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315 estórias

Sunday, February 22, 2009

Os sapatos do coronel Osório


Comandante Guélas

Série Paço de Arcos


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Iria haver festa na vila, o Focas estava com casamento marcado e a despedida prometia ser longa. Começaram por arremessar um dos seus sapatos para a varanda do coronel Osório, que já se encontrava mais para lá do que para cá, depois de ter dividido com a esposa um jantar no café do senhor Américo. O militar ainda ouviu o impacto da falua made in senhor Coutinho no estor, mas confundiu o barulho com um tiro disparado pelo John Waine no filme que estava a dar na televisão. O que iriam dizer os futuros sogros quando o Focas aparecesse lá em casa para ir buscar a noiva e se apresentasse com um pé calçado e outro com uma meia “CD” rota? O casamento do Focas não poderia ser posto em risco, porque o Pilas já estava a preparar a festa, idêntica à do casamento do Peidão, em que trotou o dia todo, gatilhou nos extintores e abanou a fruta para as tias quando estava de cuecas em cima da prancha mais alta da piscina antes de saltar e gritar, “o que vocês querem está murcho”.
- Temos de ir buscar o sapato do pobre Focas, senão ele ainda se constipa, - disse o Velhinho, recuperando o equilíbrio depois de se apoiar numa árvore.
O jovem adulto escolhido para ir tocar à porta do militar, estava virado para a loja de electrodomésticos do Ligóia com o sexo cansado de fora a debitar mijo, muito mijo.
- Não dou, - gritou peremptoriamente o coronel Osório, não aceitando a explicação que colocava o sapato do Focas na sua propriedade devido a um golpe de vento traiçoeiro.
A hora para ir buscar a noiva aproximava-se. Como o andar onde morava o Velhinho era o de cima, um segundo plano foi montado, e consistiu em pescar a barcaça. Mas na varanda utensílios ligados ao mar só havia uma poita.
- Eu sou capaz de pescar um tubarão com uma linha de cozer, - atirou o Velhinho, chegando-se ao parapeito da varanda com a cana na mão.
Olhou para baixo e viu três sapatos, apesar de todos só verem um. Quando o isco começou a descer para ir salvar o sapato do Focas comprado na sapataria do senhor Coutinho, o pescador teve uma fraqueza nas mãos, devido à cevada que lhe forrava o interior, e deixou cair com estrondo a âncora em cima do objecto do noivo. O coronel abanou e deitou-se no chão em posição de defesa. Nova reunião, novo porta-voz, mas agora um com um ar mais convincente e da zona: o Pierre Pomme-de-Terre!
- Não, - tornou a gritar o militar da velha guarda para o adolescente arraçado de leitão com anjo barroco, de carne tenrinha e sorriso virgem.
O Focas não teve outro remédio senão pedir emprestado o sapato de cor diferente ao seu futuro cunhado, o Proveta, que o esperava no rés-co-chão, e não saiu da porta de entrada, sem acender as luzes, alegando uma reunião extraordinária com o padre. Saiu a correr e a coxear, mas com os sogros a babarem-se de orgulho por tão devoto enteado. No entretanto o gang reunira-se de emergência e aprovara por unanimidade a proposta do marido mais responsável da zona, o senhor Peidão, que lançara uma fatwa para a meia-noite: encher a varanda do coronel Osório com todos os sapatos velhos de Paço de Arcos e arredores. E a lei foi cumprida, durante meia-hora choveu granizo na varanda do militar. No dia seguinte o Osório foi visto com um enorme saco de plástico atestadinho de sapatos, a caminho do contentor da praceta.

