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315 estórias

Monday, June 04, 2012

Pinturas



Comandante Guélas

Série  Colégio Militar 




A vocação de todas estas estórias é tornar o Colégio Militar imortal, através das experiências dos seus protagonistas. O orgulho não advém da consumação do erro, mas da coragem que é necessária para admitir esse erro. Era um lugar de extremos, por isso dois estereótipos evidenciaram-se: o medalhado e o cabulão! E quando os limites eram transgredidos, por causa da loucura comprimida de alguns alunos, havia sempre consequências. No Centro Comercial Colombo a exposição era sobre as virtudes do Colégio Militar, e tinha direito a Classe Especial e tudo. Num dos placares uma fotografia mostrava um rata em sono profundo, com riscas tricolores na cara:

- Está as ser pintado por um graduado com tintas aquecidas. Á alvorada irá ter uma surpresa, - explicava um alferes, estilo vendedor.

Tintas aquecidas? Continuavam a dormir? E as mães também participam na festa? Seria o mesmo colégio, o Militar, ali para os lados da Luz, ou estavam a falar de algum externato? Recuemos no tempo, para os anos setenta do século passado.

- Põe-te em pé e tira o pijama, - gritou o graduado para o Leitão.

O 384 sentiu a trincha percorrer-lhe o corpo, e contraiu-se com a tinta preta e fria que se colava ao corpo, ardendo nos tomates, sinal de que havia "Colgate" na mistura.

- Vira-te, - gritou-lhe outro que acabara de chegar com um balde cheio de um líquido vermelho.

Nova trincha, nova pintura. Hora para mudar de camarata. O Elefante aproveitou a pausa e tirou rapidamente a toalha molhada que tinha escondido debaixo da cama, e conseguiu tirar parte da tinta que ainda não secara. Os lençóis pareciam telas, havia cor por todo o lado, e caso algum Menino da Luz encontrasse o Miró e conseguisse que ele o assinasse, o lençol com manchas amarelas saídas dum pincél imberbe e cores acrescentadas por um piaçaba numa festa tradicional, estava agora exposto numa parede da Fundação Serralves, junto a outros panos.

- As tintas são inofensivas, saem com a água quando os alunos lavam a cara, - garantia o oficial do Colombo.

Os ratas do século XXI só podiam ter no máximo três riscas, feitas com um pincel guache nº 175, as tradicionais tintas plásticas com que o Patronilha, proprietário de uma soberba Java 125, pintava as paredes, e que demoravam várias semanas a sair, não constavam na nova fórmula das Pinturas.  

- Ainda não foste pintado? Levanta-te e tira o pijama, - gritou o graduado de três estrelas tirando os lençóis ao Escalope.

Pintado ele já tinha sido, mas limpara-se com a toalha molhada. E a presença do pintor era sinal de que a segunda vaga, tal como numa epidemia, tinha chegado. De novo a trincha a percorrer-lhe o corpo, e os tomates a arderem, e como tudo o que era costume no colégio, a “brincadeira” um dia foi longe de mais, e alguém pintou a tripa a um dos filhos do diretor. Expulsão foi a decisão, porque também naqueles tempos havia filhos e enteados, e todos queriam chegar a general!







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