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315 estórias

Wednesday, March 30, 2005

Cargas e Descargas


                          Camarada Choco
                                           Aventura 24
A estória não pertence ao Camarada Choco, mas ficou na sua memória.
O dia tinha começado cor-de-rosa, a Escola estava em paz consigo mesma, os colegas distribuíam bons-dias às catadupas e até na área dos têxteis a funcionária estava mais “para cá” do que “para lá”, como era costume, tendo iniciado um tapete de “Lua de Mel”, em vez da diária pega para tachos de monhés. O Castanheira já estava com os óculos, comprados no Bazar Chinês, e preparava-se para arranjar os fusíveis à colega da sala 1. A Secretaria encontrava-se momentaneamente encerrada, pois a Dona Sãozinha fora tomar o seu merecido pequeno-almoço e a ajudante permanecia em estado de hibernação, com uma bolacha numa mão e os glóbulos oculares perdidos algures no telemóvel.
Por esta altura o Presidente Porres ainda estava a tentar convencer o filho a descer as escadas (direito exclusivo da Direcção), obrigando a carrinha a permanecer meia-hora em ponto-morto (ao contrário dos outros que nem saia da terceira); o Virgulino abria a mesma cova pela centésima vez; o Professor Rico com Bigode fazia o seu décimo sétimo telefonema para o banco, dando início à vigésima transferência do dia; o Pintor pintava a noite anterior; as Tias ainda não tinham começado a massacrar a cabeça da Coordenadora, pedindo-lhe explicações pela saída cinco minutos antes da hora, no mês anterior, dos Stores; a vizinha do Pintor ainda não apresentara a reclamação diária; a colega não avistara algum fantasma; o motorista dos recibos verdes abria a porta à ex-brasileira que tentara abusar do Castanheira, etc., etc..
De repente, tal qual um Tsunami, chegou no seu novo carrinho a Doutora, também conhecida no meio por Madrinha, e viu o parqueamento da Escola atestado, a abarrotar de veículos ligeiros e pesados.
- O QUÊ? E ESPAÇO PARA MIM? – Perguntou em Letra Maiúscula, deixando sair algo com os nervos. – COMO É QUE SE ATREVEM A ENCHER A MINHA PROPRIEDADE COM VEÍCULOS MOTORIZADOS, PESADOS E LIGEIROS? EU SOU A ALMA, A MOURA, DESTA ESCOLA, NÃO DESCANSO, NÃO BEBO, NÃO FUMO, SÓ FAÇO SKY, E OUSAM FAZER-ME ISTO?
A FATWA foi de imediato escrita e divulgada pelos presentes e ausentes:

“Declaro este dia como de CARGAS E DESCARGAS, implicando que daqui a 2 voltas ao quarteirão quero que o ESPAÇO ME SEJA DEVOLVIDO”.

Foram de imediato enviados, para os 4 cantos da Escola, estafetas com a “FATWA DA MADRINHA”.
A primeira vítima estava alegremente em cima de um Step, a segunda queixava-se da quinta e a terceira era um humilde Stror Pobre Sem Bigode.
Depressa se descobriu que a 1ª e a 2ª vítimas estavam em conformidade com o Código da estrada, não tendo isto, porém, evitado um ataque de caspa, seguido de 5 convulsões, à 2ª vítima, que já se babava de raiva, ameaçando pôr a Doutora a dormir dentro de um contentor.
Mas eis que alguém ousa dizer a verdade:
- O que ela quer é o vosso lugar!
Foi de mais! A Madrinha fez marcha para trás e cumpriu o prometido: duas voltas ao quarteirão. À terceira abandonou o veículo à entrada da Escola, acabando de vez com as Cargas e as descargas.














Thursday, March 03, 2005

O Trombeiro

                         Camarada Choco 


Na sala de Artes Gráficas imperava a serenidade, como era costume. Os artistas debruçavam-se afincadamente nas mesas, perdidos algures nas suas obras. Num breve olhar as tendências eram evidentes: junto à porta, sem sobra para dúvidas, o Bibi ensaiava um Caravaggio trissómico, com queda para a ciganisse; o Pitrongas, de pé junto a uma tela de promoção da loja dos setenta e cinco cêntimos, aproximava-se, desesperado, de um Picasso depois de um acidente vascular cerebral; o Fangio Espástico dava retoques a um “Napoleão a Cavalo a atravessar o Bairro do Relógio”;o Kodak, com o pincel em riste, pintava, em êxtase, um “Batatoon em Tripé”; o Peixe Espada chorava, como já era habitual, emocionado por pertencer a tão ilustre sala; o Zé Saltitão unira-se ao Lula, e ambos desesperavam na tentativa de igualar uma Josefa de Vómitos; e, para finalizar o idílico quadro, o nosso querido e amado Choco dedicava-se à “ arte etnográfica pré-colombiana”, mais propriamente à cultura de Tiahuanaco, esculpindo um generoso Virgulino, com cordelinho das Caldas. A apreciar o desenrolar dos acontecimentos, estava o exigente senhor Pintor, um homem implacável, formado nas melhores escolas da Brandoa, com mestrado na Linha de Cascais e colega de dois sábios do pino e da cambalhota, um, um “stor” pobre”, o outro um “stor” rico.
- Acudam, acudam – gritou alguém. – Acudam, acudam, tenho a ...em chamas!
A quebra do silencio inspirador fez com que o Bibi transformasse o seu Caravaggio, num Picasso coxo e pedófilo.
- Acudam...acudam...tenho a...toda em chamas!
- Mas, o que é que se passa !?? – interrogou-se o senhor Pintor, saindo da sala.
Os seus olhos de lince deram de imediato o alerta.
- Fogo, fogo...há fogo no andar em frente – alertou, correndo de imediato para o local do sinistro, tendo para isso trepado uma parede, tal qual um felino, e atravessado um telhado periclitante, tal qual um trapezista. – Fogo, fogo...senhor Porres, fogo, - gritou, já com a mangueira pessoal na mão, e pronto a despejá-la na cozinha em chamas.
Mas a idade nunca perdoa! Apesar do esforço titânico, só conseguiu atingir os sapatos. Quanto à retaguarda, ainda demonstrou não ter folgas, pois o petardo colou o Porres à janela do bar.
- Xiça, a bilha do gás devia estar cheia! – Resmungou o Presidente.
- Porres, não é altura para se encostar, - alertou o Pintor, aproximando-se agora dum Herói. – Vá buscar a pistola de pressão.
- Pistola de pressão!?? Mas, aonde?
- Deve estar na entrada.
O Porres já não precisava de ouvir mais nada. Arrancou, a todo o carvão, tal qual um carrinho do Continente com a roda da frente quadrada. Quanto ao nosso Pintor-Herói, lá permaneceu com o peito a desafiar as chamas, e agora também com uma outra mangueira nas mãos.
- Castanheira, dá-lhe toda a pressão.
O barulho ensurdecedor da turbina a arrancar, dava a sensação de estar no aeroporto de Lisboa. Mas, foi sol de pouca dura. As pingas nem aos sapatos do Bombeiro chegaram.
- Mangueira por mangueira, prefiro a minha, - gritou orgulhoso o Pintor-Herói-Bombeiro, revelando possuir humor perante o perigo.
- Está aqui a pistola de pressão – gritou o Porres, irrompendo pelo palco da tragédia.
- Mas, isso é uma colher de sopa ! – Informou, desiludido, o Castanheira.
- Se a pistola não vem, apago o fogo à dentada! – Ameaçou o Pintor-Herói-Bombeiro.
Quanto ao Porres, desapareceu novamente nas entranhas da escola, em busca da maldita pistola de pressão.
- Vou novamente recorrer à minha mangueira, - alertou o Pintor-Herói-Bombeiro.
- Não, não, - ainda se ouviu o Castanheira, pondo as mãos na cabeça.
A cena repetiu-se: na parte anterior ficou-se pelos sapatos, e na posterior sentou o Castanheira dentro do lava-loiças do bar, em cuecas.
- Cacanheira, Cacanheira, quéle cócó! – avisou a monga de serviço às bicas.
- Atrevido, já não tem idade para estas cenas, - gritou a dona Luisinha, a generala do estabelecimento.
Mas, o motorista só conseguiu recitar o “a, e, i, o, u”, sem o “o”.
- Está aqui a pistola de pressã, - gritou de novo o porres, arremessando o objecto.
O Pintor-Herói-Bombeiro agarrou-a com a mão esquerda e colocou-a com a direita. Bastou uma gatilhada para apagar o fogo.
- Bom trabalho, colega! – disse o Chefe dos Bombeiros, dando uma palmada nas costas do novo Rambo da Roque Gameiro.
As notícias correram depressa, a população juntou-se e arranjou um cognome para este futuro inquilino do Panteão Nacional. Como Pintor-Herói-Bombeiro-Rambo era um nome enorme, uma Comissão, formado para o efeito, decidiu fundir as quatro palavras, e criou uma nova: Trombeiro.




