Comandante Guélas
Série Colégio Militar
O Colégio Militar tinha determinadas atividades
culturais exclusivas, e muitas delas excessivas. Havia uma que geralmente deixava sequelas: a boiada! Num dia na segunda década do século passado uma destas
brincadeiras com um professor durante uma refeição chocou tanto o diretor de barbinha afiada, que se apeava sempre nos claustros às cinco e meia da manhã , que se suicidou com um tiro na cabeça. Mas cinco décadas depois deste peculiar
acontecimento, e com muitas boiadas pelo meio, porque as tradições eram as
fundações do colégio dos Meninos da Luz, uma sessão de esclarecimento dirigida
pelo 265 de 1956, quase lhe ia custando a vida, a sua e a dos cinco artistas
que o acompanhavam. E foi neste dia que o Cueca Sueca o enfrentou com um “ardor
guerreiro”, ficando para sempre nas memórias dos seus camaradas. Quando o 33 de
1920 participou na revolução de abril, nunca pensou que iria ter tantos problemas com colegas de carteira. O país estava
submerso numa anarquia profunda, no campo de futebol de onze aterrara, sem
qualquer tipo de autorização e segurança, um Alouette, que fora rodeado por
alunos curiosos, mesmo com os motores em funcionamento, porque o cunhado
do 224 resolvera dizer-lhe um "olá", e assim o Colégio Militar recebeu
um dia a visita de alguns revolucionários de ocasião, para uma "Sessão de
Esclarecimento". O espaço educativo era um dos raros aquartelamentos que não se deixara deslumbrar
pelos “amanhãs que cantam”, o 442 já sofrera na pele a ousadia de desfraldar a
bandeira do PCP,
mas tivera sorte de não ser arremessado pela janela do primeiro andar, numa espécie
de 1º de dezembro antecipado; as companhias recebiam visitas frequentes de
militares com dísticos a informarem que eram do “COPCON”, tendo um dia um deles
saído em passo de corrida da 3ª, depois de ter sido emboscado numa das
camaratas, onde ainda sentiu as escovas de engraxar
sapatos que lhe assobiavam aos ouvidos; também apareceu um barbudo
durante uma das formaturas a querer impingir fardas novas, apelando ao "voto democrático" dos
Meninos da Luz, que o puseram vermelho de raiva ao escolherem um conjunto digno
das atuais “Paradas Gay”; e o carro com os adidos militares polaco
e russo levara uns valentes abanões durante a Abertura Solene do Ano Letivo. Todos
estes sinais deveriam ter sido levados em consideração pelos militares da Quinta Divisão que resolveram naquele dia
ir ter um encontro "pedo-revolucionário" com o batalhão colegial, no ginásio.
O ex-265, agora capitão da Quinta Divisão, julgava que estava
no tempo em que fora um Comandante déspota da 3ª Companhia, e por isso pensou
que poderia dizer o que lhe ia na alma quando iniciou a sessão:
- Camaradas (o conceito tinha agora para ele outra
conotação), o Colégio Militar foi feito para os príncipes do fascismo,
- gritou o Paulino com uma voz delambida e choraminga levantando o punho cerrado, sendo aplaudido pelo Varela, outro triste ex-aluno (94/1935), que se transformara num psicopata em 1942 quando fora graduado da 4ª Companhia, também com esquemas mentais megalómanos, sibarita pateta e ordinário, que tinha nojo de si próprio, que abominava a sua condição.
Sentiu de imediato uma plateia hostil, muitos
daqueles que estavam lá em baixo eram órfãos de pais, caídos aos
serviço da Pátria. O ex-265 era um
homem melancólico e taciturno, que não passava de um eterno candidato a conquistador
de bairro, que adova ver-se ao espelho, a sua imagem era o seu bezerro de ouro e fazia-o por uma questão de sobrevivência, conseguia ter nestes tempos tristes algum sucesso nos encontros com
as operárias de bigode e sovacões revolucionários. Havia no Paulino uma
inquietação, não se insinuava qualquer linha de fuga imprevista, estava num
estado de insanidade porque tinha tomado consciência, perante aqueles
verdadeiros camaradas, da humilhante situação a que chegara. Os segundos
passaram um a um. A verdade revelou-se insuportável, estava com os olhos no
chão, era incapaz de encarar aqueles rapazes fardados de cotim, sentia um vazio
na alma e a incerteza absoluta no dia seguinte, os seus sentidos estavam a
perder a unidade. Até que alguém da assistência levantou um braço, a pedir
licença para intervir. O 265 de 1956 tinha à sua frente um rapaz franzino com o
cabelo cor-de-cenoura:
- Meu capitão, o meu pai morreu no ultramar, onde é que está o elitismo? - Perguntou com orgulho de
ser Menino da Luz o Cueca- Sueca, o 279.
Silêncio! O coronel Varela Gomes, comandante da 5ª Divisão
do Exército, sentiu o cheiro nauseabundo do subordinado:
- Borraste-te Paulino!
- Temos de sair imediatamente daqui chefe, se
queremos manter-nos vivos!
- "O Colégio Militar não está com o MFA", - gritaram os alunos aplaudindo o rata do 2º ano.
- "O Colégio Militar não está com o MFA", - gritaram os alunos aplaudindo o rata do 2º ano.
Valeu-lhes a pronta intervenção do sub-Diretor
Oliveira, que sonhara com uma promoção ao convidar esta turbe para
botar um discurso revolucionário no Colégio Militar. Foram vistos a correr pelo
campo de futebol em direção à saída, perseguidos por um batalhão que se
preparava para lhes aplicar um “Ramalho”, uma das tradições colegiais, mas que
desta vez seria fatal.
- Senti também que o Oliveira se borrara, - contou
mais tarde o Miranda, que quase ia chocando com eles, lá para os lados do
Pavilhão de Química.
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