Comandante Guélas
Série Colégio Militar
“Não somos nós que decidimos a
forma das coisas; mas as coisas em nós que decidem a sua própria forma” –
Espinosa.
Estas estórias tornam o colégio
ao mesmo tempo enigmático, límpido, silencioso e imenso. As nossas memórias são
muito mais feitas de emoções do que realidades objetivas. Por isso o professor de
Educação Física Isménio Tadeu contava sempre aos seus alunos que deixava o eléctrico
arrancar para depois ir a correr apanhá-lo.
O calendário indicava vinte e
cinco de abril do Ano da Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de dois
mil e quinze quando o ministro
Alguidar e a Dona Berta entraram numa Chaimite no Colégio Militar, para a
inauguração do edifício que iria albergar meninas, a já batizada “Torre do
Pecado”, que tinha custado o dobro do inicialmente previsto, e o tamanho era menor do que o planeado, sinal de que parte do dinheiro tinha ido parar ao bolso de alguém. Iam tensos,
amedrontados, pois tinham ousado mexer no que de mais sagrado havia para os
Meninos da Luz: as Meninas de Odivelas! Que tipo de meninas seriam estas?
Continuavam a ser as musas de antigamente, mas mais perto, ou passariam a ser
as Meninas da Luz? Pelo caminho deram de caras com um cartaz que dizia “ Aberta
vais levar um Ramalho”, assinado pelo temido “Grupo Zacatraz”, agora na posse
de um suporte informático capaz de convocar todos os Meninos da Luz (alunos,
professores e funcionários) desde a fundação do Colégio Militar. O Alguidar sabia
que iria deixar de ter proteção especial, o governo estava de saída, vinham aí
as eleições, e com elas a vinda do Inseguro, que nem uma palavra dissera sobre
estes dois lendários colégios de Lisboa. À sua espera no porto estava o 281, o
Tofa, pronto para lhe dar mais um apertão. Quanto à Dona Berta, regressaria aos
esquemas antigos nas ilhas do Atlântico, escondendo-se uns tempos na Graciosa
para deixar assentar a poeira. Mal ela sabia que na ilha estava o 502! Quando
iam a passar junto ao campo de futebol uma nova faixa dava-lhes as boas-vindas:
“Meninas só existem umas, as de Odivelas e mais nenhumas”. E era verdade, os
elos que ligavam estes seres ultrapassavam todas as ideologias, e já eram
património da Humanidade. Em 1964 o Comandante de Batalhão, o 8, tinha ido
ajoelhar-se, em traje de gala, em frente à diretora do Instituto de Odivelas,
pedindo desculpas pela invasão do ano anterior, vésperas da comunhão, quando um
dos inúmeros grupos expedicionários de Meninos da Luz, a coberto das trevas, e
aparecendo não se sabe de onde, talvez do túnel, um tesouro imaterial do
Colégio Militar, tinha atirado pedras às janelas das meninas, a convidá-las
para o pecado, dando origem a um acontecimento semelhante ao da independência
do Brasil: “O grito da Fernanda”! O susto da Dona Deolinda foi tal, que chamou
de imediato a GNR:
- E tragam cães com coleiras cheias de alhos, tenho a quinta infestada
de demónios, e quero que as meninas continuem puras para a cerimónia de amanhã!
Mas não foi preciso a presença das autoridades, os cavaleiros tinham
feito questão de deixar os números escritos nas paredes do dormitório. Um
telefonema para o oficial de dia bastou para que o Colégio Militar preparasse a
cela aos fugitivos, pois o “bom filho à casa torna”. No dia seguinte a Comunhão
das Meninas de Odivelas foi marcada pela ausência dos Meninos da Luz na guarda
de honra junto ao altar, tendo sido substituídos pelos Pupilos do Exército.
- Sentimos a falta do Penacho empinado dos nossos cavaleiros, -
confessou mais tarde uma das alunas, desabafando - "tivessem os meninos vindo à nossa camarata que nós
não gritávamos!".
- O
dos pilões é só pêlo! – Retorquiu outra.
O presente do Alguidar era uma pálida amostra do negrume do futuro que
se aproximava. Por isso vacilou:
- Berta, achas que estamos seguros aqui?
- Fizemos um erro, mas agora temos de seguir em frente, - respondeu-lhe
a açoriana, espreitando pela vigia.
A “Torre do Pecado” era vista como uma cápsula do futuro, enquanto o
decreto que extinguia o Instituto de Odivelas não fosse revogado. Até lá os
Meninos da Luz guardariam com todo o amor e carinho as suas musas, até ao dia
D, em que elas regressariam à origem, com a Escolta a Cavalo e os Penachos
verdes empinados. Até lá romanceava-se o futuro:
A especificidade
do Colégio Militar, uma escola onde a ordem unida tinha carácter obrigatório,
transformara-se no novo século numa escola inclusiva que não era
igualitária, por isso tinha agora de ter respostas diferenciadas para aquilo
que era diferente. E as opções não podiam ser redutoras. A aluna 923, a Boca Louca, acabava de confidenciar às suas camaradas
que o teste de gravidez dera positivo.
-
E quem é o pai, o Esperma? – Perguntou o Cu Justo.
-
Sei lá, tanto pode ser ele, como o Tarado, o Punhetas, o Andorinha…sei lá, perdi-lhes
a conta!
-
O Cu de Senhora? É impossível, ele joga noutro campeonato.
-
Ele enganou-se, estávamos a brincar à sala de leitura escura na quarta companhia, e confundiu os
rabos.
-
E agora, o que é que vais fazer?
-
Nada!
-
Nada? Não vais contar aos teus pais?
-
Se contar eles tiram-me daqui e eu quero acabar o curso, já só faltam uns
meses!
-
Uns meses? Daqui a algum tempo a barriga vai-se notar!
-
E depois, o ministro bem disse que no colégio não há discriminação, as alunas também podem ser obesas!
A
vida no Colégio Militar estava metodicamente organizada, o tempo era
cuidadosamente repartido, regular, apesar de para uns representar uma solidão e
para outros a liberdade. Quando o Diretor
do Colégio Militar abriu a pasta, nem queria acreditar! O mês de janeiro de
2025 ainda mal começara e já tinha mais um caso de difícil resolução: uma aluna grávida! Olhou para a frase escrita no papel afixado na parede, “aqueles
que preferem ser simpáticos não passam de lambe botas que nunca serão
respeitados”, e sorriu. O caso do aluno 889, o Cláudio, que mudara de sexo
durante as férias de verão e apresentara-se como aluna, a Palmira, no ano letivo seguinte, abanara a instituição militar, mas o “politicamente correto”
nestes tempos em que as histéricas dominavam, depressa resolvera o imbróglio
através da atribuição de um novo número, o 991, para assim não traumatizar a
rapariga. E até de alcunha mudou, passou de “Quatropatas” para “Mamalhuda”! O
790 também quis ser Tânia Vanessa, mas mantendo intactas as características do Gonçalo,
o que obrigou à intervenção do ministro da Defesa, cujos assaltos aos paióis de Tancos eram agora uma tradição, com direito a subsídio cultural e tudo, daí as prioridades serem outras:
- Por este andar vamos a caminho de um
novo instituto feminino!
O problema que a aluna 923 agora
levantava dizia respeito ao filho. Teria de ser dado um número ao rebento, o equivalente à nacionalidade portuguesa aos que nascem em território nacional?
1 comment:
Eu estava no colegio quando 2 irmaos de 2 colegas foram atirar as ditas pedras as janelas c camarata
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