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315 estórias

Thursday, August 05, 2004

A Sala de Snooker

                           Camarada Choco
                                                                

 A notícia não podia ter sido a melhor: a Sala de Snooker já tinha aberto ao público......perdão.....Snoezelen......Sno quê !??..... Snooker, aquela com um tampo verde, muitas bolinhas coloridas, uns quantos buracos e uns tantos paus!??...Não, não, Snoezelen, também havia bolinhas, mas mais, muito mais, um colchão de água que vibrava e debitava música, uma bola de espelhos, um tubo alto com água e peixinhos coloridos, que mudavam de cor quando lhes tocavam, e outras atracções, que eram para o menino e para a menina. Portanto, Snooker “Sim”, mas um Snooker da Guerra das Estrelas, capaz de excitar o mais profundo dos colegas. E tudo isto por uma pequena bagatela: três mil contos!!
Resolvi antecipar-me à realidade e dei um pulo ao Futuro (nos sonhos pode-se tudo ). Lá estavam eles, os meus queridos amigos de infortúnio esperavam ansiosos a sua vez de curtirem, o néon colocado à porta da casa de espectáculos indicava que era ali o sítio mais in da cidade da Amadora:

Sala de Snooker
... Ò Perdão ...

SALA DE SNOEZELEN

...onde até o teu bisavô embalsamado diz “YES”....

.....anunciava com orgulho a luz cintilante.

O ambiente, enevoado pelo fumo dos cigarros estilo anos 30, mostrava que a tensão, em todas as partes do corpo, era muita. Havia homens e mulheres a preceito.
- Olha o calmante, Vallium 20 do melhor – anunciava a nossa querida Lolita, vestida de coelhinha do PlayBoy, tendo nos pés as famosas faluas 53 do seu amante Choco.
- Quero Fê.....Fê....Fê – gritou um macho de óculos escuros barrando o caminho à vendedora.
- Vê lá se te organizas – disparou de imediato a artista do Portugal dos Pequeninos.
- Fê...Fê... – e o senhor Kodak não passava disso, parecia ter o cromossoma extra do vinte e um encravado na garganta.
Ao seu lado uma senhora com a cara de toupeira mantinha um diálogo animado com as suas próprias mãos. Era a dona Snawzer, uma jogadora inveterada, viciada ainda no Colchão de Água, mas já curada do Pufo. Numa cadeira próxima, uma snoezelendependente careca tentava desesperadamente dar lustro à sua cabeça , roçando violentamente com esta numa placa de anúncio, que avisava:

“ Neste Estabelecimento é vedada a entrada a indivíduos com P.C. “
P.C. !?? Partido Comunista !?? Estava vedada a entrada a deficientes inscritos no Partido Comunista !??
- Ordens da Dra. Sem canudo! – apressou-se a esclarecer a abstracta Dona Lolita – Os utentes com Paralisia Cerebral podem ir dar uma volta ao bilhar grande, porque isto não é para os vossos dentes....perdão...para os vossos ossos.
- Avante camaradas – gritou o Fangio Espástico acelerando contra a multidão, ao mesmo tempo que dava sinal ao extenso cordão de mongas para o seguirem.
Parecia uma das cavalgadas dos filmes do velho oeste:

- na ponta esquerda o lendário Ambrósio acelerava como uma lesma, deixando para trás a sua própria caspa;

- ao seu lado, mas um pouco mais à frente, a famosa lebre sem patas, o inigualável Zé Balbas, deixava no soalho as marcas da borracha dos sapatos;

- no extremo direito e um pouco atrás, a pesadona Mercedes Esgoto deixava no chão um rasto como o caracol, mas acastanhado para dar um toque pessoal;

- em sentido contrário seguia a Telma Estrábica ao encontro dos seus fantasmas;

- em passo de corrida, quase junto ao líder, a madame Castafiore cantarolava tão afinada como a sua progenitora de cabelo verde;

