Comandante Guélas
Série Colégio Militar
Era a última noite do ano letivo, e a derradeira tradição iria cumprir-se:
o “Enterro do Cábula”! O Peidão (191), o Horrível (125), o Beterraba (653), o
Peida-Gorda (668), o Escalope (307), o Gordini (601), o Becas (157), o Judi (136), o Leitão (384), o Zacarias (666), e muitos outros Meninos da Luz ouviam,
impacientes, o cantar do ritual pagão que os graduados e os do sexto ano faziam
no campo de futebol de 11. Numa grande fogueira, com mosquitos a tricotar o ar e grilos a estridular ao seu redor, segundo a descrição romântica
do evento, “queimavam-se as cábulas e os cadernos que já não eram necessários”,
mas também se acendiam as tochas que iriam servir para o cortejo de assalto às
companhias. A tradição chamava a esta marcha uma “romagem aos locais mais
significativos do colégio”, que permitia aos finalistas avaliarem o que de bom
e de mau se passara ao longo do ano, para que os futuros graduados não
repetissem os erros dos seus antecessores. Graças a esta “Troika”, os bons
costumes mantiveram-se ao longo dos anos, as “apresentações à alvorada”
aumentaram o nível de exigência (pano-cotim-pano), as “pinturas” (“os alunos
mais velhos procuram pintar as caras dos mais novos, sem que eles acordem,
devendo ser interrompidas se algum acordar”) passaram a ser feitas com trincha
e com o imberbe todo nu, os “corretivos pedagógicos” em sentido e em frente à
companhia formada tornaram-se mais festivaleiros, as “firmezas” aproveitaram o
que de mais chique tinha a Inquisição, e outras coisas úteis para o
fortalecimento e crescimento saudável destes futuros oficiais do Exército
Português, atos estes substituídos actualmente por iogurtes “Suissinhos” ao pequeno
almoço, almoço e jantar, pois aos atuais defensores da pátria nem uma unha
encravada podem ter, porque senão a Assembleia forma uma Comissão de Inquérito,
e o ofendido pede uma indemnização através do “Correio da Manhã”. Assim, a
geração do Cabedo (120), do Pejó (121), do Minhoca (280), do Camélia (299), do
Elefante (300), do Vinesse (305), do Vaca (320), do Bico (220), do Soneca
(369), do Brumi (418), do Mijón (534), e de todos aqueles que entravam ao
domingo à noite e saiam no sábado à tarde, sentia estas festividades na alma,
mas acima de tudo no esqueleto, que ficava tatuado para sempre. E foi com um
grito apavorado e com um flato nervoso que o Madiura (556) gritou:
- Eles vêm aí!
A debandada para as camas foi geral, e todos se esconderam debaixo dos
lençóis. A visita de cortesia dos peregrinos do “Spell e King” ia começar, o coro
acompanhava a marcha marcial:
- Ó Spell e
King, ó fungágá!
A luz das tochas chegava às janelas altas da camarata, o silêncio caíra
como um manto na Terceira Companhia, e todos já estavam mentalizados para o
embate. O som foi aumentando, sentiam-se os passos da turba no átrio, o ataque
começou pelos vizinhos, ouvia-se o ferro de encontro ao chão frio, os gritos
misturavam-se com os cânticos até que….entraram a correr, atacaram todas as
camas, umas foram colocadas ao alto (“chaminé de fada”), com o colchão e o seu
habitante a caírem desamparados para o outro lado, outras simplesmente viradas
ao contrário com um só golpe. Ninguém se mexeu enquanto os visitantes permaneceram
no local. Com a sua saída deram-se por encerradas as festividades, para o ano
haveria mais. Após a noite das tochas longas iriam os finalistas e os futuros
graduados reunir em concílio para avaliar o Ano Letivo e preparar o seguinte? A
tradição dizia que “sim”!
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