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315 estórias

Tuesday, July 19, 2005

O Canivete Suiço

                           Camarada Choco
                                             

Estava eu calmamente a enfardar uns abrunhos na minha querida irmã, quando de repente um relâmpago atravessou de lado a lado a minha alucinação de fim de tarde e trouxe-me à memória, mais uma vez sem o meu consentimento, as palavras da doutora sem canudo dirigidas ao stor pobre:
- Vem aí um rapazinho superdotado, enviado pela Segurança Social, para nos ajudar; tem uma família muito complicada e quer trabalhar para poder continuar os estudos; ajudem-no.
A primeira vez que vi o dito cujo, lembrei-me de imediato do meu colega Pitrongas, mas um Pitrongas com a mania que tinha três canudos, segundo tinha dito a doutora sem canudo. Estava a dissertar com o jardineiro Virgulino acerca das virtudes do nabo e da cenoura na cura das hemorróidas e, como bom superdotado assumido, fazia referências à medicina chinesa. Foi nessa altura que revelou ter sido o discípulo preferido dum tal Confuso da Brandoa. Azar do senhor Virgulino, pois nessa altura resolvera ir regar as plantas da entrada no preciso momento em que o Fenómeno chegava à escola. Graças a Deus que um corte milagroso de água o fez afastar-se do local, a correr e a espumar.
- Coitado deste jardineiro, o problema dele deve ser muito grave; juro que vou usar todas as técnicas que aprendi no Curso de Ciclismo por Correspondência, para lhe consertar os carretos. Parece não haver muitas diferenças entre a cabeça dele e uma roda pedaleira – profetizou o novo inquilino, entrando pelo estabelecimento adentro.
À sua espera estava a madrinha sem canudo, orgulhosa desta nova aquisição.
- Quando o Ministro vier cá entrego o Choco a uma das tias, fecho a porta da sala, ele dorme um bocadinho, como fazem sempre os outros, e uma hora depois tiro-o de lá, apresento-te a Sua Excelência como sendo aquele que entrou e tu recitas ali mesmo umas vinte oitavas do Camões; de seguida faço uma descrição pormenorizada dos métodos pedagógicos usados na minha propriedade...esquece...nesta Cooperativa.
- Ok tia, eu também quero pertencer ao clube dos teus fãs !
- Para já quero-te apresentar ao pessoal da Secretaria.
Puxou bruscamente pelo super sobrinho e atirou-o de rompante para cima da capitã da equipa, que nem teve tempo de trincar o seu lindo quequinho.
- Dona Sãozinha, aqui está o super dotado de que lhe falei !
- O quê isto, senhora doutora sem...
- Dona Sãozinha, dona Sãozinha...
- Perdão, perdão, com...com...
- Mas custa-lhe muito lembrar-se !??
- Caneco...caneco...esta cabeça já está a carburar mal !
E como toda esta cena durou cinco segundos, o Ferrari humano ficou entregue à sua sorte, tendo aproveitado o tempo morto para formatar o computador da Chefe da Secretaria. Aparecia agora no monitor o Virgulino em tronco nu, estilo sardinha em lata. A cada toque no rato a imagem mudava, mas o tema era sempre o mesmo: de perfil, de cócoras, de gatas, atrás duns arbustos, em pino, etc.,etc.
- Os pagamentos, as folhas de pagamentos electrónicas – gritou a dona Sãozinha, empurrando o Emplastro para fora da Secretaria.
Mas, dos pagamentos electrónicos nem sinal. Só lhe saia a figura apolínea do jardineiro.
- Chiça, só me faltava isto. Está aqui todos os dias ao vivo e agora também em formato electrónico.
Só com a ajuda do senhor Pintor é que tudo voltou ao normal. Lá fora, a tia admoestava o super sobrinho:
- Não entras mais ali dentro, foste um menino muito mau !
- Mas, eu sou um Super Dotado tia.
- Está bem, está bem, mas não mexas mais nos computadores. Eles já são muito antigos e não estão adaptados a gente como tu. Aproveita o tempo e vai pedir instruções aos professores de Educação Física. Hoje ainda vais para a colónia com alguns meninos desaparafusados, e vais ter que reeducá-los na praia.
- E eu até tenho o Curso Superior de Pino e Cambalhotas dado pela farinha Pensal. O Seleccionador Nacional de Futebol é treinado todos os dias por mim. Ensinei o ABC do Futebol ao Eusébio, quando ele tinha 6 anos.
- Vê-se logo que és um super dotado ! Aprendi isso na universidade que me deu o caneco...o canudo.
E o Pitrongas II encaminhou-se para o ginásio, orgulhoso pelo elogio recebido da sua tia madrinha dos canecos.
Toc, toc, toc, bateu decidido.
- Posso entrar, professor ? – Perguntou ao stor rico com bigode.
- Quem és tu ?
- Um Super dotado enviado pela doutora – respondeu de rajada.
- Um Super dotado !?? Já ouvi chamar-vos de tudo, agora de “super dotado”. Deve ser uma nova técnica de integração.
- Sim, sou a novidade do Verão !
- Chiça, agora também enviam desaparafusados super aparafusados ! – Resmungou o Mestre. – Mas o que é que tu queres ?
- Um aconselhamento técnico, caro colega. Eu vou para a colónia e desejava saber se devo fazer “alongamentos” ao “reeducandos” ?
- É pá, deixa-te de “super dotações” e vai mas é passear com os teus colegas para a praia.
Nem mais uma verborreia saiu da boca do Super aparafusado. Encaixou a marcha atrás e saiu do espaço gímnico, atracando de popa no Virabicos, que ia a passar.
- É pá, vê lá por onde andas, ó Picasso da Moita – buzinou o artista.
- Andava à sua procura, ó senhor Animador. Eu hoje à noite tenho de apresentar uma peça no Teatro Fechado do São Carlos e ainda não escrevi a obra. Poderia sugerir-me um tema ?
O Virabicos olhou de lado para o Presunto que estava a bloquear-lhe a passagem e respondeu:
- Escreve uma peça sobre “Heroísmo”.
- “Heroísmo” !? Então posso contar a fantástica ajuda de um Super dotado à Marinha de Guerra Portuguesa.
- Ouve lá ó Coisinho Super aparafusado, não te estiques.
- Esticar-me !?? A única vez que me estiquei foi durante a subida ao Evereste. Eu só vou contar a minha aventura do fim de semana passado ao largo do Cabo das Tormentas, no farol da Guia.
Ainda o Virabicos compunha a túnica e já o Pitrongas Encenador II lhe entregava os textos.
- “O Jovem e o Adamastor “ ?
- Sim, é o relato real do meu último fim de semana. A Marinha pediu-me para os ajudar a recolher os bidons e os contentores daquele cargueiro que naufragou em Cascais.

“O Jovem e o Adamastor”
“ Um navio proveniente do Iraque, despejou vários contentores com produtos químicos ao largo da pacata vila de Cascais, em Portugal, na Europa Ocidental. As ondas tenebrosas estavam a empurrar os bidons de soda cáustica, para as rochas. Se explodissem, poderiam matar as criancinhas e os velhotes de Cascais...”

- Isto está um pouco exagerado, ó Super Dotado, - disse o Virabicos, interrompendo a leitura.
- Exagerado, eu !?? Então, o senhor não sabe que a soda cáustica é uma arma química específica para matar criancinhas e velhotas de bigode !??
- Soda cáustica !?? Dá-me a impressão que tu és, é um cáustico !
- Não, não, eu sou é um Super Dotado.

“Os valentes marinheiros portugueses recusavam-se a enfrentar o perigo e a defender a pátria. Foi então que o Senhor Primeiro Ministro resolveu consultar as Páginas Amarelas, e descobriu o indivíduo certo, no capítulo dos Fenómenos Atmosféricos. Um helicóptero atirou-o ao mar e o herói trouxe para terra o maléfico armamento, conseguindo ainda apagar à chapada um bidon que resolvera incendiar-se. E como estava com o fato de mergulho do Batatoon, de 20mm de espessura, ainda trouxe para o Presidente da República meia dúzia de santolas e trinta camisinhas com musgo, para fazer uma salada.”

- Chiça, deves ter bebido um bidon de soda cáustica ! – Exclamou o Virabicos, assoando-se à túnica. – É melhor ires ensaiar.
- Eu agora vou mas é ao bar ensinar a tirar bicas à dona Espatinha.
Pelo caminho ainda corrigiu os traços artísticos dos vários picassos que decoravam as paredes e acertou a taxa de cloro do tanque. Ainda teve tempo para ajudar o Choco e o Fangio Espástico a urinarem, um para a retrete e o outro para o lavatório. Aproveitou também, já que tinha as massas nas mãos, para lhes fazer uns alongamentos. Quando cruzou a porta do bar apresentou-se:
- Bom dia dona Espartinha, eu sou o célebre Super Dotado, enviado pelos deuses da Segurança Social. Venho aqui afinar a máquina do café, pois tirei o Curso Superior de Borras, na Universidade da Matacanha. A partir deste momento vão começar a jorrar as bicas mais deliciosas do Continente Asiático. Cinco minutos depois, deixou atrás de si uma sempre alegre tia Espatinha à beira de um ataque de caspa e a dar os “bons-dias” em alemão. Da máquina de café saiam agora tremoços e torresmos com chantilli. Mas o Super Dotado estava imparável! Ajudava agora a tia Piúlia nos Arraiolos, tinha-se apropriado do trabalho do Balbas e dava lições de tricot a uma surda-muda. Revelou-lhe que o seu sonho era costurar para fora, mas a tia Piúlia nem o ouviu, pois estava mais para lá do que para cá, como já era costume.
O acto final deste Canivete Suíço Existencial deu-se durante os ensaios do Virabicos. Pediu para assistir, foi proibido manifestar-se, e a meio da festa, e porque ninguém estava a prestar-lhe atenção, simulou um desmaio.
Conclusão: é preferível ter um risco num cromossoma, do que um borrão na Alma !