Sunday, February 01, 2009

Estremoz cidade serena



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Comandante Guélas

Série Paço de Arcos

Uma das passagens de final do ano do Gang foi passada a quilómetros de distância, no meio de chaparros, tios chaparros, classificação que não constava nos manuais escolares dos “meninos de boas famílias” da Costa do Estoril.
- Chaparros queques?! – Perguntou admirado o Charlot.
- Tão queques que só podemos entrar de fato e gravata, e a festa é no casino lá da terra, um misto de mesas de matrecos com sofás de veludo, - explicou-lhe o Proveta, ajeitando a gravata do pai que lhe chegava aos pés!
Um dos membros do Gang namorava com uma menina cuja família tinha morada na respectiva terra e achara por bem convidar todos aqueles adolescentes das famílias mais brazonadas de Paço de Arcos, para assim subir na hierarquia social da “chaparrolândia”. Iriam todos de comboio, já equipados para a festa. A meio da viagem e já um pouco chateados por não fazerem nada, o Gang resolveu passar à acção, dando início a um jogo radical que consistia em mudar de carruagem, mas pelo lado de fora. Quando o maquinista se apercebeu do jogo, já havia vinte adolescentes, de fato e gravata, do lado de fora, facto inédito nos anais da CP alentejana. A brincadeira só acabou quando todos cumpriram o percurso definido: partida na última carruagem e meta na primeira. As autoridades da composição bem tentaram mete-los para dentro, recorrendo a gestos e a buzinadelas, mas a prova só acabou quando o Velhinho terminou o circuito. Meia-hora de descanso para os “bravos de Paço de Arcos” e nova animação: slows unisexo. O Focas e o irmão do Marreco levantaram-se e, ao som de uma música romântica, abraçaram-se e dançaram com sensualidade para a carruagem que ia atestada de velhas chaparronas tipo morcegos. Para abrilhantar o número, o Pilas foi à casa de banho e encheu de água uma camisa-de-Vénus, que pôs a circular pelos passageiros. A pouco e pouco a carruagem foi-se esvaziando de autóctones, acabando por ficar exclusiva dos “meninos de boas famílias” da Costa do Estoril. Entretanto algo parecia ter acontecido, um fenómeno do Entroncamento: o Peidão crescera durante a viagem, as mangas do blaiser castanho que o Pedro Sá lhe tinha emprestado acabavam nos cotovelos.
- Era o que eu usava quando a catequese ainda me aceitava, - explicou o proprietário, escondendo o facto de ter sido expulso da instituição aos 10 anos por ter desviado dinheiro da caixa das esmolas para ir comprar um maço de GS Filtro.
A chegada a Estremoz foi inesquecível para os habitantes. A rua principal estava recheada de laranjeiras carregadas de frutos reluzentes. Segundo reza a lenda, quem começou a guerra foi o Pilas, que acertou em cheio com uma laranja na cabeça do Conan que ripostou, mas falhou o alvo, esborrachando o esférico no fatinho catita do Velhinho, que também não gostou e respondeu à letra,…..Bastou meia-hora para a estrada principal estar pintada de cor de laranja. Mas como tinham de chegar a horas ao jantar na casa da família da namorada chaparra de um dos paço-arcoenses, sacudiram os caroços dos fatos e apresentaram-se na morada indicada. Foram recebidos como heróis e deram de caras com um repasto digno de príncipes. O Conan foi o primeiro a beijar a dona da casa e pediu para lavar as mãos. Só que não disse toda a verdade. Tinha saído de casa com a tripa cheia e durante a viagem a trepidação do comboio inibira o conteúdo de sair. Mas a “Guerra das Laranjas” acalmara-o e agora saíra tudo de uma vez. A fila para o WC aumentou, mas o Conan recusava-se a sair, puxando compulsivamente o autoclismo. Quando se viu obrigado a abandonar as instalações sanitárias, pois caso o não fizesse os colegas de escola ameaçavam deitar a porta abaixo, trouxe atrás de si um cheiro nauseabundo que não ficava nada atrás do Litopol. Devido a este “grande percalço” o jantar acabou de imediato e o Gang resolveu ir fazer uma visita de cortesia à pensão onde estavam alojados os dois únicos paço-arcoenses com posses: o Bakaus, teoricamente o maior cobridor do país, um conquistador cruel que não escolhia e atacava as suas presas sem estados de alma, e o sempre abonado com libras, o Pierre Pomme-de-Terre. Só dois tocaram à porta enquanto que os restantes permaneceram acoitados numa esquina. Uma velha estilo bruxa abriu a porta:
- Boa-tarde minha senhora, viemos dar um beijinho aos nossos manos, que estão aqui hospedados, - disse o pilas com um sorriso rasgado.
- São meninos de Lisboa?
- Sim, - respondeu o Conan, afastando com as mãos os vestígios gasosos da “obra” que tinha produzido uns quarteirões acima.
- Entrem, a casa é vossa.
Entraram todos.
- Chiça, e eu a pensar que as famílias numerosas eram aquelas que não tinham televisão, – resmungou a mulher morcego.
A contabilidade da casa era rigorosa, havia um contador à saída de cada tomada, mas o Bakaus já tinha feito uma ligação directa. O aquecedor estava ao máximo e o aparelho de controlo a dormir. Em cima de uma das mesas estava o garrafão de colónia “Lavanda” do gordo caixa-de-óculos com nome afrancesado. Quando o Gang se despediu dos “manos” o perfume transbordava dos sapatos italianos do Pierre Pomme-de-Terre. A festa decorreu sem incidentes de maior e alguns dos adolescentes acabaram a dormitar nos bancos do jardim, nunca tendo conseguido adormecer, porque a polícia colara-se ao espaço público e intervinha de cada vez que se deitavam.