Monday, January 03, 2005

O VIRABICOS





                          Camarada Choco
                                 



Até agora todos os meus heróis apresentaram-se com os rolamentos gripados e as juntas da cabeça queimadas, muito tostadas. Pois bem, vou deixar no descanso os meus queridos e amados colegas de curso, e vou-me atirar, de cabeça, aos meus ricos tutores. Temos genes a menos, e é esse o nosso problema; eles têm genes a mais, e isso também é um problema! Portanto, estamos todos no mesmo saco e, por incrível que pareça, adoramos o buraco em que nos meteram.
Esta é a história do Virabicos, o maior animador do distrito de Lisboa e arredores.
- Senhores e senhoras, o bando dos Marrecos e Anões, da Associação Portuguesa dos Amigos dos Corcundas e Meia Lecas.
As cortinas afastaram-se e do meio de uma escuridão e fumo, saíram vários mongas a cantarolar e a dançar, tais quais caixas de pastilhas Valda cheias de pulgas do mar. A um canto, e a tocar à gaita, lá estava o autor e encenador da peça, o famoso Virabicos, com uma cabeleira encaracolada, estilo Dino Meira, e uma túnica branca tipo mortalha. Findo o acto, nova pausa para retemperarem forças e mudarem o cenário. Saíram duas cadeiras de rodas da marca “Lolita Veloz” e entraram duas cadeiras de rodas da marca “Tremoço Saltitão”. Alguns minutos depois ouviram-se toques de Monguiérre. O apresentador coxo e zarolho reapareceu e anunciou:
- Senhores e Senhoras, Portugueses Mongas e Portuguesas Mongas, vamos ter o prazer de assistir à actuação do “Agrupamento Recreativo dos Coxos da Associação Portuguesa dos Vizinhos dos Ditos”.
As cortinas tornaram-se a abrir e do meio de uma escuridão com fumo, regressaram novos mongas a dançar e a cantarolar, tais quais caixas de pastilhas Valda cheias de pulgas da terra. Num canto do palco, e a tocar no bandolim, estava o autor e encenador da peça, o já lendário Virabicos, com uma careca tipo cú, e uma tanga branca impoluta, estilo Tarzan, que deixava os espectadores adivinhar que a sua dita era tão torta como a do camarada Choco.
Findo o segundo Acto as cortinas fecharam-se com estrondo, deixando de fora um monga, que aproveitou a ocasião para agradecer efusivamente sem parar, até que uma mão vinda do palco o engoliu, num abrir e fechar de olhos.
De repente alguém pede ajuda na primeira fila, debruçando-se desesperado sobre um espectador. Um pelotão de cinco mulheres precipita-se sobre uma cadeira de rodas da marca “Fórmula Um “, e arrasta-a para uma das saídas de emergência, deixando atrás de si um rasto castanho nauseabundo. O purgante dado estrategicamente em casa no dia anterior, fizera o seu efeito.
Novos toques de Monguiérre e outra vez o coxo e zarolho em acção:
- Senhores e Senhoras, Portugueses Mongas e Portuguesas Mongas, o “ Bando dos Estrombólicos e Mijões” da “Associação Pedagógica Para a Inclusão dos Mija-Paredes
A luz apagou-se, a escuridão invadiu a sala e o público susteve a respiração. De repente, um monga fluorescente cruza o palco como um raio; depois outro, e mais outro, uma nuvem de pirilampos mágicos orientais risca a escuridão, acompanhada dum barulho ensurdecedor de tambores, bandolins, gaitas e tudo o mais que estivesse à mão. Quando a luz de um holofote tornou a iluminar o palco, mostrou a nú o grande ilusionista e autor do espectáculo, o senhor Virabicos, desta feita vestido de negro e com uma bela cabeleira verde. Ah Leão ! E depois acendeu-se outro projector, e mais outro, até que o público se apercebeu que um dos bailarinos estava sem calças, em pânico, por ter o material em chamas devido aos efeitos especiais, e também por culpa do seu colega Pequeno Polegar, que resolvera passar-lhe por baixo das pernas. Sem demoras, apagou-o na cabeça da sua colega Lolita, que lhe retribuiu com uma mão cheia de Sarna. Foi visto mais tarde, de gatas e a coçar sofregamente o baixo ventre, com o membro superior direito e com o queixo.
Findo este Acto veio o intervalo, que fez com que o empresário Virabicos entrasse numa convulsão existencial, que o levou, via telemóvel, ao contacto com a doutora sem canudo, comunicando-lhe o fim do contrato que os ligava, não indo por isso participar na “Feira Internacional Hexassómica do Afeganistão”, organizada pela “Associação dos Amigos dos Afegãos com duas pernas e dois braços”. No calor da discussão, nem reparou que se sentara na cabeça da sua aluna Lolita, sendo assim mais uma vítima da chiquérrima Sarna.

CRRR.....CRRR
A um dado momento, a sala foi invadida por um barulho ensurdecedor, levando a assistência a temer um ataque de caruncho, que fizesse desabar o teatro. Mas, tudo foi salvo por um erro do nosso guerreiro e herói Choco Silva que, para impressionar a sua BéBéu, se lançou a uma corda existente no palco, para imitar o Tarzam, e assim subiu o pano para mais um Acto.
De costas para a assistência, dobrado para a frente, o nosso querido e visionário Virabicos coçava freneticamente o pandeiro com o microfone, sinal de que a chiquérrima Sarna já tinha acampado e começara a laborar. O aplauso foi geral, o espectáculo era intelectualmente elevado, conseguir fazer música com o cagueiro era um dom exclusivo de seres com mentes brilhantes, e o senhor Virabicos demonstrava ali que estava ao nível do Beethoven, do Mozart e do Batatoon. O show terminou quando o camarada resolveu mudar de liana e fechou com estrondo as cortinas, caindo desamparado sobre a sua Bébéu, que ficou com os olhos pregados no chão de madeira.
- Bis, bis – gritava a multidão em êxtase.
Mas, os fundilhos em chamas tornavam o nosso Mozart da Brandoa insensível aos apelos do selecto público. E, sem maestro, os artistas não funcionavam. Mas, como não havia nem espaço nem paciência para os ter nos bastidores, foram atirados para o palco, para só serem recolhidos quando o seu tempo de cena acabasse. Na plateia o responsável camarário pelo teatro não cabia em si de contente, perante tão ilustre público.
- Estava habituado a casa cheia com dez visitantes e agora estão aqui trezentos estrangeiros.
- Imagine que me mandaram o Gelatina para casa, porque diziam que estava cheio de sarna – interrompeu-o uma jovem mãe.- Tive de gastar uma pipa de massa e afinal eram só pulgas!!
- Só pulgas!?? Mas, afinal também há aqui estrangeiros com pulgas!?? Então, não são trezentos, mas três mil espectadores. Isto é o delírio! Desculpe minha senhora, mas vai-me dar um treco.
E caiu redondo sobre o colo de um africano, que só teve tempo para gritar:
- Gostinho, gostinho, gelatina, gelatina.
Entretanto, a Bébéu veio a si, debaixo do Choco, e resolveu agarrar-se no que estava mais à mão. Foi fatal! O puxão fez o macho subir de novo à liana, e os cortinados abriram-se com estrondo, deixando ao léu uma cena digna dos melhores caranguejos da Brandoa. Os artistas estavam em palco, congelados, cada um na sua posição.
- Caravaggio, Caravagio – gritou um velho gágá. – Milagre, milagre, isto é um milagre – e ajoelhou-se junto ao colo do africano.
- Gostinho, gostinho, gelatina, gelatina – berrou o preto, apertando entre as pernas a cabeça do ancião.
A força foi tanta, que a dentadura cravou-se no pepino do jovem.
- Gostozão, gelatina, macabé, escarumba – gritou, regressando por momentos a uma experiência da passada vida íntima com o primo, até este lhe Ter dado vários chutos, que lhe colocaram os intestinos nos joelhos, obrigando-o a cagar fininho durante muitos anos, tantos quantos a sua vida de clandestino.
O delírio era total ! O senhor Virabicos entrou numa excitação incontrolável, de memórias e alusões da sua sexualidade pré-genital primitiva, que o levaram a soltar uma verborreia cabo verdiana, seguido de uma exibição que mostrava um ID desinibido e grosseiro, que lhe furou as cuecas cor de rosa, transformando-o no seu próprio negreiro, e fazendo-o reviver a sua evolução de alforreca a bípede terrestre. Sacou, de imediato, o telemóvel e, sem demoras, retomou o contrato com a doutora sem canudo. Iria novamente ao Afeganistão e, com toda a certeza que, no meio de tantas burkas, descobriria um naipe de mongas ao quadrado, e os traria ao palco da Amadora para uma nova “Terapia pela Arte”. Ainda teve tempo de telefonar à sua amiga húngara a contar as novidades.
No palco os estrangeiros mantinham-se estáticos, representando na perfeição o “Martírio de São Lucas”.













Sunday, December 05, 2004

Caldo Verde

                          Camarada Choco
                                        



Por vezes quem sai aos seus regenera...mas não o suficiente ! O chinês é trissómico e a sua progenitora é quadrissómica, pentassómica, hexassómica...enfim, ela é que deveria estar com o parafuso, a anilha fina, a anilha grossa e a porca. O canteiro à entrada da Escola que o senhor Virgulino tenta desesperadamente manter florido, leva todos os dias com pequenos presentes dos felinos do bairro. Foram tantos que ele até já se habituou. Até que um dia...
- Dinossauros !?? Agora até dinossauros vêm cagar aqui !! – gritou desesperado o candidato a jardineiro fininho, tentando expulsar o intruso com uma busca-pólos – francamente, sou o único que trabalha nesta espelunca...perdão, nesta casa e só me sai é merda !
Recuemos no Tempo. Duas horas antes o chinês aprontava-se afincadamente para mais um dia escolar, enquanto que a sua mamã tentava desesperada descobrir qual era a parte da frente dos calções que o seu miminho iria vestir. A tarefa era tão difícil que ela nem se apercebeu que o estudante tinha ido à cozinha dar os bons-dias ao periquito estrábico que falava espanhol e arrotava em árabe. Como sempre e devido ao efeito cromossómico, procurou-o no fogão. E qual não foi o seu espanto quando deu de caras com um naco de carne assada de odor suculento. Quando fechou a porta do forno já o pedaço do porco lhe forrava as paredes do estômago. No entanto a mãe descobriu que a braguilha era definitivamente virada para trás, para assim lhe facilitar a saída dos seus inúmeros gases dinossáuricos.
- Rodrigues, diz adeus à tua passarinha e vem calçar os calções.
Nem veio. Nem respondeu.
- Rodrigues estás a ouvir-me ?
Nem a ouvir, nem a ver, nem a sentir, mas sim a digerir.
- Se não vai a marmita à castanha, vai a castanha à marmita – gritou a senhora.
Dito e feito. A mãe embrenhou-se em passo de corrida pela cozinha, mas por mais incrível que pareça, e só explicável por ser uma senhora pentassómica, tropeçou no penico que estava em cima do lavatório com as escovas de dentes lá dentro, e marrou de encontro à proeminente barriga do filho que, devido ao impacto, soltou um estrondoso arroto, que colou às grades o pobre do periquito e o transformou num mini-franguito-da-guia.
- O jantar, o jantar da família – berrou a fêmea quando sentiu o cheiro a colorau. Comeste o jantar dos tios !
A resposta do chinês foi um sorriso maroto e uma bufa das antigas, com molho e couves.
- Vamos, vamos embora – e pegou na mão do Rodrigues arrastando-o para a rua.
À medida que se aproximavam da Escola o meteorito intestinal do trissómico aumentava a cada passo, dava a idéia de que já se deslocava a jato.
- Aguenta, aguenta que já estamos quase a chegar – gritava a mãe desesperada, ao mesmo que lhe desapertava a braguilha para aliviar a pressão, não fosse ele explodir a qualquer momento.
Mas na última curva o chinês começou a deitar fumo e ela só teve tempo de o atirar para o canteiro de estimação do Virgulino.
- Agacha – ordenou.
E a cena era linda: margaridas, cravos, rosas, agapantes e uma... uma espécie de melão sorridente e sonoro.
- Chega, chega, toca a entrar, eles que te limpem.
E o Rodrigues ainda foi visto a entrar e a deixar atrás de si um rasto de couves verdes salpicadas de castanho.
- A minha carne assada – lamentou-se a mãe, olhando entristecida para o produto expelido pelo seu querido trissómico – até tem cenouras e couves.
O assunto das tripas estava resolvido...ou talvez não ! A mãe rumou para o emprego e o filho desapareceu nas entranhas do edifício. Como bom profissional encontrou a sala e, com sofreguidão, agarrou na cana e lançou-se à pesca. Sabia de antemão que os peixes só iriam picar quando a corda do mecanismo acabasse e por isso fez apelo à sua paciência de um falso chinês. As horas passaram até que alguém o chamou:
- Piscina, vamos para a piscina.
O bufador asiático levantou-se, pegou no saco e dirigiu-se sorridente para a carrinha, que já estava apinhada. Junto à carrinha o senhor Virgulino continuava desesperado a tentar afastar o intruso do seu querido canteiro.
- Só eu é que trabalho nesta casa. O raio do gato devia ter o tamanho de uma vaca e ainda por cima comeu uma saca de cenouras e couves.
O Rodrigues ainda lhe deitou um olhar maroto, mas foi por pouco tempo, pois o Porres arrancou de imediato.
A segunda parte do jantar destinado aos tios do nosso amigo saiu quando ele estava a nadar num brilhante estilo-à-cão E não era só ele que nadava, atrás de si seguia em fila ordenada um conjunto de couves e cenouras, tal qual uma pata com as suas crias.






