Comandante Guélas
Série Colégio Militar
O Colégio
Militar sempre foi um paradoxo e sempre manifestou um desconforto, porque
sempre foi uma crítica ao sistema vigente, que não poupava inimigos nem
cúmplices. Pagou com a omissão ou com uma má reputação esta atitude. Por isso a
estória vai começar pelo Único e ser encerrada pela Única, duas personagens
colegiais que ficaram para sempre gravadas nas memórias de várias gerações de
alunos.
No picadeiro o
Jaimito preparava-se para dar uma aula de equitação, e mais uma vez destinava um
quadrúpede desaparafusado, o Único, ao aluno com quem mais embirrava, o matulão
do 480, que tinha um pavor por este tipo de mamíferos. E estava à frente de
todos. Atrás de si tinha o Salame, que mordia, seguido da Rata, uma égua branca
que dava cangochas quando lhe tocavam na garupa. O quarto era o Quadrado, de
cor castanha e feitio muito vivo, que um dia partiu o braço ao 80. Seguia-se o
Alfange, uma máquina a disparar coices por tudo e por nada, com o Eusébio, que
tinha mau feitio, atrás de si. Continuavam a Tangerina, a Quirina, o Patacho, o
Vapor, o Cabeça de Mula, e muitos
outros quadrúpedes que ficaram para sempre nas memórias dos alunos, e que também passaram pelos estômagos de alguns, porque fazer parte desta estranha família dos Meninos da Luz, implicava sacrifícios. E não nos podemos esquecer da Nono, uma égua mansinha mas que, para não fugir à regra, também gostava de dar coices. Por isso ia
sempre para o fim da fila. O oficial colocou-se num dos cantos do picadeiro
com o chicote na mão, e ordenou ao soldado que o ajudava para se posicionar
noutra ponta, também de chicote na mão.
- Montar -
gritou, dando início à aula de equitação.
Quando o barulho
dum relâmpago cortou o ar todos se puseram em movimento, cada vez mais acelerado,
à medida que a trovoada aumentava. O que montava a Tangerina depressa ficou pendurado, com uma mão no
arreio e preso só num estribo. De repente o barulho de um saco de batatas a
cair no chão com estrondo sobrepôs-se a todos os outros. Era o 480, que tinha sido
traído pelo efeito da força centrífuga!
- Quem é que
mandou apear? – Gritou o Jaiminho aproximando-se do aluno.
- Eu não aguento
mais, meu capitão.
- Já lá para
cima.
Nova corrida,
nova rodada, os chicotes voavam por cima das cabeças de todos, e o 480 já se
agarrava desesperado ao cepo da sela.
- Se voltas a
agarrar aí vais ao chão, - avisou o equitador, atirando o chicote para cima do
Único.
Deixemos esta
aula alucinante, impensável nos dias de hoje, porque os cavalos são de pôr
moedas, iguais a muitos que estão à porta das pastelarias da capital, e mesmo
assim os pais dizem à associação que os filhos se queixam de “dores no rabo” e
continuemos o passeio pelas nossas fabulosas memórias do século passado.
- É gado, é
gado, - gritava o Semita distribuindo ponteiradas pela turma, que tinha estado
a imitar ruídos de animais à medida que o ajudante do engenheiro Grijó, também
conhecido por Ruca e Fiasco, cortava as doses de sódio e potássio que iriam ser
usadas na aula prática de química. – Psché, num monte de esterco fazeis nódoa.
O 376 estava com
a cabeça no devir, olhava com orgulho para o Cartão de Identidade duplo, que
lhe permitia sair do colégio quando bem entendesse. O “Homem” (Oficial de Dia)
guardava religiosamente os originais, que iam para o geral das companhias ao
sábado, dia da saída geral. Esta era a maneira mais cómoda de sair. E como ele,
muitos também possuíam um duplicado. A
aula de Biologia do Perdigão decorria dentro da normalidade até que o professor
pediu ao 125 para explicar à turma os efeitos visuais do caroteno. O aluno
levantou-se, como mandavam as regras, e disse:
- Quando a minha
mãe põe os tomates ao sol, - e foi interrompido pelo riso geral da turma.
Na música o Carioca estava no ensaio para a mudança de voz, e tinha à roda do seu órgão o 515, que também possuia um Cartão de Identidade extra, o 518 e o 351.
Na música o Carioca estava no ensaio para a mudança de voz, e tinha à roda do seu órgão o 515, que também possuia um Cartão de Identidade extra, o 518 e o 351.
- 518, cante, -
ordenou o professor.
- “Dó, Ré, Mi,
Fá…”
Os colegas riram
e gozaram com a voz estridente do colega. O Carioca olhou para o 351 e pediu-lhe:
- Olha ó menino,
vai ali à bateria e traz-me as baquetas.
O 515, que
estava de frente para o docente, desconfiou do pedido e preparou a fuga.
Quando o colega satisfez, a rir, o pedido do Carioca, este levantou-se e
arriou-lhe forte e feio com os paus, ao mesmo tempo que o avisava, “não estamos
no recreio”.
Através destes flashes das memórias sente-se o respirar do colégio, assim como o vento e a
luz, que são cúmplices da nossa passagem pelo espaço. Por isso esta estória,
que foi iniciada pelo Único, é agora encerrada pela Única, a mítica Rosa, a
musa dos anos setenta, presença habitual em todos os sonhos colegiais, metamorfoseada
em centenas de almofadas, atual funcionária do SEF, na ponta final para a
reforma. Se o país fosse justo, os anos que passou a bambolear-se para os
Meninos da Luz deveriam contar a dobrar, e estaria por isso agora a curtir o
sol em qualquer uma das Ilhas do Seixal, na companhia da Maria Macaca, da Antonieta, e a sua prateleira e pandeireta de sonho, e para os mais tímidos a mulher do Patronilha, todas juntas para mostrarem ao zarolho, que infernizou a vida aos petizes juntamente com o Ferrari, a qualidade das Tágides da Luz!
A Liga Anti-Cavalo - Camarada
Choco & Comandante Guélas: A Liga Anti Cavalo
A Arte de Bem Cavalgar toda a Sela - Camarada
Choco & Comandante Guélas: A Arte de Bem Cavalgar toda a Sela
Simplesmente Vapor - Camarada
Choco & Comandante Guélas: Simplesmente Vapor
3 comments:
Impõe-se uma reportagem para mostrar ao mundo essa mítica Rosa da qual tanto ouço falar, mas que já não tive o prazer de conhecer.
Pedro, a Rosa deverá ficar nas memórias como era (uma hipotética deusa de quem ninguém se lembra da figura, mesmo aqueles que a emboscaram)...e não como deverá estar, nos Serviços Administrativos do SEF,à espera da reforma, senão adeus Rosa!
Lembro perfeitamente da sua fisionomia. Era uma rapariga alta e magra. Tinha uma cara interessante sem ser deslumbrante. Sabia que era observada e emprestava ao seu andar alguma sensualidade. António Abreu Ferreira
Post a Comment