contemplados com três dias
seguidos de duras firmezas, que se revelaram infrutíferas, pois o atirador
nunca se acusou: “Um por Todos, Todos por Um”! Mais “Zacatrazes” antes da
refeição, agora vindos da parte do pessoal discente, que tentaram em vão imitar
o 69, ficando a decibéis de distância. O Six pôde finalmente concretizar o
sonho de um ano, emborcar metade de uma travessa de Amarelo, pois só mandou
parar à décima quinta colher. Para ajudar na digestão plantou-se uma árvore
comemorativa do regresso, e houve uma “visita guiada” ao espaço, onde todos se
aperceberam que o campo de basquetebol tinha sido almofadado, em substituição
do alcatrão com gravilha, que não aconselhava a muitas quedas. Enfim, outros
tempos. A festa acabou no bar “ Spellig King”, onde o professor Pequito, que
nunca esteve calado, revelando ser também um adepto das pastilhas do
Fernandinho, acusou o Peidão de ser uma gralha.
- Continua a cheirar a cavalo, - disse o Morena
quando entrou.
4 comments:
Peidão parabéns !!!
Absolutamente genial ...
Diogo 69
Hilariante !!!
Fica para memória futura, quando passarem pela Luz: "antes deste Centro Comercial havia aqui um colégio de rapazes" !
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