Comandante Guélas
Série Colégio Militar
Salazar e o Colégio Militar têm um ponto em comum: Camões! Salazar quando estudou em Coimbra viveu em casa da D. Aurélia, mais conhecida por Camões por ser estrábica; na Luz o Camões era um sádico professor de Ciências Naturais, vesgo dum olho. Mas o poder é efémero, o Menino da Luz é
eterno! O Colégio Militar sempre teve estruturas reais, onde se pode entrar,
tocar, sentir e cheirar, é um espaço construído por muitos, durante muito
tempo. A partir de 1936 todos os
estabelecimentos liceais passaram a ser centros da Mocidade Portuguesa, assim declarava o Decreto – Lei nº 26.611 de 19 de
maio. Todos? Todos não, um colégio lá para os lados da Luz nunca aceitou fazer
parte da Bufa. Por isso um dia o governo decidiu instalar os “bufos” dentro do
espaço do colégio, com fardas e tudo, mesmo sabendo que muitas vezes os
encontros desportivos entre ambos acabavam à pancada. A glória de um colégio
como o da Luz jamais foi linear e luminosa, os limites e as amarras são o
cimento que lhe solidificou o meio. Como os Meninos da Luz sempre foram
consistentes nas suas atitudes, ergueu-se uma onda de repúdio, a reação dos
ex-alunos, entre os quais se contava uma significativa percentagem de oficiais
das Forças Armadas e o Presidente da República, o 24 de 1882, e não honorário
como o senhor Aníbal, o 695 de 2011, que não teve tomates para fazer frente ao
Alguidar, que tinha por detrás o 694, o irmão do Six, ameaçaram fazer um
“Ramalho” ao António de Santa Comba Dão, contemplado nos anos 30, também a
título honorário, com medalhas de aplicação literária e aptidão militar e
física. Começava assim a resistência ao invasor! Na aula de música o Carioca da
altura pretendia ensinar o hino da Mocidade aos Meninos da Luz:
- Atenção rapaziada, lá, lá, lá vamos
cantando e rindo, 1, 2, 3.
Silêncio!
- Então? Perderam a língua?
Nova tentativa, de novo o silêncio! O
professor tudo tentou, até que chamou o oficial de dia, que nem com ameaças conseguiu
demover a rapaziada. Houve detenções, que se prolongaram por um mês inteiro. Em
retaliação os alunos colaram pequenos quadrados de papel nas janelas, “escritos”, sinal de que se alugava o Colégio
Militar! Foi então nomeado um novo Diretor, o Réptil, que tentou cumprir e
fazer cumprir as ordens impostas pelo subsecretário de Estado da Guerra. E nada
melhor para tentar mudar os Meninos da Luz do que patrocinar a visita de
estudantes da Juventude Hitleriana. Quando os copinhos de leite loiraços
apareceram no refeitório com calções curtos e meias altas, mais pareciam os
Ganços do Restelo, que atacavam nas esquinas, do que os arianos que o Adolfo
pretendia. Foi a risota geral. O “cá vamos cantando e rindo” era incompatível com
o “em campos de glória fulge”. E num campeonato
de atletismo no Estádio Nacional o regime apercebeu-se da tensão durante a
cerimónia de abertura. Um mastro dividia as duas formações, de um lado estavam
os Bufos do outro os Meninos da Luz, e com a missão de comandar as duas o
Diamantino, chefe de castelo:
- Atenção, sentido!
– Ordenou, tentando engrossar a voz de adolescente.
A Bufa obedeceu, a
rapaziada do Colégio Militar nem pestanejou. Suspense! As entidades oficiais
inquietaram-se, trocaram-se olhares, o Réptil esboçou um sorriso nervoso, com um indelével toque
de desassossego, sentiu o fluxo sanguíneo dilatar as veias, os movimentos
cardíacos e respiratórios aceleraram-se, os músculos contraíram-se, a boca
entreabriu-se, o rosto ruborizou-se e os dedos grandes dos pés reviraram-se. E
eis que o Pissocas, que estava à frente dos atletas protegidos por exuberantes
capotes, em contraste com os pintos de calções e camisola de alças que tremiam
de frio, fez meia volta volver em câmara lenta, olhou com orgulho para cada um
dos seus colegas e disparou com uma voz gritada:
- Atenção, firme, sentido!
O gesto foi acompanhado por um bater de
calcanhares em uníssono, que ecoou pelo recinto. De seguida foi hasteada a
bandeira da Mocidade Portuguesa, com os Bufos a cantar o hino, e os Meninos da
Luz a gritar o “Zacatraz”.
Aproximava-se uma
cerimónia muito importante, mas os ensaios mostravam que os Meninos da Luz eram
indomáveis.
- Comigo e com o
senhor Diretor, vai acabar a bandalheira, este colégio irá entrar nos eixos, -
gritou encolerizado o Caifás, um tenente enfezado com os galões a brilharem ao
sol. – Esta formatura está uma merda, ó Bastilha tire o número àquele mais
alto, que está a gozar com a tropa.
E aproximou-se do
adjunto, continuando o discurso:
- Fiquem sabendo
que a Infantaria é a rainha. O cavaleiro quando perde o cavalo falta-lhe logo
os tomates, já não dá um passo; o aviador se o avião não pega não levanta voo;
o artilheiro se a peça avaria, fica a brincar com a sua gaita; o marinheiro mal
põe o pé em terra enjoa, e quer ir logo às meninas. Só o Infante é que está
sempre em condições de combater.
As formações de
ordem unida, em que sobressaiam os batimentos em uníssono no chão dos
claustros, tornaram o tenente no “Salvador do Colégio”. Mas por pouco tempo! A
sessão de tiro de morteiro na Amadora com o 7º ano revelou-se um desastre, as granadas caíram longe da estaca pintada de branco espetada na colina em frente.
- Os caçanhos só
sabem atirar com espingarda, - disparou o capitão Assírio, professor de
Geografia e História.
- Eu com duas ou
três bojardas das minhas peças, estilhaçava o alvo.
Sem vacilar perante a arbitrariedade de um
poder efémero, na cerimónia de todas as decisões, com
os responsáveis políticos e militares presentes, quando era suposto cantar-se o hino da mocidade o batalhão
colegial cantou a “Portuguesa”, e quando lhes ordenaram “em frente
marche” uns deram um passo para o lado esquerdo, e outros para o lado direito,
criando o caos, da mesma maneira que uns anos antes
os colegas presentes no funeral do Presidente Sidónio Pais foram os únicos
militares que se mantiveram firmes na formatura quando terroristas atiraram
petardos contra a multidão. Houve punições, e em resposta a elas
levantamentos de rancho. O poder político apercebeu-se que não iria ganhar a
guerra e recuou nas suas intenções.
- Eles não querem ser da Mocidade
Portuguesa! – Explicou o Réptil ao subsecretário de Estado da Guerra, que o tinha
chamado.
- Se não querem, não vão ser!
Assim, o Colégio Militar foi o único
estabelecimento de ensino público que não pertenceu à Mocidade Portuguesa.
6 comments:
Muito bom!
Espectacular.
E não se perdeu nada, não senhor!
Zacatraz
Espetáculo ! Obrigado pela história camarada
Muito Bom, Menino da Luz!
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