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315 estórias

Thursday, June 14, 2012

O 1º de Dezembro



Comandante Guélas

Série  Colégio Militar 



O dia da Restauração aproximava-se, o capote do graduado mais novo já esvoaçava por cima dos claustros abraçado a uma Cruz, e acima dele uma Barretina que tapava a cabecinha do pára-raios. Não muito longe o professor Grijó, ou melhor, o Semita, distraíra-se, mais uma vez, a jogar xadrez na sala de professores e quando se apercebeu já só encontrou meia turma à porta do pavilhão de química. Por isso, quando iniciou a experiência com o Sódio e o Potássio calculou mal as doses, e o estrondo assustou o ajudante, mais conhecido como Ruca, não estivéssemos nós no reino dos números e das alcunhas. Como já era tradição, a responsabilidade caiu no subalterno:
- Ó Morais, és um bronco, disse-te para cortar mais fininho o produto!
A turma riu em uníssono, mas foi por pouco tempo.
- Tenho aqui as vossas notas, que são uma miséria, - disse o Semita olhando para o Zacarias. – Moço, levas para casa uma bengala (sete valores). E tu, número 384 uma bicicleta (oito valores), e tu 463 outra Bengala -, e assim sucessivamente.
Noutro pavilhão um tenente-coronel armado em peru, o Galo, dava início ao teste, e avisava os Meninos da Luz de que não queria ninguém a cabular, pois como ex-aluno sabia todos os truques. Abriu a janela da sala e gritou:


- Ó ordenança, o meu cavalo já está arreado?.

- Eu montava era as tuas filhas! – Disse entre os dentes o Vaca, fã incondicional das meninas do ten-Coronel de Cavalaria, que costumavam ir montar ao Colégio Militar com o papá.
Permaneceu em movimento o tempo todo, com as botas de cano alto a marcar o ritmo no soalho, como se estivesse numa marcha marcial, enquanto o 320, o Peidão, o Peida-Gorda, o Judi, o Vinasse, o Six e muitos outros, copiavam à fartazana, com os auxiliares de memória debaixo dos tampos transparentes. Uma parte da aula de Trabalhos Manuais mais parecia um campo de tiro ao alvo, tal era a quantidade de barro que forrava a parede branca da sala. O trabalho consistia em fazer uma rosa, mas ninguém conseguia chegar ao fim, era humanamente impossível, que o diga o 69, o número mais vergonhoso do Colégio Militar, o único a marchar com os “braços à altura do ombro” e a “bater os calcanhares”, mesmo a levar biqueiros no cú, e dos raros que não cabulava, pois sempre que colocava a última pétala, o Becas distraia-o e o Peidão, um aluno com uma vasta ficha na Direção, ou outro que estivesse mais a jeito, enfiava um abrunho na flor, reduzindo-a novamente a uma amálgama de barro. Do outro lado da sala o professor Clarence (Cross-Eyed Lion da série Daktari), via o caos do colega com um olho e o teto com outro. Estava a classificar os trabalhos em cartolina, e acabara de dar vinte valores à Torre Eiffel, que não iria durar muito, pois dois dias depois foi vítima de um incêndio de origem criminosa, depois do Horrível, o Peidão e o 120 terem entrado clandestinamente nas instalações para fumar um cigarrito, e ensaiado uma tocha com o símbolo da cidade luz, para relembrar o ainda distante “Spell e King”. A festa que se aproximava era o 1º de Dezembro e, antes do Batalhão marchar para a população, iria haver um confronto final entre portugueses (graduados) e espanhóis (os do 6º ano), armados com mocas, toalhas encharcadas na véspera, ensaboadas, enroladas e secas, que ficavam com a dureza do cajado alentejano, com os restantes a assistirem à cena no primeiro andar dos claustros, depois de terem atirado pela varanda o boneco do traidor Miguel de Vasconcelos. Mas havia mais. De um momento para o outro os inimigos transformavam-se em lusitanos ressabiados, formavam duas colunas a perder de vista e obrigavam os castelhanos, a arraia miúda da assistência, a passar pelo meio, ao mesmo tempo que lhes serviam mocada, e da grossa. Umas horas depois estava tudo engalanado a marchar!



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