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315 estórias

Sunday, November 09, 2008

Kaos


Camarada Choco
Aventura 63 

- Aproximem-se, tenho umas prendas para vocês, - chamou a Doutora Sem Canudo, acenando com uns papéis nas mãos.
- Cheques, vai dar-nos dinheiro extra? – Perguntou o Nélinho atirando com os livros ao ar e saindo a correr da sala com os braços no ar.
- Não me digam que o saco azul está a transbordar? – Questionou outra.
- Melhor, muito melhor, - prometeu a proprietária de tudo.
A expectativa era enorme, a multidão de chinesas foi-se acumulando em redor da generala, senhora absoluta do local onde se prometia aparafusar Desaparafusados, mas que até aqui só tinham conseguido desaparafusar Aparafusados, e tudo graças ao legado desta eleita da Brandoa. Na fila de trás estavam as escravas, atraídas pela promessa de um emprego, mas reduzidas ao eterno cargo de “voluntárias”. O Cabo Pilas alinhava-se junto à chefe, já antevendo o momento da substituição.
- Tia, - chamou a ele a Madrinha.
- Tia?! – Reclamou a Proprietária.
- Desculpe, eu queria dizer Doutora Sem…Com…Sem…Com, - e encravou.
- Desembuche que eu tenho de distribuir os convites.
O Pilas estendeu-lhe as folhas escritas pelos Desaparafusados que tinham ido visitar o centro militar vizinho da escola e afastou-se a tossir. O Pitrongas que ia a passar fez-lhe logo o diagnóstico do costume: “pintelhinho na garganta”!
- Já aqui estão todas, podemos começar. Como devem saber, eu gosto de premiar quem trabalha…
- …vai dar-nos mais trabalho, - atirou a pirosa, compondo o mostruário de broches que os Desaparafusados da sua sala sabiam fazer.
- Ou então os contemplados são os do costume, o Porres e a Piulia, mesmo estando de baixa até Dezembro.
- Tenho aqui três convites para uma exposição de Cooperativas na FIL, a “Co-Operative”!
A debandada foi geral e só três ficaram encurraladas: a Pirosa, a Menina Tatrícia e a Outra. A Doutora Sem Canudo agarrou-as e nomeou-as embaixadoras.
- “Co-Operative”? – Perguntou a Menina Tatrícia, levantando o braço e um sobrolho.
- Eu traduzo para português, afinal de contas sou uma Doutora e tive Inglês Técnico. “Co-Operative” quer dizer “Cooperativa” e “Cooperativas” só há umas: as de Desaparafusados. Esta exposição é sobre reeducação e eu quero que a minha quinta esteja na vanguarda da educação e não seja como muitas que ainda usam paus de gelados para fazer talas. Bem, tenho de me ir embora, espera-me mais um voluntário.
E a confirmação de que a Doutora Sem Canudo era uma enciclopédia viva da Farinha “Pensal”, aconteceu quando as embaixadoras deram de caras com o stand da Malásia: “Mongkos”!
- Mongkos?!
- Sim Pirosa, quer dizer Mongas em Malaio.
- Não, não é isso, já viram o poster.
Era estranha a educação de Desaparafusados na Ásia. Numa varanda bem iluminada, várias estudantes com necessidades educativas especiais exibiam umas coloridas mini-saias, acompanhadas de uns decotes que fariam corar de vergonha o senhor Pintor, ultimamente conhecido por Mamma Mia por andar vestido à padeiro.
No dia seguinte a Madrinha apareceu cedo na sala de Artes Plásticas e presenteou o Cunhado do Choco com um novo voluntário.
- Um utente novo?
- Um voluntário que traz acopulado qualquer coisa ligada aos “desenhos animados”.
- “Desenhos animados”? – Questionou o Mama Mia, levantando o sobrolho de especialista.
- O currículo era uma folha A4 em branco e eu lá consegui dar-lhe uma habilitação mínima para vir para aqui. Tem a categoria de “Faz-de-Tudo infinitamente”. Chama-se Pateta e vem para aqui ajudar os colegas…não…os utentes.
E enquanto tentava justificar mais um escravo, um vulto apareceu por detrás e chamou:
- Tia!
A Madrinha voltou-se esganada e deu de caras com o Cabo Pilas.
- Acompanhe-me imediatamente ao meu gabinete.
Entretanto o Choco despira-se totalmente num abrir e fechar de olhos apanhando de surpresa o chefe bibliotecário, o senhor Nélinho. Numa sala próxima o Stor Pobre lia o processo duma Desaparafusada que se dizia filha do Stor Rico. Tinha vindo de São Tomé, como cautela ganhadora de uma enfermeira sua tutora, que a única coisa que sabia de hospitais era limpar o chão e despejar cinzeiros. A Preta Fininha tinha tido um ataque epiléptico, na altura em que a mãe sofrera um ataque de malária e morrera. De imediato os familiares acusaram a pequena de bruxaria e expulsaram-na da aldeia à cocada. Como era sempre a descer, nunca mais parou acabando por chocar, algumas horas depois, com a dita Enfermeira Sem Canudo, que a levou para o hospital e tratou de arranjar a papelada para vir fazer reabilitação à cautela premiada que lhe tinha caído ao colo, na Europa. Chegavam mais depressa aqueles com um monga ao colo, do que os outros que resolviam vir de barco. A Preta Fininha aterrou na Portela só com nome próprio, pois perdera os apelidos durante a fuga, tendo a seu lado a extremosa tutora, agora senhora de uma habitação social e de um subsídio maior que o ordenado do presidente do seu país natal. No andar de cima o Pilas tentava justificar as cartas de agradecimento que os seus Destravados tinham escrito ao comandante do quartel militar vizinho após a visita.
- Ó Cabo Pilas, garante-me que foi a Ludrinhas que escreveu esta carta:
“Venho por este meio agradecer ao senhor coronel o convite que me fez para visitar as suas instalações, de que gostei muito, ficando prometido desde já que serei voluntária na próxima incorporação para a arma de artilharia, pois acho que o meu meteorismo intestinal será muito útil ao país”.
- É tão certo como eu medir um metro e noventa. A Tia…perdão…Madrinha há-de reconhecer que o meu trabalho é exemplar e deveria recompensar-me com o cargo de Coordenador. A outra dorme o dia inteiro.
- E esta é a carta do Choco:
“Meu caro colega coronel, gostei muito de visitar as suas instalações, fizeram-me recordar a minha juventude nos Comandos da Brandoa, em que distribuía diariamente vários morteiros à minha mana e mamã. Espero em breve tornar aí e envergar de novo umas fraldas e uns babetes dessa tropa especial onde o meu padrinho Cabo Pilas andou”.
- Eu não brinco em serviço, ando muito mas não brinco. Penso que deveria ser recompensado.
- E esta é de quem?
“ Colonel, gostlei muintlo de visitale os escotleilos e não me vlou malis esquecele do caminho”
- Essa é minha


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