Saturday, June 04, 2005

Um Dia nos Serviços Administrativos

                       Camarada Choco
                                        
A entrada da Dona Sãozinha no Posto Burocrático do rés do chão, significa que a Secretaria está aberta ao público, a todo o público, com ou sem parafusos. Depois de vários anos a transportar mongas para cima e para baixo, nas largas avenidas da Brandoa, foi presenteada com a responsabilidade de tentar ordenar as estranhas folhas de pagamento que, de início, tanto serviam para processar o vencimento da tia Tété, da chefe Tendinite, da auxiliar Mosca Morta e da Dona Graça dos Rissóis, ou para tapar o tubo de escape, em caso de urgência, à Mercedes Esgoto, quando esta ameaçava fazer transbordar o penico branco, ao fim de vinte dias consecutivos no WC comum para técnicos e utentes.
- Comigo ao volante deste barco, esta promiscuidade entre os vencimentos do pessoal e o tubo de escape dos utentes, vai acabar imediatamente – prometeu, no dia da cerimónia da tomada de posse, dando uma sentida e emocionada palmada no presidente Vóscar, que teve um descontrolo repentino dos esfíncteres traseiros, obrigando-a a usar a folha de pagamentos do 13º mês. – Prometo que esta será a última !
O Sol tinha acordado feliz e a dona Sãozinha também. As cortinas do Posto de Atendimento Público já estavam para cima e a Chefe dos Serviços Administrativos preparava-se para dar uma dentadinha num queque escondido debaixo duma HP Scanjet 3300. Quando se preparava para fechar os maxilares sobre o enfarinhado...
- Cófe, cófe, - tossiu alguém.
Com o bolo entre os dedos e os dentes, vasculhou o local com os olhos, mas nem sinal do autor. Teria sido uma alucinação auditiva ? Depois de tantos anos a servir um batalhão de desaparafusados, teria chegado a sua vez ? Assustou-se ao ver-se numa sala, sentada junto a um molho de porcas e parafusos.
- Que disparate é esse, Sãozinha ? – Questionou-se.
Qual disparate, qual carapuça, pois quando tentou de novo abocanhar o queque, uma vos vinda daquilo que sempre pensou ser o alarme, gritou:
- Hora de trabalho !
Nem teve tempo para se assustar, pois nesse momento entrou, com um ataque de caspa, o rei dos mongas, o hilariante Virgulino, furioso com a EDP, por causa dos constantes cortes de energia sempre que decide cortar a erva. Mas, também este ainda não chegara junto do computador, para jogar o “Poker para Tolos”, e já a doutora com canudo pedia-lhe para tirar dez mil fotocópias, e passar para texto legível vinte e cinco relatórios escritos em crioulo. Quanto ao queque, fugiu para dentro da impressora, e ostentava agora o valor do ordenado do chefe Porres. Para ajudar à festa, o Virgulino porteiro resolveu ter um ataque epiléptico e só parou ao colo da Dona Sãozinha, sem antes lhe ensopar com a baba as já famosas Folhas de Pagamento.



Sunday, May 08, 2005

Hidrofilia

                         Camarada Choco                                        

Eram dez horas da manhã do século vinte e um, quando o Pitrongas tocou de mansinho na porta da sala da Soeiro Pereira Gomes.
- Entre – autorizou a agente do Serviço de Informações da Cerci ( SIC ).
Com cara de traseiro, o grande Pitrongas entrou pé ante pé e estacionou-se junto da Tininha, que se encontrava com metade do buço. A agente parou a espátula e olhou desconfiada para o intruso.
- Então, Pitrongas, por que é que estás com essa cara de traseiro?
- Eu não quero ir para a piscina !
- O quê, vou ter de te gramar durante a hora do almoço ? – Perguntou, rapando, por engano, a sobrancelha direita da Tininha, tirando-lhe parte do herpes ocular.
- Eu não quero ir para a piscina com os stores e o pintor, - gritou o utente, batendo com o pé no chão, sem antes pisar os calos do fadista, que expressou o seu mal estar cantando o Fado de Coimbra à moda da Mongólia.
- Os stores e o Pintor !?? – Inquiriu a agente, tirando a caneta e o bloco de notas do bolso esquerdo.
- Sim, sim, eles andam a tirar as cuecas à Joana Papagaio enquanto ela está a nadar à cão.
De imediato a agente da SIC escreveu na folha:

“ Indícios gravosos de Hidrofilia e roubo do património da utente Joana Papagaio “.

- Já contaste à tua mãe ?
- Sim, sim, disse-lhe que eles me tiraram a touca, as cuecas da minha namorada e não me deixaram apalpá-la como costumo fazer.
Os vestígios eram fortes, fortíssimos:

“ Indícios gravosos de hidrofilia, roubo do património da utente Joana Papagaio, impedimento de manifestações afectuosas de um cidadão desaparafusado e ingresso em rabo alheio “.

O relatório estava completo e iria ser entregue de imediato à doutora sem canudo, pelo estafeta turbo Ambrósio Caspa, que arrancou, tal qual um caracol com ferrugem, depois da agente lhe ter enfiado no bucho um anti-inflamatório “Ananás”, conforme indicações do encarregado de educação. Mas, e tudo devido à terrível “Globalização”, a inspectora da SIC acabara de ser contactada pela mãe do agora Desaparafusado Cornudo.
- Sim, senhora doutora, tiraram a touca do meu Pitronguinhas e as cuecas da Joana Papagaio. E tudo aos doze metros e meio de comprimento e cinco de profundidade.
- Cuecas!?? Mas, ao menos deixaram-lhe o fato de banho do Benfica??
- Se o fato de banho é do Benfica ou do Sporting, eu não sei. Mas, porque é que me faz essa pergunta? Está a desconfiar de mim? Olhe que o meu menino, além de ser o desaparafusado mais aparafusado da Escola, nunca se engana. É por isso que ele está na sala dos desaparafusados menos desaparafusados.
E nesse momento o relatório acabava de ser colocado em frente da Doutora Inspectora Sem Canudos, ao mesmo tempo que o jardineiro Virgulino soltava os palavrões do costume, devido aos cortes constantes da EDP, que o impossibilitavam de aparar as ervas daninhas.
- Já tenho a confirmação das suas informações – disse a Inspectora. – Acabo de receber o relatório da minha informadora mais importante. Mas ainda tenho uma dúvida?
- Dúvida!?? A senhora doutora duvida de mim ??
- Duvidar não !! Mas, não acha estranho ir de cuecas para dentro da água ?
- Não! Eu e o meu marido costumamos ir. Só o Pitronguinhas é que acha que é errado. É por isso que ele é desaparafusado.
- Tem razão, tem toda a razão ! Mas, como é que se tiram as cuecas, deixando o fato de banho ?
- Esses monstros são capazes de tudo !
- Tem razão, tem razão. Eu vou iniciar de imediato o inquérito e ainda hoje lhe telefono.

“ Exma Senhora Doutora Inspectora,
Querida madrinha, aqui lhe envio mais um relatório das actividades sinistras registadas no R/C da Vossa e Sempre Vossa Instituição para Desaparafusados. Espero com mais este humilde gesto subir na sua Eterna Escala de Preferências.

Relatório Preliminar dos Serviços Centrais da SIC

Assunto: Suspeitas de Hidrofilia na Forma Gravosa

Suspeitos: Autores – Stor Pobre sem bigode e Pintor
Cúmplice – Stor Rico com bigode
Factos Provados: Ponto 1 – roubo do património da utente Joana Papagaio
Ponto 2 – ingresso nos fundilhos da Joana Papagaio
Factos da Investigação:
Ponto 1 – local onde foram consumidos os crimes
hipóteses: à superfície da água ?
em profundidade ?
a meio caminho ?
Ponto 2 – cor do fato de banho
hipóteses: do Benfica ?
do Sporting ?
do Porto ?
Ponto 3 – como retirar umas cuecas do fato de banho, sem a mãe, que está sempre presente, ver ?
hipótese: se o crime ter sido cometido em profundidade.

Se a madrinha achar que são poucas as provas, amanhã de manhã quando formos juntinhas tomar o pequeno almoço invento outras.

Sem outros assunto,

Com toda a dedicação, beijinhos da afilhada.

- Xiça, está sempre a querer comer os torresmos à borla ! – Desabafou a Doutora Inspectora, começando a pensar:
“ Como é que estes facínoras teriam conseguido roubar as cuecas a uma pobre desaparafusada, mesmo nas barbas da mãe, deixando-lhe intacto o fato de banho, da cor de um clube ainda desconhecido ? A profundidade seria, com toda a certeza, e apostava nisto o seu Canudo, a solução. O crime fora cometido na caixa de saltos e as cuecas saíram por engano. O terceiro elemento do gang, e talvez o mais perigoso, aproximara-se silencioso da pobre mãe, desviara-lhe a atenção, tendo feito sinal aos cúmplices com o seu farfalhudo bigode amarelado. Estes lançaram-se gulosos sobre a presa e levaram-na para as profundezas, preparando-se para o festim. Mas, devido às águas turvas, confundiram-na com o ralo do fundo, e atacaram-no sem dó nem piedade. De cima só se veriam dois vultos pretos, tipo peixes espadas, a atirarem-se desesperados às grades de protecção, que quase lhes sugava todo o tutano. Quanto à verdadeira presa, já há muito que fora levada de volta à superfície pela água que saia furiosa dos tubos. Algum tempo depois, e devido à falta de oxigénio, os predadores regressaram desgrenhados. Quanto às cuecas, nem sinal delas ! Com certeza que algum deles as tinha comido durante o festim. Ficavam então esclarecidos os pontos um e três.
O raciocínio da Inspectora Chefe foi de novo interrompido pelos grunhidos enraivecidos do jardineiro Virgulino, de novo vítima da EDP.
- Passemos agora aos interrogatórios – disse, ligando para a Chefe dos Serviços Administrativos.
- Serviços Administrativos da Cooperativa Para Todos os Desaparafusados, Com ou Sem Parafusos; está falando com a Dona Sãozinha, Chefe desta Secção e dependente das ordens da “doutora sem canudo”.
- Com Canudo, dona Sãozinha -, ripostou a célebre “doutora sem e com canudo”.- Ordeno-lhe que detenha para interrogatório os Stores e o Pintor.
- E se eles resistirem ?
- Lance-lhes o Virgulino, o Porres, o Castanheira e o Cabo Pilas. Se mesmo assim resistirem, ameacem obrigá-los a assistirem à próxima peça do Vira-Bicos, “O Lago dos Desaparafusados”. E, que raio, a dona Sãozinha não sabe fixar “com canudo”??
- A sua ordem será imediatamente cumprida, senhora doutora com caneco...perdão, perdão, com canudo.