Monday, January 19, 2009

GNR versus Picadili


Comandante Guélas
Série Paço de Arcos
Aquela manhã de segunda-feira era de treino, o Circuito de Manutenção A do Estádio Nacional iria receber a visita de dois expoentes máximos do atletismo paço-arcoense. O Gang dos Meninos Ricos e Caucasianos de Paço de Arcos tinha de estar sempre em boa forma física, pois as “chinchadas” à fruta do senhor Manuel eram diárias, assim como o gamanço nocturno dos peixes dos vários lagos da Quinta do Leacoke. O meio de transporte utilizado pertencia ao Mac Macléu Ferreira, uma soberba Vespa 50, como jurava o livrete, mas com centímetros cúbicos clandestinos devido a estar “Kitada”. Um problema de última hora obrigou a uma mudança nos planos. Os atletas não levaram capacetes porque as instalações do Estádio Nacional encerravam sempre nesse dia da semana. Confiavam na Providência Divina que, com toda a certeza, iria proteger estes dois devotos praticantes das garras da autoridade. O seu currículo provava que eram portadores de um documento, passado pelo Arquivo de Identificação de Lisboa, após autorização da PJ, que atestava o “bom comportamento cívico e moral” destes “filhos de boas famílias”. E o São Pedro sabia disto!
- Não vai aparecer ninguém, eles acordam sempre tarde, - explicou o astuto motorista, limpando os óculos.
Quando o par de adolescentes ia calmamente a fazer o aquecimento em cima da mota, fumando alegremente dois GS Filtro, apareceu, não uma, mas duas BMW da GNR e um carro patrulha, com tudo o que era sirene a gritar. O estudante Mac Macléu Ferreira olhou para os agentes e informou-os de que iria imobilizar-se no carreiro que estava em baixo. A autorização foi concedida e o Peidão, como cidadão exemplar, fez pisca para a direita com o braço e só o desfez quando se apercebeu que o companheiro de treino não só não fazia questão de parar, como seguiu caminho pelo morro abaixo, fazendo zig-zagues por entre os pinheiros, que cada vez eram mais. Por momentos os agentes da autoridade não reagiram, ficando divertidos a apostar quando é que os jovens desportistas iriam marrar numa das árvores. Contra todas as probabilidades, as dioptrias do Mac não foram um empecilho, mas sim uma vantagem. Ele tinha aprendido a conduzir por instinto. Aperceberam-se que não iriam ganhar nada, a não ser uma repreensão do chefe ao final da tarde, e arrancaram em alta velocidade para a rua debaixo, onde ia desembocar o morro. Quando o adolescente desportista Mac Macléu Ferreira viu o comité de recepção, deu meia-volta e acelerou para o cume, mas desta vez com um cavalo extra, o Peidão, que passou a empurrar a Vespa, pois a menina ainda estava em rodagem e não convinha dar o berro naquele momento. De repente apareceu uma depressão e os três deitaram-se de imediato. Lá em baixo ouvia-se o barulho das autoridades desesperadas. Meia-hora depois o silêncio.
- Despistámos os chuis.
Levantaram-se e decidiram empurrar a máquina até ao alcatrão mais próximo, ou seja, na parte de cima das bancadas do campo principal. Quando se preparavam para deixar a terra batida eis que dão de caras com uma operação “stop” personalizada. Dois GNR saciem sorridentes detrás de uma árvore, empunhando pistolas. Novo treino, nova corrida. Mac Macléu Ferreira começa a correr e a empurrar a mota com a mão direita, ao mesmo tempo que levanta o braço esquerdo em sinal de “meia-obediência” à ordem de rendição dos agentes da autoridade, com o companheiro de equipa a fazer o mesmo, mas com os braços trocados.
- Não atire, não atire, - atiraram os paço-arcoenses, à medida que a rotação das pernas ia aumentando.
Mas a prova era desigual, a vantagem tendia para os representantes do Estado. Bastaram meia dúzia de metros para deitaram a mão aos adversários, que foram de imediato conduzidos para junto das BMW, que estavam escondidas junto a uns pilares do edifício central.
- Que azar senhor guarda, - interveio o Peidão, o que fumava menos. – Tivemos quase para descer o morro outra vez.
- Vocês são sempre os mesmos. Fogem pelo carreiro, escondem-se e depois julgam que despistaram a polícia, - explicou o agente, rindo-se. – Basta-nos vir para aqui esperar.
A autoridade demonstrava aqui que havia já um estudo estatístico das ocorrências no Estado Nacional, apesar de tudo se ter passado numa altura em que a 4ª classe bastava para se pertencer a um órgão de soberania. Dirão hoje os nossos pais que na altura deles é que o Ensino era a sério!
- Sem capacetes, sem documentos, uma fuga à autoridade, uma tentativa de fuga, isto vai ser uma pipa de massa, - prometeu um dos agentes abrindo o bloco e começando a escrever.
Quando entregou o papel, constava só uma multa, falta de capacete do condutor.
- É para não irem para o café de Paço de Arcos dizerem que enganaram os chuis.
Os atletas adolescentes agradeceram a compreensão e partiram estilo cordeiros a empurrar a Vespa-50 de Mac Macléu Ferreira, agora com a ajuda das duas mãos.
- Podem ir montados na mota. Era o que iriam fazer mal dobrassem a esquina.
O condutor deu ao “kiko” e a mota atirou para o ar os centímetros cúbicos clandestinos.
- Belo motor, - riu-se o polícia.
A equipa de atletismo da GNR tinha acabado de cilindrar o duo do café “Picadilly” (“Pica”)!



Monday, December 08, 2008

Amor de Perdição





       Camarada Choco 
                                            Aventura 64
A história repete-se, os Desaparafusados por vezes têm amores platónicos por Aparafusados, e não olham a meios para atingirem os fins, que nunca sabem quais são. Um Aparafusado apaixonado, estilo Vira Bicos, colhe um Mal-Me-Quer e começa de imediato a ladainha do “bem-me-quer” , “mal-me-quer”, sendo o veredicto guardado para a última pétala. Os Desaparafusados são diferentes, cada um usa a sua estratégia. Esta história envolveu o Pitrongas, o melhor aluno da Venteira, que percorrera todas as salas do rés-do-chão, desde a número um, a turma dos quiabos, onde aprendeu o “Milho Rei” de trás para a frente, para os lados e do avesso, transitando num ápice para a sala de nível dois, a Biblioteca do Nélinho, onde se especializou em “Ginas” e “Sabrinas”; na turma seguinte, a dos “embrulhos”, ensinaram-lhe a empacotar presuntos chineses, tendo terminado este ciclo na número quatro, com retoques em báus , pinceladas em anjinhos e modelagem de pacotes. Ganhou o Bacharelato em Cartonagem. Como continuava a mostrar excelentes capacidades avançou para a licenciatura, tendo iniciado os estudos na Sala das Roscas, onde mostrou especial apetência por parafusos, gostando muito de lhes colocar as anilhas grossas. Pediu transferência para as Artes, onde efectuou um curso intensivo de Teatro para Sonâmbulos, com o implacável Vira-Bicos, colega de escola do Batatoon. Mas a sua consagração foi quando se cruzou com o maior pincelador da Brandoa, o famoso ex-Cunhado do Choco, responsável pela cadeira “Arte de Pintar em toda a Tela”. Pelo caminho cruzou-se com o Stor Pobre, que lhe transmitiu uma sensação de dever cumprido, a quem os invejosos acusaram de lhe baralhar a alma. Foi num passo vagaroso e saboreado que se apresentou no espaço do mestre Pintor, que lhe deu como primeira grande responsabilidade pôr o Benfiquista Bacalhau a verter águas. Mas esta sempre foi uma missão ingrata, pois o colega nunca queria só esvaziar a Bexiga, e nunca se soube o que acontecia na altura em que os dois se trancavam na casa-de-banho. Quando se preparava para mudar para o ensino superior, no primeiro andar, começou a ter comportamentos dignos de um Desaparafusado do Tojal: todas as noites, após o “noddy”, fechava-se no quarto e fazia com os calos o que o Vira Bicos fazia com o Mal-Me-Quer. Com esta fixação nos pés, o Pitrongas arriscava-se a criar uma pausa na sua fulgurante carreira académica e, desse modo, apagar da memória uns pés com calos, o único ponto em comum com os Aparafusados. Na sua cabeça desfilavam enigmas, logros, mistérios, embustes, traques, equívocos, ecos, reflexos, paradoxos, que lhe riscavam ainda mais a alma e depenavam a existência. Todos os sábios, que abrangia quase toda a Cerci, tentavam desvendar o porquê deste amor de perdição do artista inacabado pelo Stor Pobre. Tinha atingido com brilhantina no cabelo o estatuto de boneco de ventríloquo e atirava agora todo o fenomenal trabalho académico pela pia abaixo, porque resolvera enveredar por um amor não correspondido, que lhe estava a dar cabo dos cascos. O que é que ele veria naquele Stor Pobre, careca, com falta de dentes, folgas nas juntas, que urinava sentado, e outras mazelas da terceira idade?