Friday, November 12, 2004

CRIME PERFEITO





                         Camarada Choco
                                          Aventura 20



Era uma vez uma ilha semeada de coqueiros e de gente exótica.....
O choro dentro da cubata era a duplicar porque em vez de um nativo vieram ao mundo dois. O acontecimento foi comemorado com poemas, vinho, catinga e muita...muita imaginação:

Óbvio e Óbvia, respectivamente o nome do rapaz e da rapariga.

Os livros e os cocos tinham influenciado o pai, não fosse ele um candidato a poeta-pedreiro, sempre vestidinho de branco, boininha e cheirinho maroto a catinga. Mas nas histórias cor-de-rosa também caiem as nódoas! Uma gripe lixou tudo, degenerou para um mal maior que atacou sem dó nem piedade a pobre Óbvia. Havia uma solução: um soro, um simples e banal sorinho. Banal!?? Naquele fim do mundo nada era banal, principalmente a partir do momento em que os seus governantes tinham decidido serem maiores e vacinados. Assim, soro nem pensar....aquele tipo de soro que na nossa terra compramos no senhor Firmino da esquina, na loja dos 150, ou até numa qualquer banca da rua....nem uma gota. Foi-lhe fatal, não no sentido literal mas ao nível motor, mental...existencial.. Tragédia...tragédia!!?? Não...a Sorte Grande, o futuro radioso para a família...o Grande Golpe...a Golpada.
Como o pai tinha acesso ao Presidente da ilha, uma espécie de senhor Porres da loja ao lado, conseguiu passagem para ele e para a filha irem para a terra dos antigos mauzões, à custa dos mauzões. A menina iria fazer uma tentativa de recuperação.
Lembro-me do sorriso genuíno da Óbvia, isso a doença não tinha conseguido roubar-lhe.
- Ela tem uma boa cabeça, deve-se investir nesse aspecto – alertou uma vez a especialista do grande centro aos técnicos e ao pai.
O investimento começou e o pai até conseguiu arranjar o emprego porque tanto lutara: acartar tijolos e outras coisas afins. Graças à filha estava no El-Dourado!...e mais tarde, e porque estavam com muitas saudades da sua taluda, veio o resto da tribo. A festa foi de arromba, o cheiro a matacanha e a catinga fresca embrenhou-se pelo noite dentro, só terminando quando o progenitor adormeceu devido ao excesso de sumo de cevada. Como era óbvio a Óbvia não pode participar porque era...era...era deficiente e naquela festa só entrava gente fina. O azar dela era a sorte dos outros ! E nem teve direito a tomar os comprimidos obrigatórios, porque a mãe só lia em crioulo, apesar de ser analfabeto e o pai estava de férias da filha. Restou-lhe o seu inseparável bóbi, um rafeiro mais arraçado do que os outros, um genuíno anjo da guarda que a mimava de noite e de dia. Talvez os únicos beijinhos que tivera ao longo da sua penosa vida foram as inúmeras lambidelas que o vira latas insistia em dar de minuto a minuto.
A tribo já estava instalada, o pó da ilha ficara para trás e os seus trouxeram uma nova lotaria: “subsídio de assistência à 3ª pessoa”. Mais uns continhos para a algibeira! E para isso bastaria tirar a Óbvia da Escola e levá-la alegremente para o barracão, onde a educariam e reabilitariam com muito carinho. Dito e feito, foi óbvio que a Óbvia regressou ao lar doce lar. E como não era rapariga para grandes fugas, porque com os olhos ninguém conseguiria ir longe, estacionaram-na a um cantinho e aí ficava enquanto todos saiam para trabalhar. Todos!?? Todos não, o inseparável Bóbi não largava a sua grande paixão e passava os dias a alimentar-lhe aquele magnífico olhar.
As suas mazelas obrigavam os músculos a contraírem-se ao mesmo tempo e assim não havia osso que aguentasse. Em seu auxílio vinham sempre os drunfos, que repunham a legalidade naquele pobre corpo e que atrasavam as demolidoras deformações. Até a tribo chegar, tudo era feito dentro da lei, depois dela acampar instalou-se a anarquia típica do seu local de origem. De estúpidos e atrasados revelaram-se uns espertalhões, uns sabichões: o “ subsídio de assistência à 3ª pessoa fez com que o dinheiro que era dado à Escola fosse parar aos fundilhos do pai e assim passarem a tratar alegremente do seu Totobola. E como com tostão a tostão encheriam depressa o mealheiro em forma de coco, abdicaram das idas à farmácia e assim passaram a poupar o dinheiro que antes a Escola gastava nos drunfos. E quando o mar bate na rocha quem sempre se lixa é o mexilhão, neste caso o molusco chamava-se obviamente Óbvia. A partir daqui os ossos da pobre pequena começaram a gripar e as deformações acentuaram-se. Nenhum apelo às instâncias responsáveis foi o suficiente para salvar a pobre criatura que um dia nasceu no sítio errado com tudo errado.
O único ser que a acompanhou até ao horrível fim foi o seu inseparável Bóbi. !


Tuesday, October 26, 2004

Queda para a Música

                           Camarada Choco

                                          Aventura 19

Os excessos por vezes pagam-se caro...caríssimo ! E a devoção exagerada a uma causa também não é boa conselheira, pois pode ser ela a responsável por esse excesso...e que excesso ! No meio deve estar a virtude, a vida é para ser levada com moderação. As coisas fazem-se lentamente, passo a passo, e só se avança para a etapa seguinte quando a anterior estiver bem consolidada...repito...bem consolidada. Não é por fazermos muito e gritarmos que fazemos muito, que iremos ter um chalet lá em cima.
O Natal estava à porta, a grandiosa e luxuriante festa organizada pela nossa querida Escola para Desaparafusados da Venteira aproximava-se. Afinavam-se os últimos acordes, os ensaios intensificavam-se, tinham conseguido adestrar a Papoila a dizer ao microfone a palavra “Amor” ( politicamente correta para a ocasião ), sem com isso ter um ataque epiléptico ou enfiar dois abrunhos ao colega mais à mão. A Dona Ermelinda já confirmara a sua presença gratuita e calculava-se agora o seu tempo de atuação, não esquecendo o inflacionamento habitual: oficialmente 1 hora, mas na prática 5 horas, ficando sempre a tocar sozinha para o representante do representante do Presidente da Câmara, visto as outras ilustres pessoas terem muito trabalho nestas alturas, apesar de serem sempre uns apoiantes incondicionais dos deficientes.
Os cenários já estavam montados, a vomitadela de última hora da Papoila para cima de um Pai Natal já tinha sido absorvida pela farfalhuda barba; à vaquinha faltava-lhe um olho, comido com elegância e sem subtileza pela “Bébèu”, que a confundiu com o seu esbelto e amado Choco. Naquele meio ninguém iria estranhar uma leiteirinha com um só farol. A cabeleira verde da SóTraques cabia-lhe que nem uma luva, mas ela ainda não se tinha sintonizado com o espírito natalício e por isso arrancava com sofreguidão a “permanente” de cada vez que a colocavam na sua mona em forma de ananás. A ameaçar ajudar no evento estava a mãe da Castafiore, uma espécie de Amália com Dino Meira, que tinha umas cordas vocais gripadas desde a adolescência. Era demais ! Se ela ousasse aparecer temia-se que os políticos ameaçassem com reuniões imparáveis, e sem o poder não haveria subsídios. O próximo Tegretol teria de ir parar ao bucho da Amália Meira, custasse o que custasse.
Na sala ao lado embrulhavam-se as prendas que iriam ser dadas pelo Pai Natal versão mauber. A convivência de muitos anos fazia com que se soubesse, sem margem para erros, quais os presentes que cada um gostaria de receber.
- O Tremoço vai adorar esta guitarra, – dizia com paixão a funcionária e amiga – a música para ela é tudo! – apesar de ter só uma orelha e mesmo essa ter problemas na segmentação.
O festival ultrapassou, mais uma vez, as expetativas, a Amália Meira cantou e desencantou, os políticos retiraram-se quando a comunicação social fugiu, a Papoila acabou por afiambrar aos tortos e aos direitos, a família Ramires trouxe a tribo e saqueou a mesa dos comes, e o Tremoço lá recebeu entusiasticamente a guitarra mas...e aqui é que está o imbróglio da questão...devido à confusão do fim da festa, esqueceu-se do instrumento na carrinha. Possivelmente deverá ter reclamado em casa, mas como só usava uma linguagem extraterrestre ninguém notou a ausência do objeto de prazer infinito.
- A guitarra do Tremoço ficou aqui – disse a extremosa funcionária no dia seguinte – coitadinho dele deve estar à beira de uma travadinha e por esta altura já deverá ter destruído a parede com as cabeçadas de protesto.
- Deixa-te desses exageros – respondeu-lhe uma colega – ele se calhar já nem se lembra que recebeu uma guitarra.
- O quê!?? Fica sabendo que o meu Tremoço é um rapaz muito esperto. Logo ao fim da tarde vou-lhe levar a prenda antes de ir para casa.
Dito e feito ! Às 18H30 de um dia qualquer do século XX o instrumento foi depositado nas mãos do Tremoço, que começou de imediato a esgalhá-lo, tentando assim tirar-lhe umas notinhas esganiçadas. No dia seguinte a mãe teve de se deslocar, como de costume, à loja do senhor Pereira dos Tomates de Ouro e deixou o artista na esgalhação da sua guitarra. Como segurança, não o fossem raptar, deixou a porta do apartamento aberta. E o Tremoço lembrou-se de dar um show ao vivo para os vizinhos. O resto foi muito rápido: a guitarra escapuliu-se das mãos do punk, precipitou-se para o rés-do-chão...e no seu encalço foi o Tremoço.