Saturday, April 23, 2005

Um dia de Raiva

                          Camarada Choco
                                         

O dia começou com o Gelatina a fazer um soberbo Caravaggio na fralda, no momento da chegada da tia Mágui.
- Este miúdo tem uma praxia grossa da bacia. Executa o modelismo na perfeição. Vai ter futuro – disse, babosa, do alto da sua pedagogia, ao mesmo tempo que registava o fenómeno da Venteira no Plano Educativo Individual, e comia a bolacha das 9H41, sinal de uma metodologia à prova de “balda”.
O pensamento foi interrompido por um barulhento flato, emitido pelo Trovão.
- Um “Dó Maior”, um perfeito “Dó Maior”, com molho – exclamou, de novo orgulhosa, a Tia Mágui e continuou, - este tem queda para a música.
Naquele espaço educativo não havia lugar para mandriões. Iniciava-se o trabalho com o nascer do Sol e regressava-se a casa com o nascer da Lua. O excesso pedagógico era tal, que dois alunos já tinham “batido as talas”, não sem antes terem entregue as suas teses à funcionária-madrinha, que as entregou de imediato à dona Sãozinha, para darem entrada na Instituição, para assim poderem ser avaliadas pela tia Mágui.O sucesso da Sala dos Quiabos já tinha passado a soleira da porta, e despertava agora a inveja alheia. E para agravar a situação o Pascoal tinha tido uma convulsão tão chique, que espetara com os calmantes e a papa numa parede, acompanhados de um verde profundo, dando um toque artístico ao Graffiti.
- Isto é demais, - gritou a colega do lado. – Se estes vão para Belas Artes, os meus irão para Matemáticas.
E saiu em direcção ao gabinete da coordenadora, exigindo-lhe a compra de réguas, esquadros, transferidores e borrachas verdes. A tia Mágui não iria ficar a rir-se. Naquela sala, a partir das 14H00, passaria a ensinar-se Matemática Aplicada, em vez das Revistas Pirosas da manhã, a todos os destravados, desparafusados e afins, custasse o que custasse. Entretanto, a tia Mágui dava carinhosamente um pouco de bôla ao seu pupilo Trovão, que tinha resolvido abrir as goelas, e presenteara os colegas com uma ária digna dos melhores trovadores da Praça do Comércio. A cada demonstração cultural da sala da tia Mágui, respondia a vizinha com uma nova tabuada. Já se tinham quebrado 3 réguas, 2 transferidores e um dos mongas só dizia “Hí, hí, hí”, pois tinha encravado uma das borrachas verdes nas cordas vocais.
- Eu sinto que este me quer dizer algo de grandioso, mas a borracha não deixa, - confidenciou alto, de maneira a que o som chegasse aos ouvidos da vizinha, que comia agora, às 16H38, um quadradinho de chocolate preto, para compensar a sopa sem batata.
- Caravaggio, esta fez um Caravaggio, milagre, milagre, a sala da tia Mágui é uma fábrica de milagres – gritou a dona Sãozinha, que julgava que ia em direcção ao bar, mas fora traída pela idade, ao ver o pastel que a Bábá tinha atirado contra um papel em branco das tarefas executadas pela manhã na sala ao lado, e que agora escorria melodiosamente, deixando um rasto amarelado e subtil de uma soberba escarreta.
Isto foi o suficiente para se quebrar mais uma régua na sala ao lado.Entretanto, na outra ponta da Escola, o Pintor espumava com o coração da irmã do Choco nas mãos, sinal de que iria ser pai novamente de um caniche.Os registos da tia Mágui já ocupavam uma resma, enquanto que na sala ao lado tudo tinha emperrado na tabuada dos zeros e no puxão que um aluno tinha levado nas partes baixas, de uma colega mais atrevida.Para ajudar à festa, o Stror Rico com Bigode desmaiara aos pés da dona Sãozinha, que já tinha sido reencaminhada para o sítio certo pela Dona Tété. O dito senhor tinha tido um encontro do 4º grau com umas borboletas em cima duns gostosos presuntos. A visão fizera-o recuar aos anos da malandragem e a costura das calças ameaçou quebrar-se, pois com o bigode colado à testa, tudo era possível.
- Só me faltava esta, - queixou-se a Dona Visitação, tentando esconder as já célebres folhas de pagamento. – O Stor Rico com Bigode está mais para as borboletas do que para as notas e isto é grave, muito grave. O homem vai ter um treco, e logo dentro da minha loja.
A funcionária de escalão inferior disfarçava, olhando para as bolachas. A tia de outra sala tirou o blaiser do Pai-Natal, com que costumava vir para a Escola, e tapou as pernas da colega, para evitar que o fogo alastrasse a todo o colega.
- Eu vou mas é tomar um cházinho – informou a Dona Sãozinha, passando por cima do (in)docente.

Tiiiiiiiiii Tiiiiiiiii

- Estou? – Perguntou a dona das borboletas.
- É para informar a senhora que recebi as suas mensagens e estou apto para si e para a do blaiser do Pai-Natal.
O telemóvel queimava, a tia atirou-o para a retrete mais próxima, que se situava na casa de banho junto da sala 1 dos quiabos seniores, onde se encontrava, como de costume, a Papoila da careca, que evitou que o aparelho mergulhasse nas águas acastanhadas. Antes disso o telélé tinha passado uma razia à chefe da secretaria, que ainda teve tempo para dizer:
- Gente que vive à conta dos ordenados milionários dos maridos muda de telemóvel todos os dias.
- Apanhei um choque – justificou a docente.
Do outro lado da linha continuava o garanhão que ouvia espantado os gritos da Papoila.
- Calma, calma que eu vou já para aí. Eu aguento com as duas.
- Meu Deus, até parece que estou numa casa de doidos – gritou desesperada a Chefe Máxima dos Serviços Administrativos, correndo para o seu cházinho.
Chocou violentamente com a dona Pilca que andava à procura do serrote do 327.
- Números desses só nas folhas de pagamento – respondeu, já um pouco alterada a dona Sãozinha.- Vá mas é trabalhar.
A Instituição estava à beira do precipício. Todos rezavam para que a Doutora não aparecesse, mais uma vez, a declarar o dia como de Cargas e Descargas!





Saturday, April 16, 2005

O Cunhado do Choco

                        Camarada Choco
                                        

O 25 de Abril seria , daqui para a frente e até à eternidade ( se Deus lhes tivesse dado esse direito ), um marco duplamente feliz para a mamã do Choco: o dia em que, devido à democracia e à liberdade, tinham sido legalizados os casamentos entre indivíduos com os cromossomas gripados; e o dia em que a sua Bélinha lhe havia comunicado estar grávida de um pintor, estando assim em perspectiva a perpetuação do cromossoma-coxo-dominante, auxiliado agora por um pincel das melhores espécies, que daria, com toda a certeza, lugar a uma brocha de cabeça larga. A emoção era tanta, que o “Jardel”, o único membro da família com os ditos ( cromossomas ) no sítio, resolveu expulsar excrementos pelo ânus, deixando um “brigadeiro” junto aos pés da dona.
- Maroto, pensaste o mesmo que a dona ! – cacarejou a futura vóvó, tirando do bolso um papel higiénico, que servia como recibo na loja do seu amado esposo. Mas, quando se preparava para embrulhar o “pastel da Venteira”, um golpe de vento fez voar a factura e o presente foi sofregamente agarrado pelos lindos dedinhos, que embalaram durante anos o casal de choquinhos. O Tempo parou repentinamente: a dona do “Jardel” olhava desesperada para as unhas, acabadas de arranjar no canil dos “Invisuais do Comércio”, e não conseguia expressar algum sentimento. Saiu a galope da porta da Escola, e ninguém conseguiu saber o que é que aconteceu ao resto do “Danquecas”.
À tarde a mãe levou a Bélinha à genecologista e contou-lhe a novidade:
- A minha filha está à espera de uma brocha de cabeça larga – e apontou para o ouvido da rapariga.
Os muitos anos de trabalho com a família Choco faziam desta médica uma expert em raridades.
- Está grávida?
- Sim, sim, tem o bucho cheio com uma brocha de cabeça larga.
- Meu Deus, mais chocos ?? – gritou a médica, pondo as mãos na cabeça.
- E sabe quem é o pai ?
- O SENHOR PINTOR – respondeu orgulhosa, em maiúsculas e a negrito, e continuou. – é o homem indicado para a minha filha, é quem eu sempre desejei – e meteu a mão no bolso, à procura da fotografia do futuro genro.
Mas só conseguiu encontrar parte do maldito “brigadeiro”, que aproveitou a saída para lançar o seu inebriante odor.
- De gravidez não há vestígios, mas parece-me haver indícios odoríficos de uma valente feijoada – disse secamente a médica.
- É pena, e eu que gosto tanto daquele pintor tão charmoso. Deve ter cá um pincel – e agarrou-se à perna da mesa. – Não sei se a doutora já reparou, mas a minha filha é deficiente – informou a dona do “Jardel”, pondo a mão do bolso no ombro da médica.
- Deficiente!? Quem diria, uma menina com um ar tão arguto – gritou desesperada, empurrando-as para a porta e encerrando de imediato o consultório.
Na rua, a mãe pôs a mão no ombro da filha e disse-lhe:
- Tens de ter paciência – aconselhou a mãe. – O pintor há-de ser nosso... teu, só teu. – E dito isto foi engolida por uma alucinação visual, que a levou para um campo da Brandoa rural. Em cima dum monte o pintor, com o pincel em riste e os caracóis ao vento, escarafunchava numa tela do tamanho do horizonte, fazendo um “Picasso” semelhante à sua amada. No vale, a quinhentos metros de distância, a musa gritava pelo seu cobridor:
- Árlos...Árlos...meu mor...Árlos...Árlos...meu hintôr hamádo.
A um sinal dum burro os dois seres precipitavam-se sedentos de amor...mas a convulsão acabou e a mãe voltou à Roque Gameiro, tendo por companhia as auxiliares responsáveis pela reeducação da sua Bélinha.
- Então, como é que está a sua filha ?
- Na mesma, mantém-se deficiente, como o irmão. Gravidez, nem pensar, está sequinha, a médica não encontrou aquela cola branca pegajosa. E eu que estava tão desejosa de ter um netinho branco com caracóis. Vou ter que comprar um caniche !

Wednesday, March 30, 2005

Cargas e Descargas


                          Camarada Choco
                                           Aventura 24
A estória não pertence ao Camarada Choco, mas ficou na sua memória.
O dia tinha começado cor-de-rosa, a Escola estava em paz consigo mesma, os colegas distribuíam bons-dias às catadupas e até na área dos têxteis a funcionária estava mais “para cá” do que “para lá”, como era costume, tendo iniciado um tapete de “Lua de Mel”, em vez da diária pega para tachos de monhés. O Castanheira já estava com os óculos, comprados no Bazar Chinês, e preparava-se para arranjar os fusíveis à colega da sala 1. A Secretaria encontrava-se momentaneamente encerrada, pois a Dona Sãozinha fora tomar o seu merecido pequeno-almoço e a ajudante permanecia em estado de hibernação, com uma bolacha numa mão e os glóbulos oculares perdidos algures no telemóvel.
Por esta altura o Presidente Porres ainda estava a tentar convencer o filho a descer as escadas (direito exclusivo da Direcção), obrigando a carrinha a permanecer meia-hora em ponto-morto (ao contrário dos outros que nem saia da terceira); o Virgulino abria a mesma cova pela centésima vez; o Professor Rico com Bigode fazia o seu décimo sétimo telefonema para o banco, dando início à vigésima transferência do dia; o Pintor pintava a noite anterior; as Tias ainda não tinham começado a massacrar a cabeça da Coordenadora, pedindo-lhe explicações pela saída cinco minutos antes da hora, no mês anterior, dos Stores; a vizinha do Pintor ainda não apresentara a reclamação diária; a colega não avistara algum fantasma; o motorista dos recibos verdes abria a porta à ex-brasileira que tentara abusar do Castanheira, etc., etc..
De repente, tal qual um Tsunami, chegou no seu novo carrinho a Doutora, também conhecida no meio por Madrinha, e viu o parqueamento da Escola atestado, a abarrotar de veículos ligeiros e pesados.
- O QUÊ? E ESPAÇO PARA MIM? – Perguntou em Letra Maiúscula, deixando sair algo com os nervos. – COMO É QUE SE ATREVEM A ENCHER A MINHA PROPRIEDADE COM VEÍCULOS MOTORIZADOS, PESADOS E LIGEIROS? EU SOU A ALMA, A MOURA, DESTA ESCOLA, NÃO DESCANSO, NÃO BEBO, NÃO FUMO, SÓ FAÇO SKY, E OUSAM FAZER-ME ISTO?
A FATWA foi de imediato escrita e divulgada pelos presentes e ausentes:

“Declaro este dia como de CARGAS E DESCARGAS, implicando que daqui a 2 voltas ao quarteirão quero que o ESPAÇO ME SEJA DEVOLVIDO”.