Wednesday, November 12, 2008

O Submarino II



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Comandante Guélas
Série Paço de Arcos 
O Motim

A próxima regata, a do “Pirilampo Mágico”, era de noite e o comandante do “Carapau Cocciolo” inscrevera-se, determinado a levar mais uma taça para o convés, junto às grades de cerveja. E foi durante uma reunião de fim-de-semana, em que se delineava a estratégia de “velejar por toda a costa” (patrão Lopes), que o cartógrafo Mac Macléu Ferreira tomou conta da ocorrência.
- De noite, com o 75% à proa? – Perguntou indignado o ex-loirinho e agora quase calvo, caixa-de-dioptrias.
- É mais uma vantagem para a nossa vitória, - explicou o comandante. – A organização exige que cada concorrente leve um objecto florescente e nós temos a sorte de um de nós brilhar. Vamos pontuar por “originalidade”.
- Mas isso já interfere com os meus negócios, - gritou o cartógrafo tendo um ataque de tosse, que não se sabia se era do tabaco ou do coração.
- Com os teus negócios? – Perguntou o marujo Cabeçudo, agora um especialista em “Política Internacional”, desviando o olhar do livro “Como fazer bifes de cavalo saberem a tornedó”, da autoria do Professor Tino, e fixando-se nas incalculáveis dioptrias do careca loirinho.
- Com o 75% amarrado à proa e a brilhar como um lampião, as lulas irão tomar de assalto o “Carapau Cocciolo” e amanhã não terei moluscos cefalópodes para empacotar, - gritou o empresário de moças recheadas dando uma palmada no 75%, que já roncava e acordou estremunhado:
- A minha dentadura, a minha dentadura???
Segredos e tabus era o que não faltava na vida desta tripulação com o maior currículo da vila e arredores. Numa entrevista recente à “Voz de Paço de Arcos”, Mac Macléu Ferreira declarou que nunca revelaria o segredo do recheio das suas lulas e o mestre da embarcação confidenciara que fora preciso investir muito tempo e algumas cervejas para dar prontidão à tripulação, porque fazer parte do submarino era uma profissão a tempo inteiro.
- O meu trabalho como capitão da embarcação não é reunir os “magníficos”, mas sim ver-me livre deles no final do dia, quando as cervejas acabam, - explicou ao senhor Coutinho, o dono da revista. – Já tive um dia de chamar de urgência um chinês para vir buscar o mano, que pretendia sair pelo lado do mar. Se a polícia marítima visse seria acusado de estar a desembarcar clandestinos.
Na marina é impossível passar pelo “Carapau Cocciolo” sem saber o que é o “Todos os Chatos”. Os membros do submarino foram talhados ao ponto de irem ao fundo da natureza humana buscar os melhores flatos, especialmente no que eles representam de vaidade para quem os solta, mostrando a elegância, a acuidade e a profundidade destes skills náuticos. Os marujos do “Todos os Chatos” são mestres na retórica e oratória náutica, aparecendo muitas vezes sonolentos , só saindo do torpor quando cortam a meta no terceiro lugar. Nestas alturas aplaudem a mãos cheias o momento em que o maçadíssimo Vaca Prenhe ergue a taça do último. Mas houve um dia, tirando o caso da lulas, que a tripulação do “Carapau Cocciolo” esteve perto do motim: em vez de várias grades de cervejas o carteiro entregou, à vista de toda a marina, um pacote de fraldas “Lindor Anatómico”. O 75%, que tem uma concepção épica do mar, acusou os colegas de “achincalhamento marítimo” e a sua fúria chegou a ser arrebatadora e comovente, tendo fundido várias lâmpadas da Marina e atraído todos as tainhas da zona. O submarino virou traineira e tudo voltou ao normal quando o Mac Macléu Ferreira, um careca loirinho fascinante e com uma história ainda mais fascinante para contar, foi a correr hastear o pavilhão. A única excepção foi o marujo Cabeçudo que tinha acabado de perder o seu novo livro, “Como transformar carne de cão em carne de veado” (Zé da Quinta). Nesse momento acabara de atracar o rival “Todos os Chatos”, onde o sentimento predominante era o tédio. A primeira imagem do submarino traineira era a de um veleiro em actividade intensa, cuja acção da tripulação antes de cada regata era levar o 75% em mãos, seis, para a proa, previamente forrada a papel de jornal. Nestas ocasiões a imagem de um veleiro de competição dava então lugar à de uma unidade de cuidados intensivos.