Monday, October 11, 2004

CENAS CANALHAS

                          Camarada Choco

                                         
 
O mar batia furioso de encontro às rochas, lixando para sempre alguns mexilhões mais atrevidos, enquanto que noutro ponto do país fluidos cerebrais batiam furiosos de encontro aos restos de neurónios, lixando para sempre os sonhos cor de rosa do nosso querido e estimado Choco. As gaivotas fugiam em pânico dos respingos violentos que se projectavam no ar, dizimando tudo à sua passagem, enquanto que no outro local os piolhos, as cabaças, os cutrilhos e as burgalhotas fugiam em debandada, pelos lençóis abaixo, deste terrível terramoto existencial. O bater de uma onda mais violenta rasgou as entranhas da terra e tudo desapareceu numa nuvem de espuma; a T-Shirt vestida no ano lectivo anterior rasgou-se com violência ao nível dos peitorais e lançou para o ar as moléculas de odor corporal, que obrigaram a um suicídio colectivo das cutrilhas que estavam a vomitar à janela; a fúria da tia Natureza não tinha limites, tudo era diferente, tudo era igual, o Oceano e o Choco misturavam-se numa orgia infernal, ora eram pedaços de rochas que se projectavam no vazio, ora eram pedaços de sebo que se colavam com estrondo no poster do herói da cassete pirata, que se confundia com o musgo das paredes sensuais do quarto do camarada Choco. A vida estava ingrata e os sonhos já não eram cor-de-rosa, a sua sensual “Bébéu” já há muito tempo que o largara, estando agora a largar a sua excitante bába, não de camelo, no colo de outro. Os sonhos do dragão da Venteira eram agora negros, carregados de trovões, peidos, relâmpagos rápidos e jactos de mijo, que decoravam as cuecas vermelhas com bolinhas brancas. Só o faro deste predador é que conseguia distinguir a parte da frente da de trás e nunca se enganava, prova irrefutável de que os seus neurónios cerebrais, apesar de reduzidos, eram dos melhores. O ladrar carinhoso do “Jardel” deu-lhe os bons-dias, mas infelizmente o senhor Choco não estava para aí virado e teve assim necessidade de transmitir ao canídeo de estimação da mãe a sua opinião sobre o estado do tempo: o coice colocou o peluche arrumadinho ao colo dum Santo António com fácies de trissómico. E como um colo dum Santo só tem espaço para uma criatura de cada vez, o menino não teve outro remédio senão despencar-se das alturas e cair em cheio dentro dum balde com as cuecas de molho de toda a família. O desencadear de acções familiares foi puro e duro, após a mãe se aperceber do estado periclitante da “jóia da coroa”. Entrou em cena o chefe da família, o único contribuinte, o empresário, que se atirou sem dó nem piedade ao Choco e fez dele um “puré-de-batata-da-loja-dos-300”. Estranha forma de iniciar um novo e solarengo dia.
A rejeição tinha-se consumado, a mãe já não o queria, abandonava-o agora aos 22 anos e doava a sua parte do carinho à irmã, tornando-se ela agora a única totalista do “Amor de Mãe”. Triste e abandonado, tal qual uma Ágata qualquer, o nosso herói pegou na trouxa e rumou em direcção ao trabalho.
O dia não podia ter começado pior. À sua espera estava a Dra., tal qual uma agente da Pide, pronta para lhe fazer a folha.
- Há, à,ó,ô,à – ainda tentou protestar mas foi em vão.
Confiscou-lhe o saco de plástico e abriu-lhe com raiva a mochila tipo pára-quedas. O conteúdo ficou no chão à mercê das patas dos seus colegas, tal qual as batinas dos universitários. As minhocas, que já tinham construído moradias de musgo numa ex-toalhinha branca, não tiveram outro remédio senão protegerem-se dentro dos ténis vermelhos deste Che Guevara da Brandoa, apesar da natureza-morta do seu ambiente.
A vida de um revolucionário não estava para brincadeiras desde o 11 de Setembro. Até aqui, neste edifício a quem ele considerava a sua primeira casa, uma simples mochila de 50 Kg não passava despercebida. Na noite anterior tivera tanto trabalho a transformar uma toalha de mesa fascista em trinta “bábetes” proletários, para humildemente recuperar o seu “Amor de Mãe”. Apesar da idade cronológica ser a de um adulto, não se aperceberia a mãe de que o conteúdo encefálico parara aos 3 anos, e tudo graças ao Decreto-Lei 40/85 que extinguira os números negativos? E aos 3 ainda se é muito querido e ainda se usam “bábetes”! Quereria a mãe que ele passasse a ladrar para assim também ter direito ao colo, como o Jardel? Enfim, problemas existenciais que infelizmente também afectavam os guerrilheiros. Mas agora era tempo para trabalhar e agarrou no pincel, dando início às pinceladas.


Saturday, October 02, 2004

CHOCONAIFE


                          Camarada Choco
                                              Aventura 17 
 
As mãos apertavam com carícia, tal qual o seu ilustre antepassado “Jack o Estripador”, o pescoço sensual e lustroso da progenitora, aquela que lhe dera de mão beijada os genes da marca Treacher-Collins. A língua do macho já tocava na orelha esquerda, sinal de uma força bem aplicada, enquanto que a língua da fêmea tocava na orelha direita, sinal de uma resistência a atingir a redline.
- HáHêga – gritava desesperada aquela que um dia o tinha parido com tanto amor.
Graças a Deus que o nosso Choco ainda conservava nos seus genes uma réstia de “AMORDEMÃE”. Retirou de rompante as garras do pescoço e enquanto ela recuava devido à anóxia, presenteou-a com um elegante e extraordinário coice, uma forma jubilatória de assinalar e comemorar a vida, que a colou à parede mais próxima, junto a um Santo António que, devido às ondas de choque, largou o menino e precipitou-se de encontro ao chão, fazendo um estranho barulho:
- Bufaram-se – alertou o vizinho do quarto esquerdo.
Era bom era ! Mal ele sabia a fera que morava em baixo, um macho dos antigos, um HOMEM-DAS-CAVERNAS com letra grande, um sábio, um atleta, um mangusto, uma ave rara, um pitrongas, um génio literário..enfim, o Adamastor da Venteira. O esforço fê-lo voltar para a cama e deitar-se relaxado, tendo nos seus braços o ursinho de estimação, o Trabeclas, nome posto em memória do seu grande avô materno, responsável pelo gene – coxo que se infiltrara na linhagem desta distinta família da Brandoa-Sul.
A um canto da casa a mãe conseguira finalmente descolar-se da parede, deixando para trás, não um rasto como o caracol, mas sim a sua silhueta de sebo, que começava agora a derreter com os primeiros raios de Sol. Iria com certeza ser aproveitada para fazer velas no Natal. Pé ante pé a triste senhora, mãe extremosa dum Choco em conflito com o Mundo, espreitou para os quartos dos filhos e confirmou que estavam a dormir. Por breves momentos esqueceu-se do predador e ficou-se com as memórias de há vinte e dois anos atrás, que lhe mostravam um anjinho – achocalhado, ou seria um morcego (??), de trinta centímetros, cor de suspiro-fora-de-prazo e olhos de camaleão. As dores no ombro direito e no baixo ventre trouxeram-me de novo à realidade. Tinha de sair e ir apresentar queixa ao técnico responsável pela reeducação do Choco, enquanto o guerreiro descansava agarrado ao seu fiel Trabeclas. No quarto ao lado dormia com os anjos a Bélinha. A Natureza tinha destas coisas: no lado esquerdo uma fera, um revolucionário à moda antiga, uma raridade, um Viriato em potência, capaz de nos surpreender a todas as horas, senhor de inúmeros odores a macho e dono de uma colecção completa, e móvel, de cassetes piratas, gravadas in loco na feira da Brandoa e com as fotografias do Dino Meira pintadas na altura com lápis de cor made in Afeganistão pelo tio BinLadras; no lado direito uma choquinha sem passado e com pouco futuro, que provavelmente passaria ao lado da História caso o maninho não resolvesse acordar, durante a nobre missão da pobre mãe, e presentear a irmã com uma colecção completa do faqueiro comprado numa loja dos 150 do Casal Ventoso, a prestações constantes e suaves, arrumando-o com classe e charme, característica indiscutível deste diabo-da-Brandoa ( primo afastado do diabo-da-Tânsmania), nas largas costas da irmã. Se os céus quisessem nada de trágico aconteceria.
- Que cheiro a Peido, – alertou de novo o vizinho do 4º esquerdo.
Era bom era ! Mal ele sabia que a fera que morava em baixo acabara de voltar-se de barriga para baixo e isso implicara recorrer a alguns gases disponíveis, que expunham a manifestação de um especial estado de alma.
O senhor Tobias, dono de uma loja de electrodomésticos, ainda viu, de relance, um vulto a passar, tal como um foguete, mas a coxo.
- Bolas, naquela família ninguém cumpre os limites de velocidade, – praguejou.
Mas para cumprir os limites era necessário tê-los ! Na cave do prédio uma masmorra esperava o nosso incipiente herói, tal e qual aquela que tinha visto na televisão.
- À ponho, ponho, – dizia a senhora ao reeducador do filho, demonstrando ser uma governanta diferente, capaz de enunciar uma certa pintura do mundo familiar, não estivesse ela na secção das Artes Plásticas.
Mas contra toda a lógica de um esquema mental humano, depressa avançou com uma proposta lógica e surrealista:
- E se o meu choquinho deixasse crescer o bigode ?
O reeducador nem queria acreditar ! Confuso...perdido nos meandros da mente, já nem conseguia distinguir a ficção da realidade, o dia da noite,...e ainda por cima a mãe esperava uma resposta rápida:
- Então, o bigode !??
- Sim, sim – respondeu com medo, – um bigode... talvez resolva a situação... com uma mosca...
Passavamos de um ChocoKnife para um Zé do Telhado dos autênticos, um galifão, a roubar aos ricos para dar aos trissómicos... uma lenda capaz de fazer sombra ao mais terrível dos Talibãs, ao mais sanguinário dos ladrões, ao mais terrível dos índios.
Depois do bigode ser um dado adquirido a mãe desapareceu no alcatrão de regresso a casa. Infelizmente o Choco já acordara e estava a treinar afincadamente na irmã. A mãe foi a tábua de salvação para a choquinha, pois foi confundida com um Talibã e levou o respectivo correctivo necessário à situação.

2 – 0 foi o resultado do desafio, e por KO !

O dia acabou mal para o nosso querido ChocoKnife pois à noite, mais concretamente às 23 horas dez minutos e quarenta e cinco segundos, a mãe pôs o pai ao corrente da história do episódio número setecentos e trinta e seis da grandiosa novela de Amor, Ódio e Paixão, “ChocoKnife – o herói Treacher – Collins”, e enfiou-lhe vários secos e molhados, ficando no ar a promessa de para a próxima lhe meter os “dentes para dentro, coladinhos ao Céu da Boca”. Enfim, modernisses !.




