Série Colégio Militar
Para os Meninos da Luz a Rosa era
diabolicamente bela, uma implacável provocadora, uma rapariga topo de gama, num
espaço sem concorrentes. Por isto esta história oferece várias portas de
entrada para um mundo de imaginação arrancado ao real e colado à pele colegial,
onde o tempo é só um. Quando uma se abriu, a lateral que dava acesso à primeira
e terceira companhias, saiu o Horrível, seguido do Peidão, do Gordini , do
Peida-Gorda e do Leitão. Como o 125 se auto-intitulava
um predador, sempre cheio de histórias fantásticas com fêmeas durante os
fins-de-semana, atirou:
- Patronilha, a tua mulher nem
com uma almofada na cabeça!
O vigilante poisou os discos de embraiagem da
sua Java, que tinha os mesmos centímetros cúbicos que o provocador, e estava
completamente desmontada no passeio, levantou-se e, a sorrir, deu o troco:
- É feia mas f… bem!
Risada geral, cumprimentos, e rumaram
em direção aos claustros, onde iriam ter “Estudos” com o Didi, levando nos bolsos
várias molas da bomba do vigilante Patronilha. Passou
por eles, em andamento acelerado, no seu soberbo Volvo azul, o engenheiro Grijó
sendo saudado efusivamente pelos seus alunos:
- Semita, espero que morras,
assim não tenho de ir estudar Física, - gritou o Minhoca, atirando-lhe um
limão, e escondendo-se atrás da sebe da Enfermaria.
Mas como a perícia do 280 não era muito famosa,
o citrino esborrachou-se num vidro da janela da sala de leitura da terceira
companhia. Na outra ponta da parada, vindo do futuro, abriu-se com estrondo a porta de acesso à
segunda e terceiras companhias, e o Gordo saiu a correr com o caixote de lixo
na mão e colocou-o no meio da estrada, escondendo-se de seguida. Quando o À
Nora se preparava para mergulhar do
armário para a cama do Puto da Fisga, cujas molas já estavam dobradas pelas
bombas de outros, ouviu o chiar do carro do professor de Química e viu o
contentor a espreitar pelas janelas. A porta da sala de música abriu-se com
estrondo e o Escalope saiu a correr, perseguido por um Carioca em fúria
decidido a fazer-lhe a folha. Nessa altura já os colegas apreciavam um estranho
Ford Escort com o emblema das “Operações Especiais”.
- Amarelo?? – Interrogou-se o
Horrível, o maior macho da Luz e dos arredores
Na última formatura a Terceira
Companhia foi surpreendida com uma queixa insólita de um graduado:
- Alguém esteve a fumar na minha
cama, e queimou o lençol, - gritou, com os óculos embaciados e boca a espumar. –
Dou um minuto ao responsável para se acusar !
E porque quando havia
“contradições” estas eram resolvidas com uma Firmeza, o Comandante da Companhia
ordenou:
- Cócoras, - gritou o Mula. –
Quem é que queimou a manta do Coirão?
Nada, o impasse manteve-se, como
já estava previsto. Para que o espetáculo fosse convincente, houve necessidade
de uns biqueiros, e outros mimos já habituais.
- Ninguém se acusa? Então vão ter
que pagar o prejuízo, - sinal de que a tradição do “Um por Todos, Todos por Um”
era muitas vezes confundida com outras tradições.
E como os gestos já estavam automatizados,
cada graduado de uma estrela voltou o barrete ao contrário e recolheu o “donativo”
na fila respetiva.
A festa acabou cedo, porque o
tenente Frade, o proprietário do carro amarelo, estava de oficial de dia, e não
era muito adepto destas actividades nocturnas. E estava garantido que no dia
seguinte o som da corneta do toque da alvorada era trocado pela voz sensual da
Janis Joplin, que causava modificações nas cabecinhas estremunhadas dos Meninos
da Luz. As ideias de reforma permanente e de tradição não são incompatíveis: há
as verdadeiras e falsas reformas, como há verdadeiras e falsas tradições e,
sobretudo, muita ignorância da História.
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