Foram de imediato enviados, para os 4 cantos da Escola, estafetas com a “FATWA DA MADRINHA”.
A primeira vítima estava alegremente em cima de um Step, a segunda queixava-se da quinta e a terceira era um humilde Stror Pobre Sem Bigode.
Depressa se descobriu que a 1ª e a 2ª vítimas estavam em conformidade com o Código da estrada, não tendo isto, porém, evitado um ataque de caspa, seguido de 5 convulsões, à 2ª vítima, que já se babava de raiva, ameaçando pôr a Doutora a dormir dentro de um contentor.
Mas eis que alguém ousa dizer a verdade:
- O que ela quer é o vosso lugar!
Foi de mais! A Madrinha fez marcha para trás e cumpriu o prometido: duas voltas ao quarteirão. À terceira abandonou o veículo à entrada da Escola, acabando de vez com as Cargas e as descargas.














Thursday, March 03, 2005

O Trombeiro

                         Camarada Choco 


Na sala de Artes Gráficas imperava a serenidade, como era costume. Os artistas debruçavam-se afincadamente nas mesas, perdidos algures nas suas obras. Num breve olhar as tendências eram evidentes: junto à porta, sem sobra para dúvidas, o Bibi ensaiava um Caravaggio trissómico, com queda para a ciganisse; o Pitrongas, de pé junto a uma tela de promoção da loja dos setenta e cinco cêntimos, aproximava-se, desesperado, de um Picasso depois de um acidente vascular cerebral; o Fangio Espástico dava retoques a um “Napoleão a Cavalo a atravessar o Bairro do Relógio”;o Kodak, com o pincel em riste, pintava, em êxtase, um “Batatoon em Tripé”; o Peixe Espada chorava, como já era habitual, emocionado por pertencer a tão ilustre sala; o Zé Saltitão unira-se ao Lula, e ambos desesperavam na tentativa de igualar uma Josefa de Vómitos; e, para finalizar o idílico quadro, o nosso querido e amado Choco dedicava-se à “ arte etnográfica pré-colombiana”, mais propriamente à cultura de Tiahuanaco, esculpindo um generoso Virgulino, com cordelinho das Caldas. A apreciar o desenrolar dos acontecimentos, estava o exigente senhor Pintor, um homem implacável, formado nas melhores escolas da Brandoa, com mestrado na Linha de Cascais e colega de dois sábios do pino e da cambalhota, um, um “stor” pobre”, o outro um “stor” rico.
- Acudam, acudam – gritou alguém. – Acudam, acudam, tenho a ...em chamas!
A quebra do silencio inspirador fez com que o Bibi transformasse o seu Caravaggio, num Picasso coxo e pedófilo.
- Acudam...acudam...tenho a...toda em chamas!
- Mas, o que é que se passa !?? – interrogou-se o senhor Pintor, saindo da sala.
Os seus olhos de lince deram de imediato o alerta.
- Fogo, fogo...há fogo no andar em frente – alertou, correndo de imediato para o local do sinistro, tendo para isso trepado uma parede, tal qual um felino, e atravessado um telhado periclitante, tal qual um trapezista. – Fogo, fogo...senhor Porres, fogo, - gritou, já com a mangueira pessoal na mão, e pronto a despejá-la na cozinha em chamas.
Mas a idade nunca perdoa! Apesar do esforço titânico, só conseguiu atingir os sapatos. Quanto à retaguarda, ainda demonstrou não ter folgas, pois o petardo colou o Porres à janela do bar.
- Xiça, a bilha do gás devia estar cheia! – Resmungou o Presidente.
- Porres, não é altura para se encostar, - alertou o Pintor, aproximando-se agora dum Herói. – Vá buscar a pistola de pressão.
- Pistola de pressão!?? Mas, aonde?
- Deve estar na entrada.
O Porres já não precisava de ouvir mais nada. Arrancou, a todo o carvão, tal qual um carrinho do Continente com a roda da frente quadrada. Quanto ao nosso Pintor-Herói, lá permaneceu com o peito a desafiar as chamas, e agora também com uma outra mangueira nas mãos.
- Castanheira, dá-lhe toda a pressão.
O barulho ensurdecedor da turbina a arrancar, dava a sensação de estar no aeroporto de Lisboa. Mas, foi sol de pouca dura. As pingas nem aos sapatos do Bombeiro chegaram.
- Mangueira por mangueira, prefiro a minha, - gritou orgulhoso o Pintor-Herói-Bombeiro, revelando possuir humor perante o perigo.
- Está aqui a pistola de pressão – gritou o Porres, irrompendo pelo palco da tragédia.
- Mas, isso é uma colher de sopa ! – Informou, desiludido, o Castanheira.
- Se a pistola não vem, apago o fogo à dentada! – Ameaçou o Pintor-Herói-Bombeiro.
Quanto ao Porres, desapareceu novamente nas entranhas da escola, em busca da maldita pistola de pressão.
- Vou novamente recorrer à minha mangueira, - alertou o Pintor-Herói-Bombeiro.
- Não, não, - ainda se ouviu o Castanheira, pondo as mãos na cabeça.
A cena repetiu-se: na parte anterior ficou-se pelos sapatos, e na posterior sentou o Castanheira dentro do lava-loiças do bar, em cuecas.
- Cacanheira, Cacanheira, quéle cócó! – avisou a monga de serviço às bicas.
- Atrevido, já não tem idade para estas cenas, - gritou a dona Luisinha, a generala do estabelecimento.
Mas, o motorista só conseguiu recitar o “a, e, i, o, u”, sem o “o”.
- Está aqui a pistola de pressã, - gritou de novo o porres, arremessando o objecto.
O Pintor-Herói-Bombeiro agarrou-a com a mão esquerda e colocou-a com a direita. Bastou uma gatilhada para apagar o fogo.
- Bom trabalho, colega! – disse o Chefe dos Bombeiros, dando uma palmada nas costas do novo Rambo da Roque Gameiro.
As notícias correram depressa, a população juntou-se e arranjou um cognome para este futuro inquilino do Panteão Nacional. Como Pintor-Herói-Bombeiro-Rambo era um nome enorme, uma Comissão, formado para o efeito, decidiu fundir as quatro palavras, e criou uma nova: Trombeiro.




Monday, January 03, 2005

O VIRABICOS





                          Camarada Choco
                                 



Até agora todos os meus heróis apresentaram-se com os rolamentos gripados e as juntas da cabeça queimadas, muito tostadas. Pois bem, vou deixar no descanso os meus queridos e amados colegas de curso, e vou-me atirar, de cabeça, aos meus ricos tutores. Temos genes a menos, e é esse o nosso problema; eles têm genes a mais, e isso também é um problema! Portanto, estamos todos no mesmo saco e, por incrível que pareça, adoramos o buraco em que nos meteram.
Esta é a história do Virabicos, o maior animador do distrito de Lisboa e arredores.
- Senhores e senhoras, o bando dos Marrecos e Anões, da Associação Portuguesa dos Amigos dos Corcundas e Meia Lecas.
As cortinas afastaram-se e do meio de uma escuridão e fumo, saíram vários mongas a cantarolar e a dançar, tais quais caixas de pastilhas Valda cheias de pulgas do mar. A um canto, e a tocar à gaita, lá estava o autor e encenador da peça, o famoso Virabicos, com uma cabeleira encaracolada, estilo Dino Meira, e uma túnica branca tipo mortalha. Findo o acto, nova pausa para retemperarem forças e mudarem o cenário. Saíram duas cadeiras de rodas da marca “Lolita Veloz” e entraram duas cadeiras de rodas da marca “Tremoço Saltitão”. Alguns minutos depois ouviram-se toques de Monguiérre. O apresentador coxo e zarolho reapareceu e anunciou:
- Senhores e Senhoras, Portugueses Mongas e Portuguesas Mongas, vamos ter o prazer de assistir à actuação do “Agrupamento Recreativo dos Coxos da Associação Portuguesa dos Vizinhos dos Ditos”.
As cortinas tornaram-se a abrir e do meio de uma escuridão com fumo, regressaram novos mongas a dançar e a cantarolar, tais quais caixas de pastilhas Valda cheias de pulgas da terra. Num canto do palco, e a tocar no bandolim, estava o autor e encenador da peça, o já lendário Virabicos, com uma careca tipo cú, e uma tanga branca impoluta, estilo Tarzan, que deixava os espectadores adivinhar que a sua dita era tão torta como a do camarada Choco.
Findo o segundo Acto as cortinas fecharam-se com estrondo, deixando de fora um monga, que aproveitou a ocasião para agradecer efusivamente sem parar, até que uma mão vinda do palco o engoliu, num abrir e fechar de olhos.
De repente alguém pede ajuda na primeira fila, debruçando-se desesperado sobre um espectador. Um pelotão de cinco mulheres precipita-se sobre uma cadeira de rodas da marca “Fórmula Um “, e arrasta-a para uma das saídas de emergência, deixando atrás de si um rasto castanho nauseabundo. O purgante dado estrategicamente em casa no dia anterior, fizera o seu efeito.
Novos toques de Monguiérre e outra vez o coxo e zarolho em acção:
- Senhores e Senhoras, Portugueses Mongas e Portuguesas Mongas, o “ Bando dos Estrombólicos e Mijões” da “Associação Pedagógica Para a Inclusão dos Mija-Paredes
A luz apagou-se, a escuridão invadiu a sala e o público susteve a respiração. De repente, um monga fluorescente cruza o palco como um raio; depois outro, e mais outro, uma nuvem de pirilampos mágicos orientais risca a escuridão, acompanhada dum barulho ensurdecedor de tambores, bandolins, gaitas e tudo o mais que estivesse à mão. Quando a luz de um holofote tornou a iluminar o palco, mostrou a nú o grande ilusionista e autor do espectáculo, o senhor Virabicos, desta feita vestido de negro e com uma bela cabeleira verde. Ah Leão ! E depois acendeu-se outro projector, e mais outro, até que o público se apercebeu que um dos bailarinos estava sem calças, em pânico, por ter o material em chamas devido aos efeitos especiais, e também por culpa do seu colega Pequeno Polegar, que resolvera passar-lhe por baixo das pernas. Sem demoras, apagou-o na cabeça da sua colega Lolita, que lhe retribuiu com uma mão cheia de Sarna. Foi visto mais tarde, de gatas e a coçar sofregamente o baixo ventre, com o membro superior direito e com o queixo.
Findo este Acto veio o intervalo, que fez com que o empresário Virabicos entrasse numa convulsão existencial, que o levou, via telemóvel, ao contacto com a doutora sem canudo, comunicando-lhe o fim do contrato que os ligava, não indo por isso participar na “Feira Internacional Hexassómica do Afeganistão”, organizada pela “Associação dos Amigos dos Afegãos com duas pernas e dois braços”. No calor da discussão, nem reparou que se sentara na cabeça da sua aluna Lolita, sendo assim mais uma vítima da chiquérrima Sarna.