Sunday, November 09, 2008

Kaos


Camarada Choco
Aventura 63 

- Aproximem-se, tenho umas prendas para vocês, - chamou a Doutora Sem Canudo, acenando com uns papéis nas mãos.
- Cheques, vai dar-nos dinheiro extra? – Perguntou o Nélinho atirando com os livros ao ar e saindo a correr da sala com os braços no ar.
- Não me digam que o saco azul está a transbordar? – Questionou outra.
- Melhor, muito melhor, - prometeu a proprietária de tudo.
A expectativa era enorme, a multidão de chinesas foi-se acumulando em redor da generala, senhora absoluta do local onde se prometia aparafusar Desaparafusados, mas que até aqui só tinham conseguido desaparafusar Aparafusados, e tudo graças ao legado desta eleita da Brandoa. Na fila de trás estavam as escravas, atraídas pela promessa de um emprego, mas reduzidas ao eterno cargo de “voluntárias”. O Cabo Pilas alinhava-se junto à chefe, já antevendo o momento da substituição.
- Tia, - chamou a ele a Madrinha.
- Tia?! – Reclamou a Proprietária.
- Desculpe, eu queria dizer Doutora Sem…Com…Sem…Com, - e encravou.
- Desembuche que eu tenho de distribuir os convites.
O Pilas estendeu-lhe as folhas escritas pelos Desaparafusados que tinham ido visitar o centro militar vizinho da escola e afastou-se a tossir. O Pitrongas que ia a passar fez-lhe logo o diagnóstico do costume: “pintelhinho na garganta”!
- Já aqui estão todas, podemos começar. Como devem saber, eu gosto de premiar quem trabalha…
- …vai dar-nos mais trabalho, - atirou a pirosa, compondo o mostruário de broches que os Desaparafusados da sua sala sabiam fazer.
- Ou então os contemplados são os do costume, o Porres e a Piulia, mesmo estando de baixa até Dezembro.
- Tenho aqui três convites para uma exposição de Cooperativas na FIL, a “Co-Operative”!
A debandada foi geral e só três ficaram encurraladas: a Pirosa, a Menina Tatrícia e a Outra. A Doutora Sem Canudo agarrou-as e nomeou-as embaixadoras.
- “Co-Operative”? – Perguntou a Menina Tatrícia, levantando o braço e um sobrolho.
- Eu traduzo para português, afinal de contas sou uma Doutora e tive Inglês Técnico. “Co-Operative” quer dizer “Cooperativa” e “Cooperativas” só há umas: as de Desaparafusados. Esta exposição é sobre reeducação e eu quero que a minha quinta esteja na vanguarda da educação e não seja como muitas que ainda usam paus de gelados para fazer talas. Bem, tenho de me ir embora, espera-me mais um voluntário.
E a confirmação de que a Doutora Sem Canudo era uma enciclopédia viva da Farinha “Pensal”, aconteceu quando as embaixadoras deram de caras com o stand da Malásia: “Mongkos”!
- Mongkos?!
- Sim Pirosa, quer dizer Mongas em Malaio.
- Não, não é isso, já viram o poster.
Era estranha a educação de Desaparafusados na Ásia. Numa varanda bem iluminada, várias estudantes com necessidades educativas especiais exibiam umas coloridas mini-saias, acompanhadas de uns decotes que fariam corar de vergonha o senhor Pintor, ultimamente conhecido por Mamma Mia por andar vestido à padeiro.
No dia seguinte a Madrinha apareceu cedo na sala de Artes Plásticas e presenteou o Cunhado do Choco com um novo voluntário.
- Um utente novo?
- Um voluntário que traz acopulado qualquer coisa ligada aos “desenhos animados”.
- “Desenhos animados”? – Questionou o Mama Mia, levantando o sobrolho de especialista.
- O currículo era uma folha A4 em branco e eu lá consegui dar-lhe uma habilitação mínima para vir para aqui. Tem a categoria de “Faz-de-Tudo infinitamente”. Chama-se Pateta e vem para aqui ajudar os colegas…não…os utentes.
E enquanto tentava justificar mais um escravo, um vulto apareceu por detrás e chamou:
- Tia!
A Madrinha voltou-se esganada e deu de caras com o Cabo Pilas.
- Acompanhe-me imediatamente ao meu gabinete.
Entretanto o Choco despira-se totalmente num abrir e fechar de olhos apanhando de surpresa o chefe bibliotecário, o senhor Nélinho. Numa sala próxima o Stor Pobre lia o processo duma Desaparafusada que se dizia filha do Stor Rico. Tinha vindo de São Tomé, como cautela ganhadora de uma enfermeira sua tutora, que a única coisa que sabia de hospitais era limpar o chão e despejar cinzeiros. A Preta Fininha tinha tido um ataque epiléptico, na altura em que a mãe sofrera um ataque de malária e morrera. De imediato os familiares acusaram a pequena de bruxaria e expulsaram-na da aldeia à cocada. Como era sempre a descer, nunca mais parou acabando por chocar, algumas horas depois, com a dita Enfermeira Sem Canudo, que a levou para o hospital e tratou de arranjar a papelada para vir fazer reabilitação à cautela premiada que lhe tinha caído ao colo, na Europa. Chegavam mais depressa aqueles com um monga ao colo, do que os outros que resolviam vir de barco. A Preta Fininha aterrou na Portela só com nome próprio, pois perdera os apelidos durante a fuga, tendo a seu lado a extremosa tutora, agora senhora de uma habitação social e de um subsídio maior que o ordenado do presidente do seu país natal. No andar de cima o Pilas tentava justificar as cartas de agradecimento que os seus Destravados tinham escrito ao comandante do quartel militar vizinho após a visita.
- Ó Cabo Pilas, garante-me que foi a Ludrinhas que escreveu esta carta:
“Venho por este meio agradecer ao senhor coronel o convite que me fez para visitar as suas instalações, de que gostei muito, ficando prometido desde já que serei voluntária na próxima incorporação para a arma de artilharia, pois acho que o meu meteorismo intestinal será muito útil ao país”.
- É tão certo como eu medir um metro e noventa. A Tia…perdão…Madrinha há-de reconhecer que o meu trabalho é exemplar e deveria recompensar-me com o cargo de Coordenador. A outra dorme o dia inteiro.
- E esta é a carta do Choco:
“Meu caro colega coronel, gostei muito de visitar as suas instalações, fizeram-me recordar a minha juventude nos Comandos da Brandoa, em que distribuía diariamente vários morteiros à minha mana e mamã. Espero em breve tornar aí e envergar de novo umas fraldas e uns babetes dessa tropa especial onde o meu padrinho Cabo Pilas andou”.
- Eu não brinco em serviço, ando muito mas não brinco. Penso que deveria ser recompensado.
- E esta é de quem?
“ Colonel, gostlei muintlo de visitale os escotleilos e não me vlou malis esquecele do caminho”
- Essa é minha