- e muitos mais que a História iria registar para sempre no imemorável filme ,

“ A Fuga dos PCs para a Brandoa “.
Lá dentro a loucura era total ! O Tubo Mágico embebedava as almas atormentadas e estas lançavam os neurónios, tal como os dados num jogo de Poker, pelas áreas apertadas daqueles cérebros micros, indo bater de encontro às luzinhas que subiam pela coluna. O Colchão de Água, para além de vibrador, soltava uma música radical, a dos “Rolingspásticos”, a banda de rock do momento. O Pufo já era, a Zulmira Destravada tinha-lhe pregado uma dentada monumental e agora o seu conteúdo esvoaçava pela boîte, dando um toque natalício ao ambiente.
- Neve, neve – gritava tresloucada a madame Amorim, uma veterana nestas andanças, deixando cair, com estrondo, os dois anõezinhos que tinha escondidos nos sovacos....sovacos não...axilas...axilas!?? .... A madame Amorim nunca teve axilas, mas sim sovacos, e dos grandes...SOVACÕES, já para não falar das crostas acumuladas nas suas pernas peludas, devido às ausências prolongadas ao chuveiro. E a sua progenitora que andava sempre tão aperaltada e perfumada !
Na Piscina de Bolas viam-se pernas, muitas pernas, acompanhadas de risinhos marotos, entrecortados por vezes por cabeças que emergiam com bolas coloridas entre os dentes, mas só por poucos segundos, desaparecendo de imediato nas profundezas.
Quanto à Bola de Luzes, a rotação era infernal e já levava agarrada quatro espásticos, três atetósicos, cinco coxos, dois marrecos e meio, sete micro, dois hidro, sem contar com a Zobaida que, devido à força centrífuga, já tinha abandonado o carrocel, encontrando-se a deslizar lentamente pela parede branca do recinto.
- Fujam, vem aí o chefe Porres – avisou o Zé Balbas.
- Mas tu não ficaste mudo depois daquele fim-de-semana alucinante oferecido pelas doutoras no dia das “ Comemorações do Regresso Pedagógico ao lar doce lar “ ? – perguntou a sempre atenta Lolita, afastando o melão do senhor Melão.
- É tanga, só não falo para receber o subsídio, mas à noite transformo-me no Super-Balbas, o maior orador de todos os tempos.
- Ó menina, ainda vais ficar muito tempo agarrada ao meu melão ? – refilou o senhor Melão ( não confundir com o dos “Excesso” ), apoiando-se na cabeça micro que lhe aparecia entre as pernas.
- Se já te tivessem operado a esta hérnia monstruosa não estavas aqui a ocupar tanto espaço – respondeu, de imediato, a candidata a deputada à Assembleia da República.
- O meu mal não é ter todo o intestino nos joelhos, é ter nascido preto e não ser filho de ministro. Os especialistas dizem que não é urgente !
- Sai da frente ó P.C., esta procissão “belongue” aos mongas – gritou o Johny Kodak, o rei dos trissómicos, uma espécie de maçons do Ensino Especial.
Num canto escuro e já um pouco inclinado pelos efeitos dos drunfos, o Choco mostrava a sua requintada arquitectura corporal a uma moça desprevenida.
Na Sala de Snoezelen a festa aproximava-se perigosamente do RedLine. Dentro do tubo já nadavam dois utentes e a Violeta ameaçava com uma crise existencial e tudo devido a eles não mudarem de cor quando lhes tocava. Os boateiros depressa espalharam que a boite era uma fraude, tinham-na comprado numa loja dos 300, não era uma Znoezelen genuína. Queriam a cabeça do responsável !
No ar pairava a ameaça de uma convulsão em bloco, um autêntico 25 de Abril dos deficientes.
- Calma, o povo é sereno – gritava para as massas a única pessoa lúcida, a D. Lolita, depois de ter trepado para as costas do Pitrongas.– Só tenho drunfos para os mais radicais ! Quem quiser reclamar dirija-se à Secretaria e fale com a chefe.
A festa acabou nos Serviços Administrativos com os utentes em histeria total e a Dona Sãozinha em início de colapso, depois de ver, mais uma vez, as folhas de pagamentos desaparecerem, desta vez engolidas pelos artistas mais incomodados.



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