CRRR.....CRRR
A um dado momento, a sala foi invadida por um barulho ensurdecedor, levando a assistência a temer um ataque de caruncho, que fizesse desabar o teatro. Mas, tudo foi salvo por um erro do nosso guerreiro e herói Choco Silva que, para impressionar a sua BéBéu, se lançou a uma corda existente no palco, para imitar o Tarzam, e assim subiu o pano para mais um Acto.
De costas para a assistência, dobrado para a frente, o nosso querido e visionário Virabicos coçava freneticamente o pandeiro com o microfone, sinal de que a chiquérrima Sarna já tinha acampado e começara a laborar. O aplauso foi geral, o espectáculo era intelectualmente elevado, conseguir fazer música com o cagueiro era um dom exclusivo de seres com mentes brilhantes, e o senhor Virabicos demonstrava ali que estava ao nível do Beethoven, do Mozart e do Batatoon. O show terminou quando o camarada resolveu mudar de liana e fechou com estrondo as cortinas, caindo desamparado sobre a sua Bébéu, que ficou com os olhos pregados no chão de madeira.
- Bis, bis – gritava a multidão em êxtase.
Mas, os fundilhos em chamas tornavam o nosso Mozart da Brandoa insensível aos apelos do selecto público. E, sem maestro, os artistas não funcionavam. Mas, como não havia nem espaço nem paciência para os ter nos bastidores, foram atirados para o palco, para só serem recolhidos quando o seu tempo de cena acabasse. Na plateia o responsável camarário pelo teatro não cabia em si de contente, perante tão ilustre público.
- Estava habituado a casa cheia com dez visitantes e agora estão aqui trezentos estrangeiros.
- Imagine que me mandaram o Gelatina para casa, porque diziam que estava cheio de sarna – interrompeu-o uma jovem mãe.- Tive de gastar uma pipa de massa e afinal eram só pulgas!!
- Só pulgas!?? Mas, afinal também há aqui estrangeiros com pulgas!?? Então, não são trezentos, mas três mil espectadores. Isto é o delírio! Desculpe minha senhora, mas vai-me dar um treco.
E caiu redondo sobre o colo de um africano, que só teve tempo para gritar:
- Gostinho, gostinho, gelatina, gelatina.
Entretanto, a Bébéu veio a si, debaixo do Choco, e resolveu agarrar-se no que estava mais à mão. Foi fatal! O puxão fez o macho subir de novo à liana, e os cortinados abriram-se com estrondo, deixando ao léu uma cena digna dos melhores caranguejos da Brandoa. Os artistas estavam em palco, congelados, cada um na sua posição.
- Caravaggio, Caravagio – gritou um velho gágá. – Milagre, milagre, isto é um milagre – e ajoelhou-se junto ao colo do africano.
- Gostinho, gostinho, gelatina, gelatina – berrou o preto, apertando entre as pernas a cabeça do ancião.
A força foi tanta, que a dentadura cravou-se no pepino do jovem.
- Gostozão, gelatina, macabé, escarumba – gritou, regressando por momentos a uma experiência da passada vida íntima com o primo, até este lhe Ter dado vários chutos, que lhe colocaram os intestinos nos joelhos, obrigando-o a cagar fininho durante muitos anos, tantos quantos a sua vida de clandestino.
O delírio era total ! O senhor Virabicos entrou numa excitação incontrolável, de memórias e alusões da sua sexualidade pré-genital primitiva, que o levaram a soltar uma verborreia cabo verdiana, seguido de uma exibição que mostrava um ID desinibido e grosseiro, que lhe furou as cuecas cor de rosa, transformando-o no seu próprio negreiro, e fazendo-o reviver a sua evolução de alforreca a bípede terrestre. Sacou, de imediato, o telemóvel e, sem demoras, retomou o contrato com a doutora sem canudo. Iria novamente ao Afeganistão e, com toda a certeza que, no meio de tantas burkas, descobriria um naipe de mongas ao quadrado, e os traria ao palco da Amadora para uma nova “Terapia pela Arte”. Ainda teve tempo de telefonar à sua amiga húngara a contar as novidades.
No palco os estrangeiros mantinham-se estáticos, representando na perfeição o “Martírio de São Lucas”.













Sunday, December 05, 2004

Caldo Verde

                          Camarada Choco
                                        



Por vezes quem sai aos seus regenera...mas não o suficiente ! O chinês é trissómico e a sua progenitora é quadrissómica, pentassómica, hexassómica...enfim, ela é que deveria estar com o parafuso, a anilha fina, a anilha grossa e a porca. O canteiro à entrada da Escola que o senhor Virgulino tenta desesperadamente manter florido, leva todos os dias com pequenos presentes dos felinos do bairro. Foram tantos que ele até já se habituou. Até que um dia...
- Dinossauros !?? Agora até dinossauros vêm cagar aqui !! – gritou desesperado o candidato a jardineiro fininho, tentando expulsar o intruso com uma busca-pólos – francamente, sou o único que trabalha nesta espelunca...perdão, nesta casa e só me sai é merda !
Recuemos no Tempo. Duas horas antes o chinês aprontava-se afincadamente para mais um dia escolar, enquanto que a sua mamã tentava desesperada descobrir qual era a parte da frente dos calções que o seu miminho iria vestir. A tarefa era tão difícil que ela nem se apercebeu que o estudante tinha ido à cozinha dar os bons-dias ao periquito estrábico que falava espanhol e arrotava em árabe. Como sempre e devido ao efeito cromossómico, procurou-o no fogão. E qual não foi o seu espanto quando deu de caras com um naco de carne assada de odor suculento. Quando fechou a porta do forno já o pedaço do porco lhe forrava as paredes do estômago. No entanto a mãe descobriu que a braguilha era definitivamente virada para trás, para assim lhe facilitar a saída dos seus inúmeros gases dinossáuricos.
- Rodrigues, diz adeus à tua passarinha e vem calçar os calções.
Nem veio. Nem respondeu.
- Rodrigues estás a ouvir-me ?
Nem a ouvir, nem a ver, nem a sentir, mas sim a digerir.
- Se não vai a marmita à castanha, vai a castanha à marmita – gritou a senhora.
Dito e feito. A mãe embrenhou-se em passo de corrida pela cozinha, mas por mais incrível que pareça, e só explicável por ser uma senhora pentassómica, tropeçou no penico que estava em cima do lavatório com as escovas de dentes lá dentro, e marrou de encontro à proeminente barriga do filho que, devido ao impacto, soltou um estrondoso arroto, que colou às grades o pobre do periquito e o transformou num mini-franguito-da-guia.
- O jantar, o jantar da família – berrou a fêmea quando sentiu o cheiro a colorau. Comeste o jantar dos tios !
A resposta do chinês foi um sorriso maroto e uma bufa das antigas, com molho e couves.
- Vamos, vamos embora – e pegou na mão do Rodrigues arrastando-o para a rua.
À medida que se aproximavam da Escola o meteorito intestinal do trissómico aumentava a cada passo, dava a idéia de que já se deslocava a jato.
- Aguenta, aguenta que já estamos quase a chegar – gritava a mãe desesperada, ao mesmo que lhe desapertava a braguilha para aliviar a pressão, não fosse ele explodir a qualquer momento.
Mas na última curva o chinês começou a deitar fumo e ela só teve tempo de o atirar para o canteiro de estimação do Virgulino.
- Agacha – ordenou.
E a cena era linda: margaridas, cravos, rosas, agapantes e uma... uma espécie de melão sorridente e sonoro.
- Chega, chega, toca a entrar, eles que te limpem.
E o Rodrigues ainda foi visto a entrar e a deixar atrás de si um rasto de couves verdes salpicadas de castanho.
- A minha carne assada – lamentou-se a mãe, olhando entristecida para o produto expelido pelo seu querido trissómico – até tem cenouras e couves.
O assunto das tripas estava resolvido...ou talvez não ! A mãe rumou para o emprego e o filho desapareceu nas entranhas do edifício. Como bom profissional encontrou a sala e, com sofreguidão, agarrou na cana e lançou-se à pesca. Sabia de antemão que os peixes só iriam picar quando a corda do mecanismo acabasse e por isso fez apelo à sua paciência de um falso chinês. As horas passaram até que alguém o chamou:
- Piscina, vamos para a piscina.
O bufador asiático levantou-se, pegou no saco e dirigiu-se sorridente para a carrinha, que já estava apinhada. Junto à carrinha o senhor Virgulino continuava desesperado a tentar afastar o intruso do seu querido canteiro.
- Só eu é que trabalho nesta casa. O raio do gato devia ter o tamanho de uma vaca e ainda por cima comeu uma saca de cenouras e couves.
O Rodrigues ainda lhe deitou um olhar maroto, mas foi por pouco tempo, pois o Porres arrancou de imediato.
A segunda parte do jantar destinado aos tios do nosso amigo saiu quando ele estava a nadar num brilhante estilo-à-cão E não era só ele que nadava, atrás de si seguia em fila ordenada um conjunto de couves e cenouras, tal qual uma pata com as suas crias.






Friday, November 12, 2004

CRIME PERFEITO





                         Camarada Choco
                                          Aventura 20



Era uma vez uma ilha semeada de coqueiros e de gente exótica.....
O choro dentro da cubata era a duplicar porque em vez de um nativo vieram ao mundo dois. O acontecimento foi comemorado com poemas, vinho, catinga e muita...muita imaginação:

Óbvio e Óbvia, respectivamente o nome do rapaz e da rapariga.