Wednesday, September 15, 2004

Estranhos Perfumes


                           Camarada Choco
                                          
 
A noite já ia longa, a Lua Cheia banhava de luz as ruelas estreitas da pacata Freguesia, indo os últimos raios terminar nas cabeças dos dois felinos mais famosos da Venteira, o “Rapaz” e a “Boneca”. Mas o sossego estava condenado ao fracasso ! Uma sombra misteriosa e caduca deambulava calmamente pelo terceiro andar direito do número sessenta e nove da rua Mestre Gameiro Monga. A silhueta de uma cifose, vulgo marreca, deslizava com desprezo pelas paredes brancas da habitação, acompanhada à frente por uma face também ela amarrecada. Lucky Luke era o cowboy mais famoso do oeste, que conseguia disparar mais rápido do que a própria sombra e o Choco era o monga mais conhecido da Brandoa, que já não conseguia aguentar com o seu próprio cheiro. As insónias sucediam-se, e a culpa disto tudo devia-se ao facto das actividades na piscina terem encerrado com a chegada do final de mais um Ano Lectivo. Sem natação não havia banhos e agora o Choco vergava-se ao peso do sarro e das borgalhotas. Até um leão deste gabarito tinha limites ! Os carneiros recusavam-se a saltar e sem eles o João Pestana entrara em greve. A solução encontrava-se na cozinha e tinha a forma de um elegante garrafão de perfume, que dava pelo nome de “PacoRabóne”, made in uma loja dos 50 das elegantes catacumbas da Manchúria. Nestas alturas o Choco desnudava-se, tendo mesmo assim dificuldades em arrancar as cuecas amareladas, estilo pergaminho, que teimavam em agarrar-se, tal qual uma carraça, à sua elegante bacia em forma de couve flor. Ultrapassada esta sensível fase, o nosso herói do cinema mudo abria com os dentes o gargalo em forma de tremoço e expulsava com sofreguidão o cheiro nauseabundo que já lhe riscava a alma. Mas havia algo que teimava em permanecer e esse algo eram os odores insuportáveis das entranhas! Como felino que era, também conseguia sempre ultrapassar estes obstáculos. Nada como uns bons gargarejos, seguidos de várias deglutições do maravilhoso “PácoRábo”. E assim terminava mais uma das inúmeras sessões nocturnas do nosso querido Choco. A tudo isto assistia a sua incrédula progenitora, também ela com dificuldades em adormecer, mas por só contar até às 3 ovelhas e assim não conseguir accionar o velho John Péstan. Tudo isto ela contou, na décima pessoa, à educadora responsável pela difícil tarefa de transformar a irmã do Choco, a já célebre Bélinha, numa cidadã útil à sociedade:
- Todas as noites é sempre a mesma coisa, vejo-o sempre nu a banhar-se no perfume e depois bebe-o, será que o meu Choco é um drógado, um tchocoindependente ?
- Nãoão – respondeu-lhe a educadora, revelando ser uma mulher do norte.
- Mas não vim aqui só para falar de tristezas – continuou a Encarregada da Reeducação do Choco – sabe que hoje deixei a minha Bélinha usar o meu perfume especial – e deu um toque orgulhoso na filha, uma espécie de Choco com saias – emprestei-lhe o “Ananás, Ananás” que comprei por 200 na loja dos 300.
Algures perdido numa das casas de banho do Centro, o nosso herói sofria na pele, mais propriamente ( e sejamos realistas! ) no olho-do-cú, as agruras do seu vício nocturno. Agachado em cima da retrete, tal qual uma galinha no poleiro, despejava, sem apelo nem agravo, o seu “PácoRábo” ingerido na véspera. Mas como a sua coluna nunca fora uma linha recta, sofrendo por isso um desvio no fim da linha, metade do conteúdo intestinal teimava em deslizar pela parede abaixo. O responsável pela pele do Choco Silva estava atento e por isso proibira o uso de cigarros numa área de 50 metros em redor do Predador-Cagador. Uma beata mal apagada poderia transformar o nosso Choco tipicamente europeu, num Choco africano, vulnerável aos instintos rácicos dos vizinhos. Os mais optimistas diziam que ele estava com o cio e tinha assim necessidade de marcar o seu território. Mas fosse qual fosse a razão de largar tanta quantidade de merda, acabou por não ser autorizado a ir com os colegas ao museu do fado, não resolvesse lá marcar o traje de alguma fadista mais atrevida. E o despejo a que foi sujeito, já depois de ter abancado na carrinha, marcou-o profundamente. Foi visto a entrar enfurecido na Escola, deixando rasto como o caracol, só parando na casa de banho mais perto, onde deixou um grafitti de desprezo. Depois da obra feita atirou-se, com as garras de fora e as cuecas dobradas, às costas do Pitrongas, afiambrou duas bolachas no GiGi e marcou um penalty na perna esquerda da Palmira Melga. O Predador-Cagador estava incontrolável ! A cor esbranquiçada esfumava-se, até dava a ideia que já havia um novo Papa, o Choco aproximava-se da forma dum fantasma, um misto de Corcunda–de-Notre-Dame com um saco de Farinha-Nacional-de-50-Quilos. As queixas acumulavam-se à porta do domador da fera, os papéis azuis de vinte e cinco linhas entupiam a entrada para a sala de Artes Gráficas. Até o Windows 95 tinha fugido em pânico! O que fazer para parar esta máquina infernal de chutos, pontapés e borradas?

Sunday, September 05, 2004

O Universitário - Odisseia 2


                         Camarada Choco
                                         Aventura 15 


 

A Faculdade sobressaía imponente do meio verdejante do Estádio Nacional. O laboratório esperava impaciente pela Máquina Humana que se encontrava a uns escassos quilómetros de distância, mais propriamente à porta do ginásio, pela centésima vez, da Instituição onde, afincadamente, se dedicava a tirar o curso “Bucis, Dobradiças e Pinceladas” , tendo em vista ocupar num futuro próximo o Conselho de Gerência da empresa do pai, mas somente nos dias quentes de Verão, visto a mãe se recusar a abrir a loja nos dias frios e húmidos de Inverno, devido ao enrejelamento do único neurónio cerebral, característica partilhada por todos os membros desta tradicional família brandorenha.
A carrinha que se preparava para rumar em direcção ao Palácio da Ciência não saía da fase dos ratés, talvez em solidariedade com o nosso grande Choco, que também manifestava a sua raiva com uns “descuidos” giríssimos, junto à porta da sala de treinos.
- Há,ó,ó,ó,há,à – gritava o nosso herói do filme “E Tudo os Microcéfalos Levaram”, apontando para o interior do micro pavilhão.
Na carrinha o chauffer exprimia a buzina ao máximo e também ele já dava ratés.
- Então, o homem vem ou não !??
- O Choco quer entrar no ginásio, senhor Porres.
- Digam-lhe que a festa hoje é na Faculdade e já estamos atrasados.
Nada demovia o nosso Hércules. Mas algo inesperado, e bem-vindo, aconteceu. Um relógio da marca “United Colores of Benton” encontrava-se perdido a um canto do corredor e uma funcionária ousou encontrá-lo.
-Quem é que perdeu um relógio ? – perguntou em voz grossa.
A confusão era tanta que ninguém lhe prestou atenção...ninguém !??..ninguém não, um irredutível valente agarrava corajosamente no Leão, com o fato a escorrer, felizmente ainda não era sangue, mas da espuma que saía abundantemente dos caninos da fera, agora cravados na porta da “Sala de musculação para mongas e afins”, e mesmo assim ainda conseguira captar a mensagem.
- Que horas é que ele marca ? – gritou
- 21h30 do ano de 1345 AC!
- É do Choco – disse de imediato o valente esquivando-se, mais uma vez, do ataque furioso do Pantera.
O Choco reconheceu o objecto, retraiu as garras, embrulhou a língua, puxou a face pontiaguda de encontro ao crânio e presenteou-nos com o seu sorriso “após um 69”, rumando ao encontro do senhor Porres, que já se encontrava à beira de um ataque de caspa miudinha.
Na Faculdade todos esperavam por esta espécie de simbiose entre o Zé Maria e o John Holmes. Até um especialista vindo expressamente do país mais poderoso do Mundo, um Professor Doutor ( por extenso ), fazia questão de estar presente e participar no teste do Senhor Doutor Choco ( também por extenso ).
Trinta minutos depois e envolto num denso nevoeiro, a carrinha aterrou na Motricidade Humana trazendo a bordo o “Desejado” e as suas inseparáveis faluas vermelhas número 50. A alma branca do Choco contrastava com a cor acastanhada do seu fato de treino do 1º Domingo do Ano Lectivo anterior. Até a sua aura exalava um odor corporal digno dos melhores cobridores da Brandoa.
- Hello, Is this the athlete ?
- Há-ó-ó-há-bóbó – respondeu o nosso querido e estimado Choco no seu melhor inglês, dando a entender ser um especialista nato com a língua.
Entrámos para o laboratório e ficámos de imediato encadeados com a panóplia de luzes e aparelhos que nos aguardavam, sequiosos de prazer. E sequiosa para iniciar o teste estava a nossa cobaia! Tal qual um felino a atirar-se sobre a presa, o Choco dirigiu-se sem receio para o tapete rolante sendo, mais uma vez, traído pelos majestosos paquetes cor de sangue, que o obrigaram a projectar-se de encontro a um enorme cogumelo vermelho, que de imediato obrigou o computador a debitar um número igual ao de uma cautela da lotaria popular. Após uma breve reanimação da enfermeira, que não ganhou para o susto depois de ver tão apolínea figura, ou por ver todo o seu trabalho a ir pela pia abaixo devido a uns Adidas indianos, iniciou-se a ligação das duas máquinas, a artificial e a natural. Tentou-se em vão ligar um conjunto de eléctrodos ao peito do Eleito, mas estes não estavam habituados a agarrar em crostas ensebadas. Foi necessário pedir uma lixa 70 ao senhor Trabujo para assim podermos abrir caminho em direcção à pele do Monumento.
- 1,2,3...teste !
E o computador confirmou a ligação do coração ao hardware.
- Há, ó, ó , á, bóbó – gritava o Choco de prazer, notando-se uma tumefacção debaixo dos sete fatos de banho.
De seguida tentou-se introduzir na boca do herói da Brandoa o analisador de gases, uma espécie de vibrador labial, de cor branca. Mais um problema ! Com a emoção, própria destas situações, o Choco quase que o engoliu, mudando a sua facies de peixe corneta, para a de uma anaconda gigante. Um safanão na cifose fez com que projectasse o aparelho de encontro à parede da sala. Quanto ao computador, dava sinais de não entender nada de nada, as luzes mudavam de cor a um ritmo estonteante e as curvas dos gráficos ultrapassavam o espaço do écrã, dando a entender que tentavam aproximar-se do esquema mental do senhor Choco. Após algum esforço nas tentativas de ligação da Máquina Humana à máquina do Homem, foi dada luz verde para se iniciar o teste. O tapete rolante começou a roncar e atrás dele foi a gazela.
As rotações aumentavam, as da máquina, através dos números, e as do Choco, através das alterações aerodinâmicas, facias e costais, que davam a ideia, e o temor, de que o nosso garanhão iria levantar voo a qualquer momento. A prova aproximava-se do fim, o oxigénio fugia do corredor como o Diabo da Cruz, a cor vermelha das bochechas mudara para azul e os célebres ténis cor de Ferrari pareciam querer fugir dos pés que os alimentavam. Ingratos !

Trás – Pum – iiiii – Chuá
Gritou o bucal quando desacoplou dos beiços carnosos do sensual pantera branca da rua Roque Gameiro e foi esborrachar-se no écrã de 17 polegadas que fazia a ficha à fera.
- Stop, Stop – ordenou o mestre, mas sem sucesso.
A cobaia fazia questão de continuar, estava mais programada do que as máquinas. O professor saiu do seu lugar de espectador deliciado, pôs-se de gatas e num ápice encontrou o silicone. Algum tempo depois já estava colocado, tal qual uma rolha, na boca musculada do Choco, que agora ameaçava catapultar o olho esquerdo.

Trás – Piiiim – Pòin – Chuáá
- Stop, Stop – gesticulava o americano, mostrando à assistência também ser adepto de faluas nº 50.
A gazela fazia orelhas moucas, a meta estava a um piscar de olhos, mas de momento só podia usar o olho direito, visto o outro já deitar fumo e ter a pálpebra colada à testa devido à força do vento.

