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315 estórias

Saturday, November 01, 2014

Boiada de Abril

                                                                               
                                                   Comandante Guélas

                                                        Série Colégio Militar



 


O Colégio Militar tinha determinadas atividades culturais exclusivas, e muitas delas excessivas. Havia uma que geralmente deixava sequelas: a boiada! Num dia na segunda década do século passado uma destas brincadeiras com um professor durante uma refeição chocou tanto o diretor de barbinha afiada, que se apeava sempre nos claustros às cinco e meia da manhã , que se suicidou com um tiro na cabeça.  Mas cinco décadas depois deste peculiar acontecimento, e com muitas boiadas pelo meio, porque as tradições eram as fundações do colégio dos Meninos da Luz, uma sessão de esclarecimento dirigida pelo 265 de 1956, quase lhe ia custando a vida, a sua e a dos cinco artistas que o acompanhavam. E foi neste dia que o Cueca Sueca o enfrentou com um “ardor guerreiro”, ficando para sempre nas memórias dos seus camaradas. Quando o 33 de 1920 participou na revolução de abril, nunca pensou que iria ter tantos problemas com colegas de carteira. O país estava submerso numa anarquia profunda, no campo de futebol de onze aterrara, sem qualquer tipo de autorização e segurança, um Alouette, que fora rodeado por alunos curiosos, mesmo com os motores em funcionamento, porque o cunhado do 224 resolvera dizer-lhe um "olá", e assim o Colégio Militar recebeu um dia a visita de alguns revolucionários de ocasião, para uma "Sessão de Esclarecimento". O espaço educativo era um dos raros aquartelamentos que não se deixara deslumbrar pelos “amanhãs que cantam”, o 442 já sofrera na pele a ousadia de desfraldar a bandeira do PCP, mas tivera sorte de não ser arremessado pela janela do primeiro andar, numa espécie de 1º de dezembro antecipado; as companhias recebiam visitas frequentes de militares com dísticos a informarem que eram do “COPCON”, tendo um dia um deles saído em passo de corrida da 3ª, depois de ter sido emboscado numa das camaratas, onde ainda sentiu as escovas de engraxar sapatos que lhe assobiavam aos ouvidos; também apareceu um barbudo durante uma das formaturas a querer impingir fardas novas, apelando ao "voto democrático" dos Meninos da Luz, que o puseram vermelho de raiva ao escolherem um conjunto digno das atuais “Paradas Gay”; e o carro com os adidos militares polaco e russo levara uns valentes abanões durante a Abertura Solene do Ano Letivo. Todos estes sinais deveriam ter sido levados em consideração pelos militares da Quinta Divisão que resolveram naquele dia ir ter um encontro "pedo-revolucionário" com o batalhão colegial, no ginásio. O ex-265, agora capitão da Quinta Divisão, julgava que estava no tempo em que fora um Comandante déspota da 3ª Companhia, e por isso pensou que poderia dizer o que lhe ia na alma quando iniciou a sessão:
- Camaradas (o conceito tinha agora para ele outra conotação), o Colégio Militar foi feito para os príncipes do fascismo, - gritou o Paulino com uma voz delambida e choraminga levantando o punho cerrado, sendo aplaudido pelo Varela, outro triste ex-aluno (94/1935), que se transformara num psicopata em 1942 quando fora graduado da 4ª Companhia, também com esquemas mentais megalómanos, sibarita pateta e ordinário, que tinha nojo de si próprio, que abominava a sua condição.
Sentiu de imediato uma plateia hostil, muitos daqueles que estavam lá em baixo eram órfãos de pais,  caídos aos serviço da Pátria. O ex-265 era um homem melancólico e taciturno, que não passava de um eterno candidato a conquistador de bairro, que adova ver-se ao espelho, a sua imagem era o seu bezerro de ouro e fazia-o por uma questão de sobrevivência, conseguia ter nestes tempos tristes algum sucesso nos encontros com as operárias de bigode e sovacões revolucionários. Havia no Paulino uma inquietação, não se insinuava qualquer linha de fuga imprevista, estava num estado de insanidade porque tinha tomado consciência, perante aqueles verdadeiros camaradas, da humilhante situação a que chegara. Os segundos passaram um a um. A verdade revelou-se insuportável, estava com os olhos no chão, era incapaz de encarar aqueles rapazes fardados de cotim, sentia um vazio na alma e a incerteza absoluta no dia seguinte, os seus sentidos estavam a perder a unidade. Até que alguém da assistência levantou um braço, a pedir licença para intervir. O 265 de 1956 tinha à sua frente um rapaz franzino com o cabelo cor-de-cenoura:
- Meu capitão, o meu pai morreu no ultramar, onde é que está o elitismo? - Perguntou com orgulho de ser Menino da Luz o Cueca- Sueca, o 279.
Silêncio! O coronel Varela Gomes, comandante da 5ª Divisão do Exército, sentiu o cheiro nauseabundo do subordinado:
- Borraste-te Paulino!
- Temos de sair imediatamente daqui chefe, se queremos manter-nos vivos!
- "O Colégio Militar não está com o MFA", - gritaram os alunos aplaudindo o rata do 2º ano.
Valeu-lhes a pronta intervenção do sub-Diretor Oliveira, que sonhara com uma promoção ao convidar esta turbe para botar um discurso revolucionário no Colégio Militar. Foram vistos a correr pelo campo de futebol em direção à saída, perseguidos por um batalhão que se preparava para lhes aplicar um “Ramalho”, uma das tradições colegiais, mas que desta vez seria fatal.
- Senti também que o Oliveira se borrara, - contou mais tarde o Miranda, que quase ia chocando com eles, lá para os lados do Pavilhão de Química.


  

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