Os livros e os cocos tinham influenciado o pai, não fosse ele um candidato a poeta-pedreiro, sempre vestidinho de branco, boininha e cheirinho maroto a catinga. Mas nas histórias cor-de-rosa também caiem as nódoas! Uma gripe lixou tudo, degenerou para um mal maior que atacou sem dó nem piedade a pobre Óbvia. Havia uma solução: um soro, um simples e banal sorinho. Banal!?? Naquele fim do mundo nada era banal, principalmente a partir do momento em que os seus governantes tinham decidido serem maiores e vacinados. Assim, soro nem pensar....aquele tipo de soro que na nossa terra compramos no senhor Firmino da esquina, na loja dos 150, ou até numa qualquer banca da rua....nem uma gota. Foi-lhe fatal, não no sentido literal mas ao nível motor, mental...existencial.. Tragédia...tragédia!!?? Não...a Sorte Grande, o futuro radioso para a família...o Grande Golpe...a Golpada.
Como o pai tinha acesso ao Presidente da ilha, uma espécie de senhor Porres da loja ao lado, conseguiu passagem para ele e para a filha irem para a terra dos antigos mauzões, à custa dos mauzões. A menina iria fazer uma tentativa de recuperação.
Lembro-me do sorriso genuíno da Óbvia, isso a doença não tinha conseguido roubar-lhe.
- Ela tem uma boa cabeça, deve-se investir nesse aspecto – alertou uma vez a especialista do grande centro aos técnicos e ao pai.
O investimento começou e o pai até conseguiu arranjar o emprego porque tanto lutara: acartar tijolos e outras coisas afins. Graças à filha estava no El-Dourado!...e mais tarde, e porque estavam com muitas saudades da sua taluda, veio o resto da tribo. A festa foi de arromba, o cheiro a matacanha e a catinga fresca embrenhou-se pelo noite dentro, só terminando quando o progenitor adormeceu devido ao excesso de sumo de cevada. Como era óbvio a Óbvia não pode participar porque era...era...era deficiente e naquela festa só entrava gente fina. O azar dela era a sorte dos outros ! E nem teve direito a tomar os comprimidos obrigatórios, porque a mãe só lia em crioulo, apesar de ser analfabeto e o pai estava de férias da filha. Restou-lhe o seu inseparável bóbi, um rafeiro mais arraçado do que os outros, um genuíno anjo da guarda que a mimava de noite e de dia. Talvez os únicos beijinhos que tivera ao longo da sua penosa vida foram as inúmeras lambidelas que o vira latas insistia em dar de minuto a minuto.
A tribo já estava instalada, o pó da ilha ficara para trás e os seus trouxeram uma nova lotaria: “subsídio de assistência à 3ª pessoa”. Mais uns continhos para a algibeira! E para isso bastaria tirar a Óbvia da Escola e levá-la alegremente para o barracão, onde a educariam e reabilitariam com muito carinho. Dito e feito, foi óbvio que a Óbvia regressou ao lar doce lar. E como não era rapariga para grandes fugas, porque com os olhos ninguém conseguiria ir longe, estacionaram-na a um cantinho e aí ficava enquanto todos saiam para trabalhar. Todos!?? Todos não, o inseparável Bóbi não largava a sua grande paixão e passava os dias a alimentar-lhe aquele magnífico olhar.
As suas mazelas obrigavam os músculos a contraírem-se ao mesmo tempo e assim não havia osso que aguentasse. Em seu auxílio vinham sempre os drunfos, que repunham a legalidade naquele pobre corpo e que atrasavam as demolidoras deformações. Até a tribo chegar, tudo era feito dentro da lei, depois dela acampar instalou-se a anarquia típica do seu local de origem. De estúpidos e atrasados revelaram-se uns espertalhões, uns sabichões: o “ subsídio de assistência à 3ª pessoa fez com que o dinheiro que era dado à Escola fosse parar aos fundilhos do pai e assim passarem a tratar alegremente do seu Totobola. E como com tostão a tostão encheriam depressa o mealheiro em forma de coco, abdicaram das idas à farmácia e assim passaram a poupar o dinheiro que antes a Escola gastava nos drunfos. E quando o mar bate na rocha quem sempre se lixa é o mexilhão, neste caso o molusco chamava-se obviamente Óbvia. A partir daqui os ossos da pobre pequena começaram a gripar e as deformações acentuaram-se. Nenhum apelo às instâncias responsáveis foi o suficiente para salvar a pobre criatura que um dia nasceu no sítio errado com tudo errado.
O único ser que a acompanhou até ao horrível fim foi o seu inseparável Bóbi. !


Tuesday, October 26, 2004

Queda para a Música

                           Camarada Choco

                                          Aventura 19

Os excessos por vezes pagam-se caro...caríssimo ! E a devoção exagerada a uma causa também não é boa conselheira, pois pode ser ela a responsável por esse excesso...e que excesso ! No meio deve estar a virtude, a vida é para ser levada com moderação. As coisas fazem-se lentamente, passo a passo, e só se avança para a etapa seguinte quando a anterior estiver bem consolidada...repito...bem consolidada. Não é por fazermos muito e gritarmos que fazemos muito, que iremos ter um chalet lá em cima.
O Natal estava à porta, a grandiosa e luxuriante festa organizada pela nossa querida Escola para Desaparafusados da Venteira aproximava-se. Afinavam-se os últimos acordes, os ensaios intensificavam-se, tinham conseguido adestrar a Papoila a dizer ao microfone a palavra “Amor” ( politicamente correta para a ocasião ), sem com isso ter um ataque epiléptico ou enfiar dois abrunhos ao colega mais à mão. A Dona Ermelinda já confirmara a sua presença gratuita e calculava-se agora o seu tempo de atuação, não esquecendo o inflacionamento habitual: oficialmente 1 hora, mas na prática 5 horas, ficando sempre a tocar sozinha para o representante do representante do Presidente da Câmara, visto as outras ilustres pessoas terem muito trabalho nestas alturas, apesar de serem sempre uns apoiantes incondicionais dos deficientes.
Os cenários já estavam montados, a vomitadela de última hora da Papoila para cima de um Pai Natal já tinha sido absorvida pela farfalhuda barba; à vaquinha faltava-lhe um olho, comido com elegância e sem subtileza pela “Bébèu”, que a confundiu com o seu esbelto e amado Choco. Naquele meio ninguém iria estranhar uma leiteirinha com um só farol. A cabeleira verde da SóTraques cabia-lhe que nem uma luva, mas ela ainda não se tinha sintonizado com o espírito natalício e por isso arrancava com sofreguidão a “permanente” de cada vez que a colocavam na sua mona em forma de ananás. A ameaçar ajudar no evento estava a mãe da Castafiore, uma espécie de Amália com Dino Meira, que tinha umas cordas vocais gripadas desde a adolescência. Era demais ! Se ela ousasse aparecer temia-se que os políticos ameaçassem com reuniões imparáveis, e sem o poder não haveria subsídios. O próximo Tegretol teria de ir parar ao bucho da Amália Meira, custasse o que custasse.
Na sala ao lado embrulhavam-se as prendas que iriam ser dadas pelo Pai Natal versão mauber. A convivência de muitos anos fazia com que se soubesse, sem margem para erros, quais os presentes que cada um gostaria de receber.
- O Tremoço vai adorar esta guitarra, – dizia com paixão a funcionária e amiga – a música para ela é tudo! – apesar de ter só uma orelha e mesmo essa ter problemas na segmentação.
O festival ultrapassou, mais uma vez, as expetativas, a Amália Meira cantou e desencantou, os políticos retiraram-se quando a comunicação social fugiu, a Papoila acabou por afiambrar aos tortos e aos direitos, a família Ramires trouxe a tribo e saqueou a mesa dos comes, e o Tremoço lá recebeu entusiasticamente a guitarra mas...e aqui é que está o imbróglio da questão...devido à confusão do fim da festa, esqueceu-se do instrumento na carrinha. Possivelmente deverá ter reclamado em casa, mas como só usava uma linguagem extraterrestre ninguém notou a ausência do objeto de prazer infinito.
- A guitarra do Tremoço ficou aqui – disse a extremosa funcionária no dia seguinte – coitadinho dele deve estar à beira de uma travadinha e por esta altura já deverá ter destruído a parede com as cabeçadas de protesto.
- Deixa-te desses exageros – respondeu-lhe uma colega – ele se calhar já nem se lembra que recebeu uma guitarra.
- O quê!?? Fica sabendo que o meu Tremoço é um rapaz muito esperto. Logo ao fim da tarde vou-lhe levar a prenda antes de ir para casa.
Dito e feito ! Às 18H30 de um dia qualquer do século XX o instrumento foi depositado nas mãos do Tremoço, que começou de imediato a esgalhá-lo, tentando assim tirar-lhe umas notinhas esganiçadas. No dia seguinte a mãe teve de se deslocar, como de costume, à loja do senhor Pereira dos Tomates de Ouro e deixou o artista na esgalhação da sua guitarra. Como segurança, não o fossem raptar, deixou a porta do apartamento aberta. E o Tremoço lembrou-se de dar um show ao vivo para os vizinhos. O resto foi muito rápido: a guitarra escapuliu-se das mãos do punk, precipitou-se para o rés-do-chão...e no seu encalço foi o Tremoço.





Monday, October 11, 2004

CENAS CANALHAS

                          Camarada Choco

                                         
 
O mar batia furioso de encontro às rochas, lixando para sempre alguns mexilhões mais atrevidos, enquanto que noutro ponto do país fluidos cerebrais batiam furiosos de encontro aos restos de neurónios, lixando para sempre os sonhos cor de rosa do nosso querido e estimado Choco. As gaivotas fugiam em pânico dos respingos violentos que se projectavam no ar, dizimando tudo à sua passagem, enquanto que no outro local os piolhos, as cabaças, os cutrilhos e as burgalhotas fugiam em debandada, pelos lençóis abaixo, deste terrível terramoto existencial. O bater de uma onda mais violenta rasgou as entranhas da terra e tudo desapareceu numa nuvem de espuma; a T-Shirt vestida no ano lectivo anterior rasgou-se com violência ao nível dos peitorais e lançou para o ar as moléculas de odor corporal, que obrigaram a um suicídio colectivo das cutrilhas que estavam a vomitar à janela; a fúria da tia Natureza não tinha limites, tudo era diferente, tudo era igual, o Oceano e o Choco misturavam-se numa orgia infernal, ora eram pedaços de rochas que se projectavam no vazio, ora eram pedaços de sebo que se colavam com estrondo no poster do herói da cassete pirata, que se confundia com o musgo das paredes sensuais do quarto do camarada Choco. A vida estava ingrata e os sonhos já não eram cor-de-rosa, a sua sensual “Bébéu” já há muito tempo que o largara, estando agora a largar a sua excitante bába, não de camelo, no colo de outro. Os sonhos do dragão da Venteira eram agora negros, carregados de trovões, peidos, relâmpagos rápidos e jactos de mijo, que decoravam as cuecas vermelhas com bolinhas brancas. Só o faro deste predador é que conseguia distinguir a parte da frente da de trás e nunca se enganava, prova irrefutável de que os seus neurónios cerebrais, apesar de reduzidos, eram dos melhores. O ladrar carinhoso do “Jardel” deu-lhe os bons-dias, mas infelizmente o senhor Choco não estava para aí virado e teve assim necessidade de transmitir ao canídeo de estimação da mãe a sua opinião sobre o estado do tempo: o coice colocou o peluche arrumadinho ao colo dum Santo António com fácies de trissómico. E como um colo dum Santo só tem espaço para uma criatura de cada vez, o menino não teve outro remédio senão despencar-se das alturas e cair em cheio dentro dum balde com as cuecas de molho de toda a família. O desencadear de acções familiares foi puro e duro, após a mãe se aperceber do estado periclitante da “jóia da coroa”. Entrou em cena o chefe da família, o único contribuinte, o empresário, que se atirou sem dó nem piedade ao Choco e fez dele um “puré-de-batata-da-loja-dos-300”. Estranha forma de iniciar um novo e solarengo dia.
A rejeição tinha-se consumado, a mãe já não o queria, abandonava-o agora aos 22 anos e doava a sua parte do carinho à irmã, tornando-se ela agora a única totalista do “Amor de Mãe”. Triste e abandonado, tal qual uma Ágata qualquer, o nosso herói pegou na trouxa e rumou em direcção ao trabalho.
O dia não podia ter começado pior. À sua espera estava a Dra., tal qual uma agente da Pide, pronta para lhe fazer a folha.
- Há, à,ó,ô,à – ainda tentou protestar mas foi em vão.
Confiscou-lhe o saco de plástico e abriu-lhe com raiva a mochila tipo pára-quedas. O conteúdo ficou no chão à mercê das patas dos seus colegas, tal qual as batinas dos universitários. As minhocas, que já tinham construído moradias de musgo numa ex-toalhinha branca, não tiveram outro remédio senão protegerem-se dentro dos ténis vermelhos deste Che Guevara da Brandoa, apesar da natureza-morta do seu ambiente.
A vida de um revolucionário não estava para brincadeiras desde o 11 de Setembro. Até aqui, neste edifício a quem ele considerava a sua primeira casa, uma simples mochila de 50 Kg não passava despercebida. Na noite anterior tivera tanto trabalho a transformar uma toalha de mesa fascista em trinta “bábetes” proletários, para humildemente recuperar o seu “Amor de Mãe”. Apesar da idade cronológica ser a de um adulto, não se aperceberia a mãe de que o conteúdo encefálico parara aos 3 anos, e tudo graças ao Decreto-Lei 40/85 que extinguira os números negativos? E aos 3 ainda se é muito querido e ainda se usam “bábetes”! Quereria a mãe que ele passasse a ladrar para assim também ter direito ao colo, como o Jardel? Enfim, problemas existenciais que infelizmente também afectavam os guerrilheiros. Mas agora era tempo para trabalhar e agarrou no pincel, dando início às pinceladas.