PUM – PUM
O raté do Choco foi tão violento que colocou o Professor Doutor do país mais poderoso do Mundo na sala ao lado, ao colo de um Professor Doutor do país do Achamento.
E como mandam as leis da Física, a uma acção há sempre uma reacção, consubstanciada no arremesso do silicone, desta vez para o lado esquerdo, devido à posição da boca da fera, indo este alojar-se na boca da assistente, que acusou um excesso de dióxido de carbono e baba no gráfico do computador, levando a incauta observadora a ingerir de imediato um frasco de álcool, receando ficar igual ao atleta tostado...perdão...testado. Tomara ela ter no seu código genes tão finos e delicados como os do Choco !
Fim da prova, discussão dos dados e conclusões:

Ter-se-ia de pedir aos “states” um outro tipo de vibrador....perdão...bucal, mais indicado para o nosso campeão.

Nova marcação, nova corrida !
O nosso querido menino saiu da Faculdade tal como entrou, envolto numa estranha neblina, igual à do D. Sebastião, também ele um grande choco.

Algumas Semanas Depois !
- Então o homem vem ou não vem? – barafustava o chauffer de nome Porres, ao mesmo tempo que tentava, desesperadamente, pegar a velha carrinha já meio amongoada.
- Está colado à porta do ginásio.
- Porra, não me digam que perdeu outra vez a cebola ? – gritou, dando um murro no volante e conseguindo pôr o motor a rugir.
- A cebola não é, está no tornozelo.
- Há, ó, ó, ó, ó, á – espumava o senhor Choco, dando um violento pontapé na parede, fazendo com que a falua esquerda número 50 abandonasse o pé e fosse colar-se ao tecto, devido ao excesso de sebo que transbordava do seu interior.
- Abram-lhe a porta antes que ele destrua o edifício – ordenou o motorista, puxando agora dos galões de Presidente da Instituição e mostrando o cartão que comprovava a sua genuína autoridade.
Desta vez eram uns calções tipo cueca que faltavam ao Pantera Branca, um pouco encardida, da Brandoa. Não podia ir para a Faculdade só com 6 pares vestidos !
A chegada ao recinto da Universidade foi mais gloriosa. O fumo era tanto que os milhares de alunos fugiram do local pensando tratar-se do dia do Juízo Final.
O estrangeiro desta vez tinha tomado as suas precauções. Toda a equipa estava protegida com o equipamento usado no Futebol Americano. Quanto ao Choco, ainda vinha mais cheiroso do que na sessão anterior.
Mas tudo correu às mil maravilhas, o nosso leão vinha mais potente do que nunca e atingiu a nota máxima, excepto na parte final em que cuspiu novamente o bucal. A causa foi descoberta nas folhas da Net que acompanhavam a biografia autorizada do nosso Bomba: o perfil anatómico tinha uma pequena variação em relação à maioria dos da espécie e quanto a isso a tecnologia estava ainda um pouco atrasada.
A festa acabou com o Porres a gritar bem alto, como manda um bom político:
- Comigo a Presidente todos vão ficar iguais a este !

Thursday, August 19, 2004

O Universitário - Odisseia 1

                          Camarada Choco


                                      

A emoção era enorme e imprópria para cardíacos, coxos, zarolhos, carecas e afins. Pela primeira vez na história da nossa querida Cooperativa de Reabilitação...etc.,etc., e mais algumas mariquices, um dos seus associados tinha sido seleccionado, entre muitos milhares de mongas ( metade da população portuguesa ), west boys, cromossomas-x-men, Dandy-Walker’s e muito mais hippies, para fazer parte da selecção mundial...perdão, é a emoção a ultrapassar o meu discernimento....para fazer parte da amostra dum estudo que se iria realizar numa Faculdade.

Nome do Herói: CHOCO SILVA, ou melhor, DR. CHOCO SILVA (com letra Maiúscula e a Negrito).

Ficaria assim para a história da Brandoa como o primeiro Treacher-Collins a norte do Tejo a ingressar numa Universidade !
Iria ser sujeito a um treino intensivo durante algumas semanas e depois teria de passar por implacáveis exames finais. O Choco nem estremeceu, estava desde aquele momento pronto para a luta, com o peito ao vento...peito !??..Oh não...enganei-me...com a Cifose...lá estou eu a armar-me em intelectual...com a marreca ( nome popular ) ao vento e a língua junto aos pés.
Ainda a madrugada era uma menina e já o nosso atleta montava arraial à porta do ginásio, devidamente equipado com a sua jurássica camisola de alças número 69 do Benfica, os seus calções verde esperança e os ténis número 55, sendo os 12cm em excesso ocupados pelas suas unhas estilo predador e para amortecer o cheiro de doze anos consecutivos sem ver a luz do Sol e as carícias da água.
1,2,3..., eram tantas as flexões que até a cifose dorsal desaparecia no meio de toda aquela massa muscular, parecendo ir instalar-se sorrateiramente na face sensual do nosso Sansão, que ficava agora mais parecido com um peixe corneta.
4,5,6..rugia o leão da Brandoa, à medida que fazia manguitos com a barra de 15 quilos, ou seriam toneladas!?? A expressão facial e a posição da língua, que já tocava na testa, tendiam para a segunda hipótese.
Na 8ª tentativa o colapso traiu as expectativas e o ferro caiu com estrondo no seu sensual pescoço, provocando o arremesso imediato dos seus ténis vermelhos contra a parede branca, assim como o crescimento descontrolado das unhas pré-históricas, que se enrolaram com estrondo na língua em forma de jibóia, ao mesmo tempo que deitava fumo pelas orelhas. Foi graças às toneladas de roupa que o Choco sempre trazia na mochila que conseguiram extinguir o fogo.
A prova seguinte fazia apelo aos seus abdominais. E este parecia ser o ponto forte do nosso Tarzan Choco Taborda!
- Preparado...atenção...vai – gritou o professor com voz grossa, digna de um verdadeiro treinador.
Mas só veio a língua, que recolheu com um pedaço de caliça do tecto. Iria ser o fim do mundo quando o chefe Porres tomasse conhecimento da ocorrência! Deu-se por finalizado o primeiro de muitos treinos. O nosso herói pegou na mochila, que geralmente pesa toneladas, devido aos milhares de cassetes piratas, bugigangas, roupas, toalhas, fatos de banho, shampôs, chinelos, óculos de mergulho e muitas, muitas mais surpresas que o acompanham para todas as actividades da vida diária.
Ainda os poucos galos da cidade não tinham tocado nas cornetas e já o nosso UNIVERSITÁRIO estava junto à porta do ginásio, pronto para o segundo combate.

Prato do Dia: Resistência Aeróbica

- Aos seus lugares...pronto...Piu !
Tal como um trovão, o nosso querido Choco partiu em slaide, com os ténis a chiar e o escape na máxima potência. Contra todos os prognósticos e apostas, não foi longe! Ainda não tinha atingido o meio da recta e já se precipitava de encontro aos paralelepípedos. O cronómetro não parou, obrigando o nosso Carlos Lopes da Brandoa a retomar a marcha. Mas nem assim melhorou ! Novo despiste no mesmo local. O director da prova deu ordens para se suspender o encontro e ordenou um exame rigoroso à máquina e ao terreno. Neste não havia nada que fosse o responsável, nem mesmo uma humilde bosta da cadela Duna. Geralmente os cocós tomavam banhos de Sol na relva do Porres e do Virgulino. A culpa era dos pneus!
- São inadequados – gritou o responsável.
Os ténis vermelhos eram grandes demais para as jantes. Metade deles, mais precisamente as partes da frente, não acompanhavam o andamento e ficavam sempre para trás. Treino suspenso até mudança de faluas.
Dia 3. Mais uma vez o atleta a antecipar-se aos galináceos.

Prato do Dia: Flexibilidade
A caixa, emprestada pela faculdade já esperava ansiosa pelo utente. Primeira exigência: o jovem tinha de se descalçar!...Descalçar !??..Meu Deus, e o ambiente, a camada do Ozono, iriam aguentar ?? Desatar aqueles paquetes iria ser um trabalho “herculíneo”. Pelo menos mil nós dados desde o nascimento até à idade adulta, separavam as fedorentas meias do final do século XX. Missão Impossível! Foi com o auxílio de um pé-de-cabra meio monga que as carcaças saíram, levando coladas parte das unhas encravadas e do seu conteúdo calórico. A partir daqui o odor insuportável a chulé-por-camadas traiu a consciência dos presentes e dos mais próximos e só voltaram à luz do dia com a ajuda dos profissionais do 112. Quanto à “flexibilidade”, esta alternava de lado por influência da marreca, da escoliose e de outros problemas afins.
Há certos momentos que temos a sensação de que o Tempo anda a gozar connosco. Ainda mal tínhamos recuperado do dia anterior e já o Choco se encontrava pronto para mais uma corrida.

Prato do Dia: Salto em Comprimento sem Balanço

Duas marcas de giz branco no chão assinalavam o ponto de partida e o de chegada. Os ténis benfiquistas persistiam em não largar o grande Choco Silva e por isso teve de ser feito um desconto pessoal: a Segunda linha recuou 10 centímetros! Foi-lhe explicada, da melhor maneira possível, a técnica ideal para ser um verdadeiro campeão.
- Hã, hã – rugiu o nosso herói, dizendo que tinha percebido claramente as instruções....ou talvez não!??....agora já era tarde de mais!
O garanhão já estava preparado para o Take Off ! As asas balançavam freneticamente, das orelhas já saia fumo branco, a língua esvoaçava em todo o seu esplendor, a cara parecia o Concorde. Colocaram colchões na parede distante, para o caso do jovem decidir aterrar na sala ao lado. Quando partiu o fumo já tapava todo aquele magnífico Jumbo da Brandoa e o barulho era ensurdecedor. O Landing provocou um autêntico terramoto. Uma eternidade até o fumo desaparecer.....todos olhavam estarrecidos para a parede, tentando vislumbrar o nosso Ser Olímpico. Mas dele, nem sinal ! Teria entrado em órbita, estando agora a ser cobiçado por um par de marcianas siamesas ?
- Está ali – gritou um dos assistentes, obrigando-os a olhar para trás.
E estava mesmo.... a 10 centímetros à frente da linha da partida.
O cabedal do herói crescia a olhos vistos. A prova dos nove veio num dia de Sol na casa dos pais. Estavam os pintores a dar novas cores ao quarto de dormir dos progenitores quando foram surpreendidos por gritos femininos alucinantes vindos da cozinha. Desceram apressadamente dos escadotes e correram como lebres para o local da tragédia. O espectáculo era arrepiante ! O nosso atleta acabara de atacar, tal como um felino, a sua progenitora e a sua querida irmã, que desde o nascimento partilhava com ele o síndrome de Treacher – Collins. As duas fêmeas já estavam “Ko” e o agressor transportava-as agora como os antigos Treacher – Collins das cavernas. O chefe da família foi confrontado com a dura realidade quando chegou do trabalho, já a noite ia longa. Lançou-se de imediato no encalço da fera, que tentava desesperado contar os carneiros, que teimavam em não sair do número três. Apanhou-o num momento de fraqueza e lançou-lhe um grito de morte:
- Se eu um dia chegar a casa e encontrar a tua mãe e a tua irmã aqui esticadinhas, dou-te uma sova que também ficas alinhadinho com elas.
Ainda o nosso herói não conseguira guardar o rebanho e já o cinto, comprado na feira da Brandoa, lhe fazia uma tatuagem na marreca.
- Querido toma cuidado com o teu “castrol”, que está muito elevado – avisava a vítima mais velha, tentando salvar o seu menino das garras do seu garanhão.
No dia seguinte o Universitário apresentou-se, tal qual um Apolo, na zona dos treinos. O mau tempo do dia anterior já não fazia parte da sua memória ( nem cabia ! ). Desta vez ia em direcção à Faculdade, precisava de se adaptar aos aparelhos. Os efeitos do árduo trabalho sobre o escultural corpo do Choco eram bem visíveis na inclinação lateral da carrinha, também ela deficiente.
O tapete rolante já roncava e o atleta olhava para ela como um palácio para um boi.
- Ah, á, á – dizia, e muito bem !
- Pronto ? Go, go...
- Nem os ruídos fisiológicos prejudicaram o arranque do pantera branca da Brandoa, que lá seguiu tipo foguetão, esteira acima.
O dia D aproximava-se, assim como o estudo exaustivo da fera.

