Comandante Guélas
Série Colégio Militar
Em 1966 o padre Castelão Gonçalves que lecionava Educação
Moral e Cívica escreveu no Anuário:
“É alarmante o descalabro moral da juventude…Não importa
dissecar o fenómeno em si, mas sem dúvida que tal alastramento da amoralidade e
obsessão do prazer e vício tem na base um adormecimento dos responsáveis, uma
desproporção abissal entre os conhecimentos técnico-científicos com que se
apetrecha a juventude e as bases religioso-morais a que não se dá nenhuma ou
pouca importância.” pág. 89
No ano de 1975 houve um verão quente, mas também um inverno escaldante, num
colégio cheio de rapazes com marcas individuais específicas, em confronto
permanente entre pulsões e restrições. O padre Castelão de certeza que diria
que estes Meninos da Luz tinham deixado de escutar o batimento cardíaco de
Deus, o compasso do mundo. Com as saídas aos sábados à tarde e as entradas
obrigatórias até às onze horas da noite do dia seguinte, o batalhão de
adolescentes e imberbes só via um rabo de saia quando a mítica filha do senhor
Nunes, responsável pelo curral e pelo aviário, resolvia ir fazer uma visita ao
papá, uma vez que a sempre presente esposa do Justino funcionava como inibidora:
- Ó Patronilha, a tua mulher nem com uma almofada na cabeça, - dizia-lhe
sempre o Horrível, o maior cobridor da Luz, segundo dizia.
- Mas fode bem, - respondia-lhe o vigilante.
Por isso as camas só rangiam após o toque do recolher nos dias em que a
Rosa era avistada. Esta estória tem como protagonista, não a Marlin Monroe da
Luz, mas uma administrativa, que um dia cometeu a imprudência de ir atestar o
Fiat na bomba de gasolina do colégio. A saia que levava e o decote gostoso
revelaram-se impróprios para o local, e foi a ignição para um impulso
linguístico, que fez convergir as energias dos cinco adolescentes em três
janelas do primeiro andar:
- “Senhor soldado, não se engane no buraco, olhe que é o do carro”
- “Não queres segurar antes na minha mangueira?”
- “Abre as pernas que eu vou de cabeça”
O capitão Oscaralinho, um pequenote careca com a mania que era malandro,
ainda tentou intervir, mas não teve tempo, pois a mania que tinha de pentear o
cabelo a partir da orelha atrasou-o, e quando se apercebeu já a chinesa estava
no gabinete do Diretor. O relatório com o acontecimento caiu a seco na
secretária do comandante da Terceira Companhia, um oficial hostil e paranóico, com uma pulsão
maneirista, que não tinha o controle de nada e que via todos os dias a sua
autoridade fugir-lhe debaixo dos pés:
- Meu capitão, dá licença que penetre? – Perguntou-lhe um dia o Bomba H.
E penetrou, mas depressa saiu a correr quando sentiu o vento de um punho
raivoso dum capitão envolto numa tempestade existencial inesperada, brilhante,
veloz e aterradora, como se fosse, não do domínio do ar, mas do interior
obscuro da alma.
A investigação iniciou-se e rapidamente terminou, iniciando de seguida
reuniões individuais com os encarregados de educação onde, em termos formais,
foi lido em voz alta o relato dos acontecimentos. Se a mítica Rosa resolvesse
tomar atitudes destas de cada vez que ia ao colégio, não havia tempo para mais
nada.
Ofício Circular
“Encarrega-me Sua Exa. O Brigadeiro Director de transcrever a V. Exa. O nº
1 do artº 10º da Ordem de Serviço Militar, nº 47, que é do teor o seguinte:
punições com 2 dias de suspensão, cada um dos alunos da 3ª Companhia e do 4º
Ano nºs: 157, 601 e 653, por no dia 30 de Janeiro de 1975 terem dito “palavras
insultuosas para com um funcionário deste colégio, que foram ouvidas por
elementos militares e civis, que se encontravam no local de abastecimento de
gasolina”.
26 de Fevereiro de 1975
Mas houve mais dois ofícios circulares personalizados, um para o Horrível,
com três dias de suspensão, e outro para o Peidão, quatro dias, por ser
reincidente (já tinha ficado detido uns dias durante umas férias da Páscoa).
Entraram de férias mais cedo, e safaram-se do desfile do 3 de Março!
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