Saturday, October 02, 2004

CHOCONAIFE


                          Camarada Choco
                                              Aventura 17 
 
As mãos apertavam com carícia, tal qual o seu ilustre antepassado “Jack o Estripador”, o pescoço sensual e lustroso da progenitora, aquela que lhe dera de mão beijada os genes da marca Treacher-Collins. A língua do macho já tocava na orelha esquerda, sinal de uma força bem aplicada, enquanto que a língua da fêmea tocava na orelha direita, sinal de uma resistência a atingir a redline.
- HáHêga – gritava desesperada aquela que um dia o tinha parido com tanto amor.
Graças a Deus que o nosso Choco ainda conservava nos seus genes uma réstia de “AMORDEMÃE”. Retirou de rompante as garras do pescoço e enquanto ela recuava devido à anóxia, presenteou-a com um elegante e extraordinário coice, uma forma jubilatória de assinalar e comemorar a vida, que a colou à parede mais próxima, junto a um Santo António que, devido às ondas de choque, largou o menino e precipitou-se de encontro ao chão, fazendo um estranho barulho:
- Bufaram-se – alertou o vizinho do quarto esquerdo.
Era bom era ! Mal ele sabia a fera que morava em baixo, um macho dos antigos, um HOMEM-DAS-CAVERNAS com letra grande, um sábio, um atleta, um mangusto, uma ave rara, um pitrongas, um génio literário..enfim, o Adamastor da Venteira. O esforço fê-lo voltar para a cama e deitar-se relaxado, tendo nos seus braços o ursinho de estimação, o Trabeclas, nome posto em memória do seu grande avô materno, responsável pelo gene – coxo que se infiltrara na linhagem desta distinta família da Brandoa-Sul.
A um canto da casa a mãe conseguira finalmente descolar-se da parede, deixando para trás, não um rasto como o caracol, mas sim a sua silhueta de sebo, que começava agora a derreter com os primeiros raios de Sol. Iria com certeza ser aproveitada para fazer velas no Natal. Pé ante pé a triste senhora, mãe extremosa dum Choco em conflito com o Mundo, espreitou para os quartos dos filhos e confirmou que estavam a dormir. Por breves momentos esqueceu-se do predador e ficou-se com as memórias de há vinte e dois anos atrás, que lhe mostravam um anjinho – achocalhado, ou seria um morcego (??), de trinta centímetros, cor de suspiro-fora-de-prazo e olhos de camaleão. As dores no ombro direito e no baixo ventre trouxeram-me de novo à realidade. Tinha de sair e ir apresentar queixa ao técnico responsável pela reeducação do Choco, enquanto o guerreiro descansava agarrado ao seu fiel Trabeclas. No quarto ao lado dormia com os anjos a Bélinha. A Natureza tinha destas coisas: no lado esquerdo uma fera, um revolucionário à moda antiga, uma raridade, um Viriato em potência, capaz de nos surpreender a todas as horas, senhor de inúmeros odores a macho e dono de uma colecção completa, e móvel, de cassetes piratas, gravadas in loco na feira da Brandoa e com as fotografias do Dino Meira pintadas na altura com lápis de cor made in Afeganistão pelo tio BinLadras; no lado direito uma choquinha sem passado e com pouco futuro, que provavelmente passaria ao lado da História caso o maninho não resolvesse acordar, durante a nobre missão da pobre mãe, e presentear a irmã com uma colecção completa do faqueiro comprado numa loja dos 150 do Casal Ventoso, a prestações constantes e suaves, arrumando-o com classe e charme, característica indiscutível deste diabo-da-Brandoa ( primo afastado do diabo-da-Tânsmania), nas largas costas da irmã. Se os céus quisessem nada de trágico aconteceria.
- Que cheiro a Peido, – alertou de novo o vizinho do 4º esquerdo.
Era bom era ! Mal ele sabia que a fera que morava em baixo acabara de voltar-se de barriga para baixo e isso implicara recorrer a alguns gases disponíveis, que expunham a manifestação de um especial estado de alma.
O senhor Tobias, dono de uma loja de electrodomésticos, ainda viu, de relance, um vulto a passar, tal como um foguete, mas a coxo.
- Bolas, naquela família ninguém cumpre os limites de velocidade, – praguejou.
Mas para cumprir os limites era necessário tê-los ! Na cave do prédio uma masmorra esperava o nosso incipiente herói, tal e qual aquela que tinha visto na televisão.
- À ponho, ponho, – dizia a senhora ao reeducador do filho, demonstrando ser uma governanta diferente, capaz de enunciar uma certa pintura do mundo familiar, não estivesse ela na secção das Artes Plásticas.
Mas contra toda a lógica de um esquema mental humano, depressa avançou com uma proposta lógica e surrealista:
- E se o meu choquinho deixasse crescer o bigode ?
O reeducador nem queria acreditar ! Confuso...perdido nos meandros da mente, já nem conseguia distinguir a ficção da realidade, o dia da noite,...e ainda por cima a mãe esperava uma resposta rápida:
- Então, o bigode !??
- Sim, sim – respondeu com medo, – um bigode... talvez resolva a situação... com uma mosca...
Passavamos de um ChocoKnife para um Zé do Telhado dos autênticos, um galifão, a roubar aos ricos para dar aos trissómicos... uma lenda capaz de fazer sombra ao mais terrível dos Talibãs, ao mais sanguinário dos ladrões, ao mais terrível dos índios.
Depois do bigode ser um dado adquirido a mãe desapareceu no alcatrão de regresso a casa. Infelizmente o Choco já acordara e estava a treinar afincadamente na irmã. A mãe foi a tábua de salvação para a choquinha, pois foi confundida com um Talibã e levou o respectivo correctivo necessário à situação.

2 – 0 foi o resultado do desafio, e por KO !

O dia acabou mal para o nosso querido ChocoKnife pois à noite, mais concretamente às 23 horas dez minutos e quarenta e cinco segundos, a mãe pôs o pai ao corrente da história do episódio número setecentos e trinta e seis da grandiosa novela de Amor, Ódio e Paixão, “ChocoKnife – o herói Treacher – Collins”, e enfiou-lhe vários secos e molhados, ficando no ar a promessa de para a próxima lhe meter os “dentes para dentro, coladinhos ao Céu da Boca”. Enfim, modernisses !.




Wednesday, September 15, 2004

Estranhos Perfumes


                           Camarada Choco
                                          
 
A noite já ia longa, a Lua Cheia banhava de luz as ruelas estreitas da pacata Freguesia, indo os últimos raios terminar nas cabeças dos dois felinos mais famosos da Venteira, o “Rapaz” e a “Boneca”. Mas o sossego estava condenado ao fracasso ! Uma sombra misteriosa e caduca deambulava calmamente pelo terceiro andar direito do número sessenta e nove da rua Mestre Gameiro Monga. A silhueta de uma cifose, vulgo marreca, deslizava com desprezo pelas paredes brancas da habitação, acompanhada à frente por uma face também ela amarrecada. Lucky Luke era o cowboy mais famoso do oeste, que conseguia disparar mais rápido do que a própria sombra e o Choco era o monga mais conhecido da Brandoa, que já não conseguia aguentar com o seu próprio cheiro. As insónias sucediam-se, e a culpa disto tudo devia-se ao facto das actividades na piscina terem encerrado com a chegada do final de mais um Ano Lectivo. Sem natação não havia banhos e agora o Choco vergava-se ao peso do sarro e das borgalhotas. Até um leão deste gabarito tinha limites ! Os carneiros recusavam-se a saltar e sem eles o João Pestana entrara em greve. A solução encontrava-se na cozinha e tinha a forma de um elegante garrafão de perfume, que dava pelo nome de “PacoRabóne”, made in uma loja dos 50 das elegantes catacumbas da Manchúria. Nestas alturas o Choco desnudava-se, tendo mesmo assim dificuldades em arrancar as cuecas amareladas, estilo pergaminho, que teimavam em agarrar-se, tal qual uma carraça, à sua elegante bacia em forma de couve flor. Ultrapassada esta sensível fase, o nosso herói do cinema mudo abria com os dentes o gargalo em forma de tremoço e expulsava com sofreguidão o cheiro nauseabundo que já lhe riscava a alma. Mas havia algo que teimava em permanecer e esse algo eram os odores insuportáveis das entranhas! Como felino que era, também conseguia sempre ultrapassar estes obstáculos. Nada como uns bons gargarejos, seguidos de várias deglutições do maravilhoso “PácoRábo”. E assim terminava mais uma das inúmeras sessões nocturnas do nosso querido Choco. A tudo isto assistia a sua incrédula progenitora, também ela com dificuldades em adormecer, mas por só contar até às 3 ovelhas e assim não conseguir accionar o velho John Péstan. Tudo isto ela contou, na décima pessoa, à educadora responsável pela difícil tarefa de transformar a irmã do Choco, a já célebre Bélinha, numa cidadã útil à sociedade:
- Todas as noites é sempre a mesma coisa, vejo-o sempre nu a banhar-se no perfume e depois bebe-o, será que o meu Choco é um drógado, um tchocoindependente ?
- Nãoão – respondeu-lhe a educadora, revelando ser uma mulher do norte.
- Mas não vim aqui só para falar de tristezas – continuou a Encarregada da Reeducação do Choco – sabe que hoje deixei a minha Bélinha usar o meu perfume especial – e deu um toque orgulhoso na filha, uma espécie de Choco com saias – emprestei-lhe o “Ananás, Ananás” que comprei por 200 na loja dos 300.
Algures perdido numa das casas de banho do Centro, o nosso herói sofria na pele, mais propriamente ( e sejamos realistas! ) no olho-do-cú, as agruras do seu vício nocturno. Agachado em cima da retrete, tal qual uma galinha no poleiro, despejava, sem apelo nem agravo, o seu “PácoRábo” ingerido na véspera. Mas como a sua coluna nunca fora uma linha recta, sofrendo por isso um desvio no fim da linha, metade do conteúdo intestinal teimava em deslizar pela parede abaixo. O responsável pela pele do Choco Silva estava atento e por isso proibira o uso de cigarros numa área de 50 metros em redor do Predador-Cagador. Uma beata mal apagada poderia transformar o nosso Choco tipicamente europeu, num Choco africano, vulnerável aos instintos rácicos dos vizinhos. Os mais optimistas diziam que ele estava com o cio e tinha assim necessidade de marcar o seu território. Mas fosse qual fosse a razão de largar tanta quantidade de merda, acabou por não ser autorizado a ir com os colegas ao museu do fado, não resolvesse lá marcar o traje de alguma fadista mais atrevida. E o despejo a que foi sujeito, já depois de ter abancado na carrinha, marcou-o profundamente. Foi visto a entrar enfurecido na Escola, deixando rasto como o caracol, só parando na casa de banho mais perto, onde deixou um grafitti de desprezo. Depois da obra feita atirou-se, com as garras de fora e as cuecas dobradas, às costas do Pitrongas, afiambrou duas bolachas no GiGi e marcou um penalty na perna esquerda da Palmira Melga. O Predador-Cagador estava incontrolável ! A cor esbranquiçada esfumava-se, até dava a ideia que já havia um novo Papa, o Choco aproximava-se da forma dum fantasma, um misto de Corcunda–de-Notre-Dame com um saco de Farinha-Nacional-de-50-Quilos. As queixas acumulavam-se à porta do domador da fera, os papéis azuis de vinte e cinco linhas entupiam a entrada para a sala de Artes Gráficas. Até o Windows 95 tinha fugido em pânico! O que fazer para parar esta máquina infernal de chutos, pontapés e borradas?

