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315 estórias

Sunday, December 05, 2004

Caldo Verde

                          Camarada Choco
                                        



Por vezes quem sai aos seus regenera...mas não o suficiente ! O chinês é trissómico e a sua progenitora é quadrissómica, pentassómica, hexassómica...enfim, ela é que deveria estar com o parafuso, a anilha fina, a anilha grossa e a porca. O canteiro à entrada da Escola que o senhor Virgulino tenta desesperadamente manter florido, leva todos os dias com pequenos presentes dos felinos do bairro. Foram tantos que ele até já se habituou. Até que um dia...
- Dinossauros !?? Agora até dinossauros vêm cagar aqui !! – gritou desesperado o candidato a jardineiro fininho, tentando expulsar o intruso com uma busca-pólos – francamente, sou o único que trabalha nesta espelunca...perdão, nesta casa e só me sai é merda !
Recuemos no Tempo. Duas horas antes o chinês aprontava-se afincadamente para mais um dia escolar, enquanto que a sua mamã tentava desesperada descobrir qual era a parte da frente dos calções que o seu miminho iria vestir. A tarefa era tão difícil que ela nem se apercebeu que o estudante tinha ido à cozinha dar os bons-dias ao periquito estrábico que falava espanhol e arrotava em árabe. Como sempre e devido ao efeito cromossómico, procurou-o no fogão. E qual não foi o seu espanto quando deu de caras com um naco de carne assada de odor suculento. Quando fechou a porta do forno já o pedaço do porco lhe forrava as paredes do estômago. No entanto a mãe descobriu que a braguilha era definitivamente virada para trás, para assim lhe facilitar a saída dos seus inúmeros gases dinossáuricos.
- Rodrigues, diz adeus à tua passarinha e vem calçar os calções.
Nem veio. Nem respondeu.
- Rodrigues estás a ouvir-me ?
Nem a ouvir, nem a ver, nem a sentir, mas sim a digerir.
- Se não vai a marmita à castanha, vai a castanha à marmita – gritou a senhora.
Dito e feito. A mãe embrenhou-se em passo de corrida pela cozinha, mas por mais incrível que pareça, e só explicável por ser uma senhora pentassómica, tropeçou no penico que estava em cima do lavatório com as escovas de dentes lá dentro, e marrou de encontro à proeminente barriga do filho que, devido ao impacto, soltou um estrondoso arroto, que colou às grades o pobre do periquito e o transformou num mini-franguito-da-guia.
- O jantar, o jantar da família – berrou a fêmea quando sentiu o cheiro a colorau. Comeste o jantar dos tios !
A resposta do chinês foi um sorriso maroto e uma bufa das antigas, com molho e couves.
- Vamos, vamos embora – e pegou na mão do Rodrigues arrastando-o para a rua.
À medida que se aproximavam da Escola o meteorito intestinal do trissómico aumentava a cada passo, dava a idéia de que já se deslocava a jato.
- Aguenta, aguenta que já estamos quase a chegar – gritava a mãe desesperada, ao mesmo que lhe desapertava a braguilha para aliviar a pressão, não fosse ele explodir a qualquer momento.
Mas na última curva o chinês começou a deitar fumo e ela só teve tempo de o atirar para o canteiro de estimação do Virgulino.
- Agacha – ordenou.
E a cena era linda: margaridas, cravos, rosas, agapantes e uma... uma espécie de melão sorridente e sonoro.
- Chega, chega, toca a entrar, eles que te limpem.
E o Rodrigues ainda foi visto a entrar e a deixar atrás de si um rasto de couves verdes salpicadas de castanho.
- A minha carne assada – lamentou-se a mãe, olhando entristecida para o produto expelido pelo seu querido trissómico – até tem cenouras e couves.
O assunto das tripas estava resolvido...ou talvez não ! A mãe rumou para o emprego e o filho desapareceu nas entranhas do edifício. Como bom profissional encontrou a sala e, com sofreguidão, agarrou na cana e lançou-se à pesca. Sabia de antemão que os peixes só iriam picar quando a corda do mecanismo acabasse e por isso fez apelo à sua paciência de um falso chinês. As horas passaram até que alguém o chamou:
- Piscina, vamos para a piscina.
O bufador asiático levantou-se, pegou no saco e dirigiu-se sorridente para a carrinha, que já estava apinhada. Junto à carrinha o senhor Virgulino continuava desesperado a tentar afastar o intruso do seu querido canteiro.
- Só eu é que trabalho nesta casa. O raio do gato devia ter o tamanho de uma vaca e ainda por cima comeu uma saca de cenouras e couves.
O Rodrigues ainda lhe deitou um olhar maroto, mas foi por pouco tempo, pois o Porres arrancou de imediato.
A segunda parte do jantar destinado aos tios do nosso amigo saiu quando ele estava a nadar num brilhante estilo-à-cão E não era só ele que nadava, atrás de si seguia em fila ordenada um conjunto de couves e cenouras, tal qual uma pata com as suas crias.






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