O Comandante Guélas
Série Colégio Militar
A
essência do CM é possível captar através das nossas memórias, transformadas em
estórias. Contava a lenda que Amílcar Grijó, professor de Físico-Qímicas, mais
conhecido por Semita, viera para o Colégio Militar após uma expulsão das minas
da Panasqueira, de onde tinha sido corrido com uma “bengala” por ter feito mal
os cálculos da dinamite, e por isso rebentado com uma galeria. E isto teve
consequências devastadoras na personalidade do engenheiro, pois nos dias de
trovoada as aulas acabavam logo com o estrondo do primeiro relâmpago. Era
senhor de um nariz adunco, tinha a voz rouca e um cabelo amarelado, não se
sabendo se estas duas últimas características se deviam aos efeitos da
explosão. Porque sofreu violentamente na alma, fez sofrer os seus alunos que,
apesar de tudo, se lembram dele como se fosse hoje. O Volvo 130 azul já há
muito tinha sido estacionado junto ao pavilhão de Desenho e Trabalhos Manuais quando se deu uma explosão lá para os
lados do laboratório de Química, junto à Enferma, seguido de uma reprimenda
monumental do Semita:
- Ó Morais, és
um bronco, disse-te para cortar mais fininho o produto! – Gritou o professor
para o seu assistente, o Ruca ou Fiasco.
A gargalhada foi
geral e acompanhada de ruídos de animais, por isso o Semita retaliou de
imediato, distribuindo ponteiradas e gritando:
- É gado, é gado,
nesta aula uns dormem de olhos fechados e outros de olhos abertos, - e
continuou. - Tenho aqui as vossas notas, que são uma miséria - e olhou para o 668.
– Moço, sabes andar de bicicleta? – Perguntou, ajeitando o cabelo.
- Sei! – Respondeu
o Peida Gorda.
- Então vais
levar uma “bicicleta” – disse, com a voz rouca que o caracterizava, e
continuou. – Ó moço, tu não tens memória, tu tens uma vaga ideia. - 666?
- Aqui!
- Levas para casa uma “bengala”, quando fores velho vai fazer-te muita falta. Oube lá ó mocinho, tu percebes tanto disto como o sapo tem cabelo. Já viste algum? Ora aí tens! 384?
- Levas para casa uma “bengala”, quando fores velho vai fazer-te muita falta. Oube lá ó mocinho, tu percebes tanto disto como o sapo tem cabelo. Já viste algum? Ora aí tens! 384?
- Sou eu.
- “Bicicleta”! Psché,
num monte de esterco fazes nódoa.
- 125 e 120, moços vocês tiveram 10, 5 para cada um! Ó moço, tástarrir? Anda aqui à pedra e escrebe-me aí bismutato sulfídrico.
- Bis quê? - Perguntou o 151.
O Semita deu-lhe o teste e comentou:
- Ó moço, tibeste Piiiii! Uma garrafinha de binho chega perfeitamente para duas pessoas, desde que uma não beba, ha, ha, ha!
Quando entrou na
sala de professores, após o final da aula, o assunto do dia era a derrota do
Futebol Clube do Porto frente ao Sporting, por isso aproximou-se do Pereirinha
e do Santana e gritou:
- Senhor
tenente-coronel, vá para o caralho, - e saiu.
Regressou de
imediato:
- Senhor tenente-coronel,
olhe que é facultativo!
Mas o dia não
estava a correr bem para o Semita. Foi desafiado para uma partida de xadrez pelo
engenheiro Casanova, e algum tempo depois reagia no decorrer da partida:
- Não jogue
assim, porque senão ganha-me, - avisou, já um pouco exaltado.
- Mas eu jogo
mesmo para ganhar! – Retorquiu o adversário.
Não era esta a
resposta que o professor de Física e Química, que obrigava os alunos a
decorarem a Tabela Periódica e as Leis de Kirchoff, desejava ouvir. O seu
pensamento estava agora a caminho do centro da noite, rodeado por um nevoeiro
espesso, tentando encontrar um interruptor que acendesse uma luz. Mas a jogada
do adversário precipitou as coisas:
- Xeque ao rei!
Com a mão
esquerda o engenheiro Grijó, que era senhor de um grande livro de exercícios
resolvidos que nunca ninguém conseguira deitar a mão, virou as peças do
tabuleiro e retaliou:
- Ainda se
lembra da jogada?
Apercebeu-se que já estava
atrasado quando ouviu o segundo toque para o início das aulas. Correu de
imediato para o pavilhão de Química mas a turma evaporara-se, excepto dois
artistas, o 191 e 591 que, sabe-se lá porquê, acabaram interceptados pelo
docente, e levados compulsivamente para a aula, onde foram confrontados com uma
situação inesperada:
- Vou fazer
chamadas orais, aleatoriamente! – Disse o professor que costumava contar aos
seus alunos que quando tinha a idade deles cuspia no pão que levava para a
escola, para que os colegas não o comessem.
À tarde ainda
participou numa partida simultânea de xadrez, Semita versus Alunos e, pela
primeira vez na história deste estabelecimento militar, um aluno ganhava
terreno ao professor de Físico-Químicas. Mas foi sol de pouca dura. Com um
golpe “acidental” da sua gabardine, o engenheiro Grijó acabou com a ousadia do
atrevido, espalhando as peças sobre o tabuleiro. A assistir à cena, e perto da
derrota, estava o 15 que, aproveitando a sabedoria do mestre, deixou cair o
barrete sobre a zona do jogo. Foi a única vez que se ouviu um elogio do senhor
da Panasqueira:
- Moço, essa foi a melhor jogada
que fizeste até agora, - exclamou, avançando para o aluno do lado.
No comments:
Post a Comment