Sunday, September 05, 2004

O Universitário - Odisseia 2


                         Camarada Choco
                                         Aventura 15 


 

A Faculdade sobressaía imponente do meio verdejante do Estádio Nacional. O laboratório esperava impaciente pela Máquina Humana que se encontrava a uns escassos quilómetros de distância, mais propriamente à porta do ginásio, pela centésima vez, da Instituição onde, afincadamente, se dedicava a tirar o curso “Bucis, Dobradiças e Pinceladas” , tendo em vista ocupar num futuro próximo o Conselho de Gerência da empresa do pai, mas somente nos dias quentes de Verão, visto a mãe se recusar a abrir a loja nos dias frios e húmidos de Inverno, devido ao enrejelamento do único neurónio cerebral, característica partilhada por todos os membros desta tradicional família brandorenha.
A carrinha que se preparava para rumar em direcção ao Palácio da Ciência não saía da fase dos ratés, talvez em solidariedade com o nosso grande Choco, que também manifestava a sua raiva com uns “descuidos” giríssimos, junto à porta da sala de treinos.
- Há,ó,ó,ó,há,à – gritava o nosso herói do filme “E Tudo os Microcéfalos Levaram”, apontando para o interior do micro pavilhão.
Na carrinha o chauffer exprimia a buzina ao máximo e também ele já dava ratés.
- Então, o homem vem ou não !??
- O Choco quer entrar no ginásio, senhor Porres.
- Digam-lhe que a festa hoje é na Faculdade e já estamos atrasados.
Nada demovia o nosso Hércules. Mas algo inesperado, e bem-vindo, aconteceu. Um relógio da marca “United Colores of Benton” encontrava-se perdido a um canto do corredor e uma funcionária ousou encontrá-lo.
-Quem é que perdeu um relógio ? – perguntou em voz grossa.
A confusão era tanta que ninguém lhe prestou atenção...ninguém !??..ninguém não, um irredutível valente agarrava corajosamente no Leão, com o fato a escorrer, felizmente ainda não era sangue, mas da espuma que saía abundantemente dos caninos da fera, agora cravados na porta da “Sala de musculação para mongas e afins”, e mesmo assim ainda conseguira captar a mensagem.
- Que horas é que ele marca ? – gritou
- 21h30 do ano de 1345 AC!
- É do Choco – disse de imediato o valente esquivando-se, mais uma vez, do ataque furioso do Pantera.
O Choco reconheceu o objecto, retraiu as garras, embrulhou a língua, puxou a face pontiaguda de encontro ao crânio e presenteou-nos com o seu sorriso “após um 69”, rumando ao encontro do senhor Porres, que já se encontrava à beira de um ataque de caspa miudinha.
Na Faculdade todos esperavam por esta espécie de simbiose entre o Zé Maria e o John Holmes. Até um especialista vindo expressamente do país mais poderoso do Mundo, um Professor Doutor ( por extenso ), fazia questão de estar presente e participar no teste do Senhor Doutor Choco ( também por extenso ).
Trinta minutos depois e envolto num denso nevoeiro, a carrinha aterrou na Motricidade Humana trazendo a bordo o “Desejado” e as suas inseparáveis faluas vermelhas número 50. A alma branca do Choco contrastava com a cor acastanhada do seu fato de treino do 1º Domingo do Ano Lectivo anterior. Até a sua aura exalava um odor corporal digno dos melhores cobridores da Brandoa.
- Hello, Is this the athlete ?
- Há-ó-ó-há-bóbó – respondeu o nosso querido e estimado Choco no seu melhor inglês, dando a entender ser um especialista nato com a língua.
Entrámos para o laboratório e ficámos de imediato encadeados com a panóplia de luzes e aparelhos que nos aguardavam, sequiosos de prazer. E sequiosa para iniciar o teste estava a nossa cobaia! Tal qual um felino a atirar-se sobre a presa, o Choco dirigiu-se sem receio para o tapete rolante sendo, mais uma vez, traído pelos majestosos paquetes cor de sangue, que o obrigaram a projectar-se de encontro a um enorme cogumelo vermelho, que de imediato obrigou o computador a debitar um número igual ao de uma cautela da lotaria popular. Após uma breve reanimação da enfermeira, que não ganhou para o susto depois de ver tão apolínea figura, ou por ver todo o seu trabalho a ir pela pia abaixo devido a uns Adidas indianos, iniciou-se a ligação das duas máquinas, a artificial e a natural. Tentou-se em vão ligar um conjunto de eléctrodos ao peito do Eleito, mas estes não estavam habituados a agarrar em crostas ensebadas. Foi necessário pedir uma lixa 70 ao senhor Trabujo para assim podermos abrir caminho em direcção à pele do Monumento.
- 1,2,3...teste !
E o computador confirmou a ligação do coração ao hardware.
- Há, ó, ó , á, bóbó – gritava o Choco de prazer, notando-se uma tumefacção debaixo dos sete fatos de banho.
De seguida tentou-se introduzir na boca do herói da Brandoa o analisador de gases, uma espécie de vibrador labial, de cor branca. Mais um problema ! Com a emoção, própria destas situações, o Choco quase que o engoliu, mudando a sua facies de peixe corneta, para a de uma anaconda gigante. Um safanão na cifose fez com que projectasse o aparelho de encontro à parede da sala. Quanto ao computador, dava sinais de não entender nada de nada, as luzes mudavam de cor a um ritmo estonteante e as curvas dos gráficos ultrapassavam o espaço do écrã, dando a entender que tentavam aproximar-se do esquema mental do senhor Choco. Após algum esforço nas tentativas de ligação da Máquina Humana à máquina do Homem, foi dada luz verde para se iniciar o teste. O tapete rolante começou a roncar e atrás dele foi a gazela.
As rotações aumentavam, as da máquina, através dos números, e as do Choco, através das alterações aerodinâmicas, facias e costais, que davam a ideia, e o temor, de que o nosso garanhão iria levantar voo a qualquer momento. A prova aproximava-se do fim, o oxigénio fugia do corredor como o Diabo da Cruz, a cor vermelha das bochechas mudara para azul e os célebres ténis cor de Ferrari pareciam querer fugir dos pés que os alimentavam. Ingratos !

Trás – Pum – iiiii – Chuá
Gritou o bucal quando desacoplou dos beiços carnosos do sensual pantera branca da rua Roque Gameiro e foi esborrachar-se no écrã de 17 polegadas que fazia a ficha à fera.
- Stop, Stop – ordenou o mestre, mas sem sucesso.
A cobaia fazia questão de continuar, estava mais programada do que as máquinas. O professor saiu do seu lugar de espectador deliciado, pôs-se de gatas e num ápice encontrou o silicone. Algum tempo depois já estava colocado, tal qual uma rolha, na boca musculada do Choco, que agora ameaçava catapultar o olho esquerdo.

Trás – Piiiim – Pòin – Chuáá
- Stop, Stop – gesticulava o americano, mostrando à assistência também ser adepto de faluas nº 50.
A gazela fazia orelhas moucas, a meta estava a um piscar de olhos, mas de momento só podia usar o olho direito, visto o outro já deitar fumo e ter a pálpebra colada à testa devido à força do vento.

PUM – PUM
O raté do Choco foi tão violento que colocou o Professor Doutor do país mais poderoso do Mundo na sala ao lado, ao colo de um Professor Doutor do país do Achamento.
E como mandam as leis da Física, a uma acção há sempre uma reacção, consubstanciada no arremesso do silicone, desta vez para o lado esquerdo, devido à posição da boca da fera, indo este alojar-se na boca da assistente, que acusou um excesso de dióxido de carbono e baba no gráfico do computador, levando a incauta observadora a ingerir de imediato um frasco de álcool, receando ficar igual ao atleta tostado...perdão...testado. Tomara ela ter no seu código genes tão finos e delicados como os do Choco !
Fim da prova, discussão dos dados e conclusões:

Ter-se-ia de pedir aos “states” um outro tipo de vibrador....perdão...bucal, mais indicado para o nosso campeão.

Nova marcação, nova corrida !
O nosso querido menino saiu da Faculdade tal como entrou, envolto numa estranha neblina, igual à do D. Sebastião, também ele um grande choco.

Algumas Semanas Depois !
- Então o homem vem ou não vem? – barafustava o chauffer de nome Porres, ao mesmo tempo que tentava, desesperadamente, pegar a velha carrinha já meio amongoada.
- Está colado à porta do ginásio.
- Porra, não me digam que perdeu outra vez a cebola ? – gritou, dando um murro no volante e conseguindo pôr o motor a rugir.
- A cebola não é, está no tornozelo.
- Há, ó, ó, ó, ó, á – espumava o senhor Choco, dando um violento pontapé na parede, fazendo com que a falua esquerda número 50 abandonasse o pé e fosse colar-se ao tecto, devido ao excesso de sebo que transbordava do seu interior.
- Abram-lhe a porta antes que ele destrua o edifício – ordenou o motorista, puxando agora dos galões de Presidente da Instituição e mostrando o cartão que comprovava a sua genuína autoridade.
Desta vez eram uns calções tipo cueca que faltavam ao Pantera Branca, um pouco encardida, da Brandoa. Não podia ir para a Faculdade só com 6 pares vestidos !
A chegada ao recinto da Universidade foi mais gloriosa. O fumo era tanto que os milhares de alunos fugiram do local pensando tratar-se do dia do Juízo Final.
O estrangeiro desta vez tinha tomado as suas precauções. Toda a equipa estava protegida com o equipamento usado no Futebol Americano. Quanto ao Choco, ainda vinha mais cheiroso do que na sessão anterior.
Mas tudo correu às mil maravilhas, o nosso leão vinha mais potente do que nunca e atingiu a nota máxima, excepto na parte final em que cuspiu novamente o bucal. A causa foi descoberta nas folhas da Net que acompanhavam a biografia autorizada do nosso Bomba: o perfil anatómico tinha uma pequena variação em relação à maioria dos da espécie e quanto a isso a tecnologia estava ainda um pouco atrasada.
A festa acabou com o Porres a gritar bem alto, como manda um bom político:
- Comigo a Presidente todos vão ficar iguais a este !