Sunday, November 02, 2008

O Peru de Natal



Comandante Guélas 
Série Paço de Arcos

Quando o Vaca Prenhe foi conhecer a futura sogra, a senhora nem queria acreditar no que via. Educara a filha nos melhores colégios do país, onde se fumava atrás do túmulo de D. Dinis, com princípios morais dignos da nobreza e agora aparecia-lhe em casa um estudante cromagnon, tipo Caniche gigante, que estava retido há vários anos no 7º Ano do Liceu, tendo conseguido passar unicamente à disciplina de “Introdução à Política”, retenção esta que, segundo a sua verdade, se devia a uma traiçoeira pneumonia dupla. Só podia ser um pesadelo! Beliscou-se mas os cabelos pelos ombros estilo carapinha, do pai do seu futuro neto, continuavam a fazer-lhe cócegas nos olhos. Olhou para baixo e reparou que o “coisinho” vinha equipado com uns soberbos chinelos ortopédicos com unhas estilo garras. A filha trocara o Pitrongas, um Flamingo majestoso, por este Pteurossauro da Terrugem. O tempo passou, a revolução deu-lhe um empurrão académico milagroso e o cromagnon acabou por definir o seu grande objectivo de vida, que era ter direito a “Dr.” nos cheques. Mas às vezes tinha recaídas existenciais! E uma delas foi no período do Natal. Para subir um pouco na escala de preferências da sogra ofereceu-se para ir buscar o peru, no carro dos pais, a Caxias. E levou o cunhado Peidão, um jovem atinado e já com muitas preocupações ambientais, que seria o seu moço de recados pois o Vaca Prenhe já se considerava doutor e ficava mal a um jovem adulto com tantas habilitações académicas, ir buscar uma ave à cozinha duma messe, recheada de praças e cabos. O cromagnon ficou sentadinho ao volante a ver a chuva a cair com violência e a fumar um cigarrinho. Recolhido o bicho, que vinha desmontado, o motor do carocha preto tornou a roncar. Ainda tinham percorrido poucos metros quando o carro parou repentinamente. O Vaca Prenhe olhava fixamente para o horizonte. Junto a uma paragem de autocarros rodeada de água por todos os lados, estava um jovem cristão de fato azul cueca, pronto para ir passar a consoada com a família. O Peidão olhou para o cunhado e viu-o a deitar fumo das orelhas, ao mesmo tempo que acelerava o carro, que estava em ponto-morto. No ombro esquerdo do motorista estava um morcego com uma capa vermelha e no outro um anjinho estilo OMO.
- Ele está a gozar contigo! – Segredou-lhe o morcego. – Prego a fundo rapaz, como antigamente.
- Tu agora já és pai e marido, tens algumas responsabilidades, - avisou o anjinho.
- É só mais uma vez, dá-lhe uma banhada, – gritou o da esquerda.
- Pensa no desgosto que vais dar à tua querida sogra.
- Acelera antes que chegue a carreira. É a despedida de solteiro que a tua mulher não te deixou fazer.
O carocha já roncava!
- Se não avançares já, nunca mais te ajudo nos exames nacionais como te fiz em português, quando levaste o livro certo e copiaste aquilo tudo. E sabes o que isso significa? – Ameaçou o morcego com a capa vermelha bufando-lhe aos ouvidos.
O carro saiu a guinchar, o Vaca Prenhe levava o Peidão colado ao banco, com o peru a querer sair da caixa. A enorme poça levantou-se toda de uma vez e o jovem cristão de fato azul-cueca desapareceu no meio do Tsunami natalício.


