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315 estórias

Saturday, April 16, 2005

O Cunhado do Choco

                        Camarada Choco
                                        

O 25 de Abril seria , daqui para a frente e até à eternidade ( se Deus lhes tivesse dado esse direito ), um marco duplamente feliz para a mamã do Choco: o dia em que, devido à democracia e à liberdade, tinham sido legalizados os casamentos entre indivíduos com os cromossomas gripados; e o dia em que a sua Bélinha lhe havia comunicado estar grávida de um pintor, estando assim em perspectiva a perpetuação do cromossoma-coxo-dominante, auxiliado agora por um pincel das melhores espécies, que daria, com toda a certeza, lugar a uma brocha de cabeça larga. A emoção era tanta, que o “Jardel”, o único membro da família com os ditos ( cromossomas ) no sítio, resolveu expulsar excrementos pelo ânus, deixando um “brigadeiro” junto aos pés da dona.
- Maroto, pensaste o mesmo que a dona ! – cacarejou a futura vóvó, tirando do bolso um papel higiénico, que servia como recibo na loja do seu amado esposo. Mas, quando se preparava para embrulhar o “pastel da Venteira”, um golpe de vento fez voar a factura e o presente foi sofregamente agarrado pelos lindos dedinhos, que embalaram durante anos o casal de choquinhos. O Tempo parou repentinamente: a dona do “Jardel” olhava desesperada para as unhas, acabadas de arranjar no canil dos “Invisuais do Comércio”, e não conseguia expressar algum sentimento. Saiu a galope da porta da Escola, e ninguém conseguiu saber o que é que aconteceu ao resto do “Danquecas”.
À tarde a mãe levou a Bélinha à genecologista e contou-lhe a novidade:
- A minha filha está à espera de uma brocha de cabeça larga – e apontou para o ouvido da rapariga.
Os muitos anos de trabalho com a família Choco faziam desta médica uma expert em raridades.
- Está grávida?
- Sim, sim, tem o bucho cheio com uma brocha de cabeça larga.
- Meu Deus, mais chocos ?? – gritou a médica, pondo as mãos na cabeça.
- E sabe quem é o pai ?
- O SENHOR PINTOR – respondeu orgulhosa, em maiúsculas e a negrito, e continuou. – é o homem indicado para a minha filha, é quem eu sempre desejei – e meteu a mão no bolso, à procura da fotografia do futuro genro.
Mas só conseguiu encontrar parte do maldito “brigadeiro”, que aproveitou a saída para lançar o seu inebriante odor.
- De gravidez não há vestígios, mas parece-me haver indícios odoríficos de uma valente feijoada – disse secamente a médica.
- É pena, e eu que gosto tanto daquele pintor tão charmoso. Deve ter cá um pincel – e agarrou-se à perna da mesa. – Não sei se a doutora já reparou, mas a minha filha é deficiente – informou a dona do “Jardel”, pondo a mão do bolso no ombro da médica.
- Deficiente!? Quem diria, uma menina com um ar tão arguto – gritou desesperada, empurrando-as para a porta e encerrando de imediato o consultório.
Na rua, a mãe pôs a mão no ombro da filha e disse-lhe:
- Tens de ter paciência – aconselhou a mãe. – O pintor há-de ser nosso... teu, só teu. – E dito isto foi engolida por uma alucinação visual, que a levou para um campo da Brandoa rural. Em cima dum monte o pintor, com o pincel em riste e os caracóis ao vento, escarafunchava numa tela do tamanho do horizonte, fazendo um “Picasso” semelhante à sua amada. No vale, a quinhentos metros de distância, a musa gritava pelo seu cobridor:
- Árlos...Árlos...meu mor...Árlos...Árlos...meu hintôr hamádo.
A um sinal dum burro os dois seres precipitavam-se sedentos de amor...mas a convulsão acabou e a mãe voltou à Roque Gameiro, tendo por companhia as auxiliares responsáveis pela reeducação da sua Bélinha.
- Então, como é que está a sua filha ?
- Na mesma, mantém-se deficiente, como o irmão. Gravidez, nem pensar, está sequinha, a médica não encontrou aquela cola branca pegajosa. E eu que estava tão desejosa de ter um netinho branco com caracóis. Vou ter que comprar um caniche !

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