Tuesday, August 10, 2004

A CARTA


                         Camarada Choco
                                          
Estava o chefe calmamente a arrumar os papéis na secretária, quando o telefone tocou de mansinho. Ainda teve tempo para deitar um último olhar ao relógio, que o informou serem horas do recolher. Levantou o auscultador e foi de imediato metralhado por uma voz à beira de uma convulsão:
- A minha filha foi convidada pela Escola para um show porno no dia 24 de Março - gritou um enlouquecido, ensandecido, desvairado, endoidecido, desatinado, frenético, enfim, um mentecapto, do outro lado da linha.
O chefe nem queria acreditar ! Estaria a delirar ou já estava em casa a dormir e o excesso de trabalho provocava-lhe alucinações ? Não, era mesmo verdade.
- Estou !??
- A minha filha foi convidada pela Escola para um jantar íntimo à luz das velas e tem de ir vestida com uma blusa decotada e mini-saia - atirou o outro de rajada.
- O quê, com quem é que eu estou a falar ? - perguntou, atónito, o Chefe, pondo-se de pé, tal qual um felino, passando a falar de cima para baixo.
- DAQUI FALA O ENCARREGADO DE EDUCAÇÃO DA PALMIRA MELGA - respondeu em voz maiúscula.
- Boa-noite, senhor Evaristo Melga !
- BOA-NOITE NÃO, MÁ-NOITE. ENTÃO VOCÊS ANDAM A CONVIDAR AS ALUNAS PARA ENCONTROS DESAVERGONHADOS? - tornou a gritar o papá Melga.
O Chefe nem queria acreditar. Agora tão perto da reforma, depois de ter cumprido várias comissões militares no Ultramar, só faltava esta melga para lhe estragar o resto do dia.
- O senhor está a dizer que recebeu uma carta da nossa Instituição a convidar a sua filha...
-....PARA UM ENCONTRO SEXUAL....PEDEM PARA ELA IR TODA NUA...
O Chefe deitou um rápido olhar para um Tegretol que dormia descansado a um canto da secretária e desejou poder envia-lo, via Telecom, para aquele pai tresloucado.
- O senhor vai-se acalmar e amanhã manda-nos a carta pela sua filha.
- MANDAR A CARTA PELA MINHA FILHA !?? NÃO, NUNCA, JAMAIS....
Uma carta daquelas nunca poderia ser transportada por uma menina deficiente. E se ela engravidasse, mesmo não sabendo ler ? Hoje em dia não se podia confiar em ninguém, o perigo espreitava em todos os sítios, os pedófilos....perdão...os mongófilos não davam descanso às pobres damas, até já atacavam dentro dos envelopes. O senhor Evaristo Melga arriscava-se a ter um envelope como genro e a ser avô de uma melguinha correio azul.
- Então venha cá o senhor entregar-nos a carta.
- E DORMIR !?? APESAR DE EU SER UM PAI ATENTO E PREOCUPADO, AS RESSACAS.....OS SERÕES DE TRABALHO OBRIGAM-ME A DORMIR DURANTE TODAS AS MANHÃS. VOU ENVIAR-LHE A CARTA E A MINHA MULHER. MAS NÃO SE ESQUEÇA, SENHOR DIRECTOR, A MIM NINGUÉM ME CALA !
A carta foi entregue com nojo, diria mais, com asco...com aversão..com repugnância...pela agastada mãe à beira do precipício da vida. O local onde ela julgava que a sua filha estava e estaria sempre em segurança, revelara-se agora numa diabólica armadilha, que não hesitava em enviar espermatozóides liofilizados através dos CTT, um produto mais corrosivo do que a própria droga. Que mais coisas tenebrosas poderiam fazer ? Seriam cobaias de experiências comportamentais ? Aquela sala de luzes e sons, que a tinha maravilhado, não seria um laboratório de experiências sexuais ? A televisão tinha razão ao alertar e mostrar ao mundo estes centros de terror. Depois desta reunião com a direcção iria à SIC denunciar estas conspurcação, esta depravação, esta profanação e com certeza que o seu Evaristo Melga iria abrir o telejornal das 20H00, sendo assim o primeiro "Informador" português, aquele que descobrira o verdadeiro objectivo das Cercis deste país.E assim o envelope foi aberto e lido em voz alta o seu diabólico conteúdo:

" Vimos por este meio informar que a sua educanda Palmira Melga vai participar numa prova de Natação no dia 2 de Março. Neste dia terá de trazer fato de banho, toalha e chinelos ".

Saturday, August 07, 2004

Desenvolvimento Pessoal e Social

                           Camarada Choco

                                             Aventura 12
 
O tema escaldava ! Pedia-se a colaboração de todos, tinha-se chegado a um ponto sem retorno, o abismo estava cada vez mais perto, a ponte para a outra cueca...perdão...para a outra margem tinha de aparecer o mais rapidamente possível. “Sexo”, sempre o maldito “sexo” ! Ficar-se-ia pela teoria, como do costume, ou tentar-se-ia socializar a prática ?
A Natureza andava a brincar connosco. Privava-nos de muitas coisas, mas no que tocava ao “chéxu” estava tudo intacto. Era só esperar pela chegada da Primavera e aí estávamos todos a abanarmo-nos de todas as formas e feitios, para chegarmos ao mesmo prazer. E quais iriam ser os temas a transmitir-nos ? Seriamos divididos por classes, os Eremitas, os Pescadores ( tudo o que vem à rede é peixe ), os Predadores, os Arrastões...etc.,etc., ou ficaria tudo ao molho ? Ou até não teríamos direito a participar, pois só aos doutores diria respeito ! Ainda as decisões não estavam tomadas e já choviam propostas:
- Os alunos da Educativa poderão ir visitar os do C.A.O. !
Uma simples visita de cortesia ou um encontro mais picante !?? E quais seriam as regras?? Existiria fora de jogo e cartão vermelho ? Quantos doutos juizes ? Não seria melhor deixar andar as coisas como estavam, do que ir mexer num vulcão meio adormecido ? A decisão estava tomada....
A sala 6 da Área Educativa, constituída por meninos e meninas no início da Puberdade tinha sido a escolhida para ir fazer uma visita sexual....perdão...perdão....uma excursão de trabalho à sala 9 da Área do C.A.O., para aí assistirem a uma Acção de Informação sobre “Sexo”. A excitação estava dentro dos parâmetros normais, incluindo duas convulsões de última hora. A saída decorreu ordeiramente ao som de um ritmo caótico e alucinante.
Na sala a Formadora esperava pacientemente os utentes, entretendo-se a desenhar num quadro um estranho objecto constituído por dois círculos pequenos e uma linha recta avantajada. Os assistentes foram-se acomodando à medida que chegavam e algum tempo depois o local já fervilhava de mongas teenagers inconsequentes.
- Bem, podemos começar – avisou a oradora, apontando para o desenho – Isto é um Pénis ! Alguém sabe o que é um Pénis ?
- Énis...Énis – levantou-se de imediato alguém da assistência com o braço no ar – Énis, Énis...
- Diz lá, Palmira Melga, o que é um Pénis.
- Énis...Énis – gritava excitada a espectadora à beira de uma convulsão, sendo acompanhada pela multidão em histerismo – Énis, Énis...
- Vá lá, explica aos teus colegas...
E como um gesto vale mais do que mil palavras, puxou de imediato o Choco que estava ao seu lado e prontificou-se para mostrar o que era o “Énis”. O macho não cabia em si de contente por ter sido ele o eleito e já deixava escapar a sua enorme língua de encontro ao chão. Abriu os braços e avançou a bacia em sinal de cooperação.
- Énis, Énis – continuava a gritar a intelectual.
Puxou pelo indicador da mão direita e colou-o de imediato nos ténis vermelhos número 50 do seu querido e respeitado Choco. A decepção foi geral, mas não evitou que a turba se lançasse furiosamente de encontro a todos os ténis presentes. O retorno à calma demorou uns longos trinta minutos, tendo sido necessário recorrer a todos os calmantes disponíveis na sala. Quanto ao macho eleito, ainda se podia ver o seu gesto reprovador, como que chamando burra à sua ilustre colega.
- Énis, Énis – gritava ininterruptamente a interveniente, alheia ao caos em que se transformara o “Desenvolvimento Pessoal e Social”.
- Quem sabe o que é um “pénis” ? – tornou a perguntar a Formadora.
De imediato, o Choco tomou a iniciativa e saltando para o palco, tal qual um felino, gritou bem alto para quem o quisesse ouvir:
- Áálho, áalho, áalho – rosnava o nosso herói do cinema mudo, ao mesmo tempo que baixava furiosamente os calções...os calções...os cinco calções multicolores que trazia desde o mês anterior.
Nem as vozes contra o demoveram da exibição e num piscar de olhos ficou com a cintura pélvica ao léu, mostrando ao público presente o apêndice avantajado, torto e com um nó na ponta com que os céus o tinham presenteado e agora aumentado com o calor da discussão. E, no meio disto tudo, ainda se ouviu um grito alucinado duma das presentes, que desmaiou com a emoção. Era a nossa querida e estimada Madame Amorim ! Quanto ao Choco, permanecia parado e orgulhoso, exibindo o seu fabuloso Chevrolet com os pneus furados, uma precaução da Natureza, não fosse ele querer seguir as pisadas dos progenitores e manter indefinidamente a inscrição da família Choco na Segurança Social.
A primeira parte da sessão estava concluída, já não havia dúvidas quanto ao “Pénis”. No entanto, foi necessário esperar algum tempo para fazer sentar a Papoila que, devido à sua fraca visão, insistia em ver o Chevrolet, tendo-se para isso deslocado para junto do colega e colado os olhos ao seu descomunal pepino. Quanto aos outros machos presentes, todos eles também exibiam os seus dotes às colegas interessadas...todos!??....todos não, havia uma excepção, o Ambrósio Caspa que, por mais que procurasse, não conseguia vislumbrar o seu cacete, ausente devido às contingências genéticas.
- Amigos, tenho outra pergunta para vos fazer – avisou a Formadora, conseguindo captar, depois de muito esforço, a pouca atenção dos presentes.
O próximo tema também não era dos mais fáceis. Foi com muito medo que se atreveu a passar à questão seguinte:
- Alguém sabe o que é uma “Vagina” ?
Foi demais ! Com esta o Choco não se aguentou e atirou-se sofregamente à Zobaida, que permanecia no seu normal estado letárgico rodeada de moscas, mas foi traído pela sua visão estereoscópica, indo cravar os dentes na roda traseira esquerda, que apresentava um piso careca, despedaçando-a com estrondo, facto este que provocou um súbito desequilíbrio na pré-histórica cadeira de rodas, que não aguentou a traição da força da Gravidade, arremessando, de imediato, o seu pesado conteúdo de encontro ao chão frio. Mas como o destino é madrasto, nesse preciso momento ia a passar a apressada Lolita que não teve outro remédio senão apanhar com os cento e tal quilos da sua colega, ficando espalmada, tendo ainda tempo de atirar umas sábias palavras para o ar:
- Organizem-se !
Foi com muito esforço que conseguiram dominar o senhor Choco, tendo o Conselho Pedagógico, que reuniu de emergência, deliberado amarrá-lo a uma cadeira. Decidiu-se também avançar com a projecção do pequeno, mas muito elucidativo, filme “A Actividade Sexual dos Caracóis, das Lentilhas e dos Percebes” da autoria do Alto Comissariado Europeu para a Igualdade no Trabalho e no Sexo ( A.C.E.I.T.S. ), que estava previsto para o final da sessão. Entretanto, os organizadores desta educativa e pedagógica Acção de Formação acharam por bem também eles recorrerem à ajuda dos milhares de drunfos postos à disposição dos presuntos....perdão...dos presentes. Pode ainda ouvir-se o protesto do Fangio Espástico, que queria que pusessem no ar a cassete com a gravação da sessão do canal 18 da TVCabo do dia anterior.
As lentilhas foram mais eficazes do que os caracóis, pois conseguiram adormecer a assistência, principalmente o impetuoso Choco que dormia agora como um anjinho, no regaço da sua amada Florbela. Quanto aos responsáveis pela organização, já estavam de novo preparados para a acção:
- Vamos falar outra vez sobre “Vagina” – principiou a titubeante Formadora, lançando um olhar medroso para as suas colegas, ao mesmo tempo que ligava o projector de slides que atirou para o écrã a imagem de uma rosa.
O tema era muito forte ! O nome da Rosa mexia demais com as profundezas da alma e das....cuecas....do nobre e altivo Choco, obrigando-o a dar um pulo majestoso, tal como um garanhão, mergulhando de cabeça no retrato...
- Ele vai dar cabo do écrã – gritou a Formadora, conseguindo afastar-se a tempo do predador.
Não se sabe a causa, nem o truque utilizado, mas todos são testemunhas juramentadas de que o herói saiu do local com uma rosa vermelha entre os dentes. Quanto à do écrã, desapareceu misteriosamente sem deixar rasto.
- Lá vão as lentilhas outra vez – gritou o projectista, rodando o manípulo do aparelho.
Ficou-se pelos bivalves e quanto aos utentes, que se desenrascassem na próxima Primavera.






