Comandante Guélas
Série Colégio Militar
A vocação de todas estas
estórias é tornar o Colégio Militar imortal, através das experiências dos seus
protagonistas. O orgulho não advém da consumação do erro, mas da coragem que é
necessária para admitir esse erro. Era um lugar de extremos, por isso dois
estereótipos evidenciaram-se: o medalhado e o cabulão! E quando os limites eram
transgredidos, por causa da loucura comprimida de alguns alunos, havia sempre consequências.
No Centro Comercial Colombo a exposição era sobre as virtudes do Colégio
Militar, e tinha direito a Classe Especial e tudo. Num dos placares uma
fotografia mostrava um rata em sono profundo, com riscas tricolores na cara:
- Está as ser pintado por
um graduado com tintas aquecidas. Á alvorada irá ter uma surpresa, - explicava
um alferes, estilo vendedor.
Tintas aquecidas?
Continuavam a dormir? E as mães também participam na festa? Seria o mesmo
colégio, o Militar, ali para os lados da Luz, ou estavam a falar de algum
externato? Recuemos no tempo, para os anos setenta do século passado.
- Põe-te em pé e tira o
pijama, - gritou o graduado para o Leitão.
O 384 sentiu a trincha
percorrer-lhe o corpo, e contraiu-se com a tinta preta e fria que se colava ao
corpo, ardendo nos tomates, sinal de que havia "Colgate" na mistura.
- Vira-te, - gritou-lhe
outro que acabara de chegar com um balde cheio de um líquido vermelho.
Nova trincha, nova
pintura. Hora para mudar de camarata. O Elefante aproveitou a pausa e tirou
rapidamente a toalha molhada que tinha escondido debaixo da cama, e conseguiu
tirar parte da tinta que ainda não secara. Os lençóis pareciam telas, havia cor
por todo o lado, e caso algum Menino da Luz encontrasse o Miró e conseguisse
que ele o assinasse, o lençol com manchas amarelas saídas dum pincél imberbe e
cores acrescentadas por um piaçaba numa festa tradicional, estava agora exposto
numa parede da Fundação Serralves, junto a outros panos.
- As tintas são
inofensivas, saem com a água quando os alunos lavam a cara, - garantia o
oficial do Colombo.
Os ratas do século XXI só
podiam ter no máximo três riscas, feitas com um pincel guache nº 175, as tradicionais
tintas plásticas com que o Patronilha, proprietário de uma soberba Java 125,
pintava as paredes, e que demoravam várias semanas a sair, não constavam na
nova fórmula das Pinturas.
- Ainda não foste pintado?
Levanta-te e tira o pijama, - gritou o graduado de três estrelas tirando os
lençóis ao Escalope.
Pintado ele já tinha sido,
mas limpara-se com a toalha molhada. E a presença do pintor era sinal de que a
segunda vaga, tal como numa epidemia, tinha chegado. De novo a trincha a
percorrer-lhe o corpo, e os tomates a arderem, e como tudo o que era costume no
colégio, a “brincadeira” um dia foi longe de mais, e alguém pintou a tripa a um
dos filhos do diretor. Expulsão foi a decisão, porque também naqueles tempos
havia filhos e enteados, e todos queriam chegar a general!
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