Tuesday, October 21, 2008

O Submarino I

Comandante Guélas
Série Paço de Arcos 

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Estamos no ano dois mil e oito d.C. e os membros do Gang de Meninos Ricos e Caucasianos de Paço de Arcos, que puseram o PREC à beira de um ataque de nervos, trocaram os “peidociclos” por iates à vela e não há regata no Tejo que não conte com estas tripulações de luxo. Mas antes disto os “cotas” tiveram de ir tirar a carta de “Patrão de Costa”, porque hoje tudo é muito diferente dos saudosos anos da revolução, em que bastava ter um palmo de altura para se saltar para os comandos de tudo o que mexesse, desde a Sesaltina, passando pela “Zundapp” do João da Quinta e parando no “cabinado” do Pierre-Pomme-de-Terre ou no potente quatro cavalos do Horta. E como a maioria dos Paço-arcoenses tinha optado pelas “Letras” no 6º ano do Curso Geral dos Liceus, o exame final foi um fiasco para alguns. O Vaca Prenhe apanhou com cálculos logarítmicos e enfiou com o barco virtual na Trafaria, em vez de Belém como pretendiam os examinadores. Esta é a história duma dessas tripulações, a do “Carapau Cocciolo”, um soberbo iate de cor cinzenta, mais conhecido como o “Submarino”, igual à cor das saudosas cuecas que o Bajoulo levava para Cascais nos tempos do PREC (Período Revolucionário Em Curso). A tripulação é constituída por quatro indomáveis gerontes Paço-arcoenses:
1 Velho Artista do Mar com 75% de desconto durante 10 anos, segundo documento oficial;
1 Velho Empresário das Lulas, com várias dioptrias e vestígios de ter sido no passado um loirinho irresistível;
1 Velho Cabeçudo que anda agora na Universidade para a Terceira Idade, porque não quer ir para a cova sem antes ter “Dr.” nos cheques;
1 Velho Homem do Leme e proprietário da embarcação, que faz a vez do “Balão” quando vai para a proa.
O Velho Peidão, o mais ajuizado de todos os tempos, já andava com a pulga atrás da orelha, porque de cada vez que se deslocava em passeio até à Marina de Oeiras, para cumprir o Circuito do Reumático, apercebia-se da ausência do “Carapau Cocciolo”. Soube toda a verdade quando deu de caras, na secção das frutas do shopping, com o tripulante dos 75% de desconto, que lhe contou a estrondosa vitória que tinham arrecadado na mítica regata “Patrão Lopes”, com partida na foz do Jamor e chegada na foz do esgoto da Praia Velha, e tudo isto graças a ele. A partir desse dia o Velho Homem do Leme pôs a tripulação em estágio, e obrigou-os a treinar diariamente. Daí o espaço vazio diário na marina! Sentaram-se calmamente no banco junto à frutaria e o 75% contou a aventura, com relato exclusivo no “Bord’água”.
- O marujo com desconto vai para um lugar de destaque, - ordenou o capitão do “Carapau Cocciolo”.
De imediato o Cabeçudo, de nome próprio Pontas, agarrou no ancião e amarrou-o à proa, não fosse ele cair devido a um golpe de vento traiçoeiro e atirar pela borda fora a vantagem de levarem um velho ao quadrado com 75% de desconto, que lhes permitia partirem vinte minutos antes. Mas para isso tiveram de colocar na popa um autocolante azul com o desenho de uma cadeira-de-rodas.
- Dá-lhe uma seca de história que ele adormece e não se mexerá muito, - avisou o experiente lobo do mar de nome Mac Macléu Ferreira, um homem com um contacto diário com lulas e especialista em mapas, onde a evolução da prova era seguida, sinalizada e decidida. Nestas alturas este cartógrafo deixava sempre as lunetas em casa e guiava-se pelo instinto, sinal do uso de tecnologias sedutoras.
- Das mesas às camas, das loiças às roupas, tudo foi passado a pente fino pelo exigente comandante do “Carapau Cocciolo”, também conhecido por “submarino”, com um rigor e uma autenticidade que fazia com que estes heróis paço-arcoenses regressarem ao tempo pós-25 de Abril, vivido sobre o abismo, - contou o 75% ao atento e responsável Velho Peidão, ao mesmo tempo que deglutia um gostoso “Bollicao”, acompanhado por “Pistachios” chineses.
Cada embarcação era obrigada a ostentar um pavilhão com a figura imponente da ex-miss praia Quitéria Barbuda, a ninfa do Jamor, e até nisto o “submarino” estava a milhas de distância, pois o seu proprietário, um homem sempre ligado a causas sociais, deixara o 75% hastear o desenho que fizera quando estava à espera que a Junta Médica lhe fizesse a inspecção. Na linha de partida alinharam-se os melhores veleiros da Costa do Estoril, com destaque para os dois representantes paço-arcoenses, o “Carapau Cocciolo” e o “Todos-os-Chatos”, este com lugar cativo no terceiro lugar em todas as provas com 3 concorrentes. Um minuto antes do flato do Pacheco, igual àquele que dera vinte anos antes em Espanha no meio de um grupo de meninas que tinha cercado o capitão do “Carapau Cocciolo”, tiro este que daria início à regata do “Patrão Lopes”, o “Submarino” foi autorizado a avançar 75 metros em virtude de ter um tripulante com o mesmo valor de desconto, seguindo o mesmo princípio da “MultiOpticas”. A tripulação sabe que nunca poderá usar o radar, pois os seus efeitos no colega 75% são equivalentes à “Kryptonita Verde” sobre o Super-Homem, e a última coisa que este quarteto deseja é ser capa do “24 Horas” a dizer “Racismo a bordo do Submarino”. E para terminar uma reflexão sobre o “Sub-Gang do Carapau Cocciolo”. Há uma vertigem libidinosa tão intensa nesta tripulação, centrada numa das questões mais em aberto na história desportiva paço-arcoense, a vitória. A tripulação do “Carapau Cocciolo”, também conhecido como “Submarino”, representa a humildade cívica, moral e intelectual da vila de Paço de Arcos, e o gang será sempre recordado como uma espécie de vanguarda estética cujos membros nunca couberam em categorias. Eles são, não os últimos moicanos, mas sim os últimos membros do Império Espiritual Português.

Tuesday, October 07, 2008

Operação “Solaris”





O Comandante Guélas

Série Paço de Arcos

A História fala muito da guerra química que dizimou as trincheiras da Flandres, mas nunca mencionou o cogumelo de fumo que ficou para sempre gravado nas memórias dos adolescentes de Paço de Arcos no longínquo Verão Quente de 1975. Foi neste dia que Paço de Arcos ficou para sempre ligada a Andrei Tarkovsky.
  