Thursday, August 05, 2004

A Sala de Snooker

                           Camarada Choco
                                                                

 A notícia não podia ter sido a melhor: a Sala de Snooker já tinha aberto ao público......perdão.....Snoezelen......Sno quê !??..... Snooker, aquela com um tampo verde, muitas bolinhas coloridas, uns quantos buracos e uns tantos paus!??...Não, não, Snoezelen, também havia bolinhas, mas mais, muito mais, um colchão de água que vibrava e debitava música, uma bola de espelhos, um tubo alto com água e peixinhos coloridos, que mudavam de cor quando lhes tocavam, e outras atracções, que eram para o menino e para a menina. Portanto, Snooker “Sim”, mas um Snooker da Guerra das Estrelas, capaz de excitar o mais profundo dos colegas. E tudo isto por uma pequena bagatela: três mil contos!!
Resolvi antecipar-me à realidade e dei um pulo ao Futuro (nos sonhos pode-se tudo ). Lá estavam eles, os meus queridos amigos de infortúnio esperavam ansiosos a sua vez de curtirem, o néon colocado à porta da casa de espectáculos indicava que era ali o sítio mais in da cidade da Amadora:

Sala de Snooker
... Ò Perdão ...

SALA DE SNOEZELEN

...onde até o teu bisavô embalsamado diz “YES”....

.....anunciava com orgulho a luz cintilante.

O ambiente, enevoado pelo fumo dos cigarros estilo anos 30, mostrava que a tensão, em todas as partes do corpo, era muita. Havia homens e mulheres a preceito.
- Olha o calmante, Vallium 20 do melhor – anunciava a nossa querida Lolita, vestida de coelhinha do PlayBoy, tendo nos pés as famosas faluas 53 do seu amante Choco.
- Quero Fê.....Fê....Fê – gritou um macho de óculos escuros barrando o caminho à vendedora.
- Vê lá se te organizas – disparou de imediato a artista do Portugal dos Pequeninos.
- Fê...Fê... – e o senhor Kodak não passava disso, parecia ter o cromossoma extra do vinte e um encravado na garganta.
Ao seu lado uma senhora com a cara de toupeira mantinha um diálogo animado com as suas próprias mãos. Era a dona Snawzer, uma jogadora inveterada, viciada ainda no Colchão de Água, mas já curada do Pufo. Numa cadeira próxima, uma snoezelendependente careca tentava desesperadamente dar lustro à sua cabeça , roçando violentamente com esta numa placa de anúncio, que avisava:

“ Neste Estabelecimento é vedada a entrada a indivíduos com P.C. “
P.C. !?? Partido Comunista !?? Estava vedada a entrada a deficientes inscritos no Partido Comunista !??
- Ordens da Dra. Sem canudo! – apressou-se a esclarecer a abstracta Dona Lolita – Os utentes com Paralisia Cerebral podem ir dar uma volta ao bilhar grande, porque isto não é para os vossos dentes....perdão...para os vossos ossos.
- Avante camaradas – gritou o Fangio Espástico acelerando contra a multidão, ao mesmo tempo que dava sinal ao extenso cordão de mongas para o seguirem.
Parecia uma das cavalgadas dos filmes do velho oeste:

- na ponta esquerda o lendário Ambrósio acelerava como uma lesma, deixando para trás a sua própria caspa;

- ao seu lado, mas um pouco mais à frente, a famosa lebre sem patas, o inigualável Zé Balbas, deixava no soalho as marcas da borracha dos sapatos;

- no extremo direito e um pouco atrás, a pesadona Mercedes Esgoto deixava no chão um rasto como o caracol, mas acastanhado para dar um toque pessoal;

- em sentido contrário seguia a Telma Estrábica ao encontro dos seus fantasmas;

- em passo de corrida, quase junto ao líder, a madame Castafiore cantarolava tão afinada como a sua progenitora de cabelo verde;

- e muitos mais que a História iria registar para sempre no imemorável filme ,

“ A Fuga dos PCs para a Brandoa “.
Lá dentro a loucura era total ! O Tubo Mágico embebedava as almas atormentadas e estas lançavam os neurónios, tal como os dados num jogo de Poker, pelas áreas apertadas daqueles cérebros micros, indo bater de encontro às luzinhas que subiam pela coluna. O Colchão de Água, para além de vibrador, soltava uma música radical, a dos “Rolingspásticos”, a banda de rock do momento. O Pufo já era, a Zulmira Destravada tinha-lhe pregado uma dentada monumental e agora o seu conteúdo esvoaçava pela boîte, dando um toque natalício ao ambiente.
- Neve, neve – gritava tresloucada a madame Amorim, uma veterana nestas andanças, deixando cair, com estrondo, os dois anõezinhos que tinha escondidos nos sovacos....sovacos não...axilas...axilas!?? .... A madame Amorim nunca teve axilas, mas sim sovacos, e dos grandes...SOVACÕES, já para não falar das crostas acumuladas nas suas pernas peludas, devido às ausências prolongadas ao chuveiro. E a sua progenitora que andava sempre tão aperaltada e perfumada !
Na Piscina de Bolas viam-se pernas, muitas pernas, acompanhadas de risinhos marotos, entrecortados por vezes por cabeças que emergiam com bolas coloridas entre os dentes, mas só por poucos segundos, desaparecendo de imediato nas profundezas.
Quanto à Bola de Luzes, a rotação era infernal e já levava agarrada quatro espásticos, três atetósicos, cinco coxos, dois marrecos e meio, sete micro, dois hidro, sem contar com a Zobaida que, devido à força centrífuga, já tinha abandonado o carrocel, encontrando-se a deslizar lentamente pela parede branca do recinto.
- Fujam, vem aí o chefe Porres – avisou o Zé Balbas.
- Mas tu não ficaste mudo depois daquele fim-de-semana alucinante oferecido pelas doutoras no dia das “ Comemorações do Regresso Pedagógico ao lar doce lar “ ? – perguntou a sempre atenta Lolita, afastando o melão do senhor Melão.
- É tanga, só não falo para receber o subsídio, mas à noite transformo-me no Super-Balbas, o maior orador de todos os tempos.
- Ó menina, ainda vais ficar muito tempo agarrada ao meu melão ? – refilou o senhor Melão ( não confundir com o dos “Excesso” ), apoiando-se na cabeça micro que lhe aparecia entre as pernas.
- Se já te tivessem operado a esta hérnia monstruosa não estavas aqui a ocupar tanto espaço – respondeu, de imediato, a candidata a deputada à Assembleia da República.
- O meu mal não é ter todo o intestino nos joelhos, é ter nascido preto e não ser filho de ministro. Os especialistas dizem que não é urgente !
- Sai da frente ó P.C., esta procissão “belongue” aos mongas – gritou o Johny Kodak, o rei dos trissómicos, uma espécie de maçons do Ensino Especial.
Num canto escuro e já um pouco inclinado pelos efeitos dos drunfos, o Choco mostrava a sua requintada arquitectura corporal a uma moça desprevenida.
Na Sala de Snoezelen a festa aproximava-se perigosamente do RedLine. Dentro do tubo já nadavam dois utentes e a Violeta ameaçava com uma crise existencial e tudo devido a eles não mudarem de cor quando lhes tocava. Os boateiros depressa espalharam que a boite era uma fraude, tinham-na comprado numa loja dos 300, não era uma Znoezelen genuína. Queriam a cabeça do responsável !
No ar pairava a ameaça de uma convulsão em bloco, um autêntico 25 de Abril dos deficientes.
- Calma, o povo é sereno – gritava para as massas a única pessoa lúcida, a D. Lolita, depois de ter trepado para as costas do Pitrongas.– Só tenho drunfos para os mais radicais ! Quem quiser reclamar dirija-se à Secretaria e fale com a chefe.
A festa acabou nos Serviços Administrativos com os utentes em histeria total e a Dona Sãozinha em início de colapso, depois de ver, mais uma vez, as folhas de pagamentos desaparecerem, desta vez engolidas pelos artistas mais incomodados.