Vivia-se uma espécie de epidemia mental sob a forma de pensamento único universal, a época era a do PREC, os camaradas Durão Barroso, Nuno Crato e pandilha eram donos e senhores das ruas, e tentavam substituir-se ao ministério na reeducação do povo. Mas havia concorrência! No Cine-Teatro de Paço de Arcos os pupilos do Barreirinhas oferecerem um dia às massas o filme russo rival do americano "2001 Odisseia no Espaço", que tinha um título que mais parecia a marca de um bronzeador:  “Solaris “. A juventude paçoarcoense compareceu em massa ao evento cultural, devidamente apetrechada com um argumento que não iria deixar chegar ao fim o filme feito por uma sociedade cujos promotores diziam ser "o paraíso na Terra". Ainda não tinham decorrido cinco minutos de projeção e já o Graise e o Peidão despejavam sobre o pó, de nome "Litopone", comprado no Zé da Antónia, uma garrafa de Ácido Muriático. Formou-se de imediato uma nuvem esbranquiçada que saiu direitinha, e em formato de cogumelo, para os lados do balcão. O Chico Sá, que tinha acabado de entrar, fugiu em debandada, assim como o Focas, que já estava a dormir, e que passou por cima do único preto que havia em Paço de Arcos, e que acabara de adormecer encostado ao ombro do Conan Vargas. Cinco minutos depois foi o Marreco, o responsável pela projeção, e atrás dele todo o cine-teatro, incluindo os camaradas. Os responsáveis pelo evento cultural depressa acusaram a “reação” de ser a responsável por tão vil atentado, que punha em causa a balda, perdão, a liberdade! O Todo-Boneco nem teve tempo para gritar a sua famosa frase, “espera aí que já cospes”, porque não houve  cenas com beijocas, cujas revolucionárias tinham bigode, com língua e tudo, uma oferta da revolução . O Milhas, a partir desta noite, ficou para a História como o espetador que permaneceu sentado, impávido e sereno, à espera  do recomeço da projeção. O Álhi, o bombeiro de serviço, ainda tentou apagar o fumo com a sua mangueira pessoal, mas fugiu a tempo, o cheiro intenso a merda superava o odor da sua nova companheira, e a isso ele não estava habituado. Na rua acusava-se o MIRN, e tentavam descobrir os autores de tão vil ataque químico. Foram chamadas as autoridades, representadas pelo Cabeça-de-Giz e o Chefe Bigodes, inimigo juramentado do Mac Macléu Ferreira, que iniciou de imediato a investigação, dirigindo-se ao local onde os organizadores do evento juraram terem-se refugiado os "meninos do MIRN", o restaurante “O Tino”, situado num daqueles sítios onde iam aqueles que não podiam ir a outro sítio, e onde o frio de fora juntava-se ao frio de dentro, numa casa de pasto que tinha como missão destronar o seu vizinho galego, dono do restaurante "Os Arcos". Quando entraram no estabelecimento comercial deram início ao inquérito, dirigindo-se ao primeiro suspeito, o senhor Carlos Ponta, que estava a fingir que jogava, numa máquina de “flipers” desligada. O interrogatório foi acutilante, outra coisa não se poderia esperar da tão famosa dupla:
- O senhor estava no cinema? – Perguntaram, com um olhar penetrante, do alto dos seus galões.
- Sim, senhor guarda.
- E o que foi lá fazer?
- Ver o filme, - respondeu o adolescente tirando um tremoço dum prato de alumínio amolgado, onde abundavam pequenos pêlos encaracolados.
Fim do Inquérito!
A projeção recomeçou uma hora depois, no meio de um enorme cheiro a esgoto, em que os únicos espetadores foram obrigados a assistir por ordem do Comité Central. Ao lado deles estava o Milhas que, como se disse atrás, fora o único otário a contribuir para o partido.

Monday, September 29, 2008

Introdução na Terra do Comandante Guélas




Na Terra do Comandante Guélas

Introdução



“Os velhos gostam de dar bons conselhos para esconder que já não estão em estado de dar maus exemplos”

La Rochefoucault



Onde é que estavam os adolescentes no 25 de Abril?
Tudo começou em 1975, quando os cartazes da “Maioria Silenciosa” foram queimados à pressa junto ao depósito de água no Alto da Loba. O João da Quinta ainda foi a tempo de acender um cigarro mata-ratos da marca “Definitivos”, cujo fumo lhe despertou o único neurónio, alertando-o para a grande oportunidade que tinha aqui para arranjar um emprego compatível com o seu estatuto de filho do caseiro do Leackoque. Depressa acreditou que era um sinal da sua defunta avó Sesaltina! Alguns dias depois, na Comissão de Moradores, realizada no Pavilhão Desportivo de Paço de Arcos, no Pimenta, alguém interpelou a mesa para que proibissem os moradores do Alto de Paço de Arcos de votarem nas propostas, por morarem em chalés. Do meio da multidão levantou-se o grande Ratinho Blanco e lançou a questão da sua vida, que marcaria para sempre os destinos da vila:
- Então eu, que vivo na Pedreira, também vou ser impedido de votar, pois a minha barraca também tem as características de um chalé?
Foi o segundo sinal!
O contra-ataque veio sob a forma de uma manifestação que se iria realizar no dia seguinte, com partida na estação de Paço de Arcos, e rumo ao Alto, onde vivia a burguesia.
A guerra tinha começado, preparava-se uma recepção apoteótica aos invasores. No dia seguinte, e segundo informações dos espiões do Alto, só apareceu um manifestante no local de encontro que, com vergonha e medo, apanhou o comboio para Oeiras e foi pregar para outra freguesia.
Nesse dia o glorioso Comandante Guélas declarou a independência e fundou a República Independente do Alto de Paço de Arcos, com anexação imediata da Terrugem, a pedido da sua padeira e ideóloga mais famosa, a Doutora Quitéria Barbuda. A bandeira foi hasteada e o Comandante ordenou a mobilização geral. Assim nasceu o Gang dos Meninos Ricos e Caucasianos de Paço de Arcos (G.M.R.C.P.A.), cuja missão era formar o indivíduo, a família, a sociedade e o Estado de Paço de Arcos, e posteriormente o “Guélanismo”, a unidade entre os territórios de Oeiras, partindo depois para a conquista do Mundo. Foi o relançar dos Descobrimentos, tendo agora como ponto de partida a Praia Velha. Cada indivíduo iria palmilhar a terra, individual ou colectivamente, tendo como missão transmitir os valores, através de palavras ou actos, da sua nova pátria. Foi declarada a verdade oficial, que dizia que era um facto científico que Deus criara o “Paçoarquiano” quando bufara o “sopro da vida”, tendo Quitéria Barbuda sido criada da costela do Comandante Guélas, enquanto que os seus inimigos descendiam dos macacos, mas a sua evolução fora negativa.