Comandante Guélas
Série Colégio Militar
- As nossas relações estão
cortadas, - gritou a Dona Deolinda, – já não iremos mais às vossas festas, nem
os convidaremos para as nossas.
Os Meninos da Luz tinham atingido
o patamar da praga nas noites frias de Odivelas, estavam ao nível do Rhynchophorus
ferrugineus que se saciam atualmente
com as palmeiras do país, por isso era preciso desativar os demónios. Já
não bastava o estranho “milagre” que tinha colocado em cima da secretária da
diretora um frade das caldas em sentido, era agora o grito alucinante da
pequena aluna Fernanda que atormentava os sonhos que a chefe máxima das Meninas
de Odivelas dizia serem puros. Seria possível que os meninos desaçaimados do Colégio
Militar tivessem finalmente encontrado o mítico túnel, que ambos procuravam com
“engenho e arte”, eles escavando com as mãos o terreno junto à pista de
obstáculos, e elas tentando deslocar uma laje junto à caixa onde repousava o
rei, usando como ferramentas as suas pulseiras com o grupo sanguíneo, que no
passado colocara os frades nas alcovas das noviças? Recuemos!
A revolução estava na fase da
bandalheira, havia Durões Barrosos em todas as esquinas a gritar que a Albânia
era o farol do socialismo, nacionalizava-se tudo o que mexia, só faltava as
Meninas de Odivelas passarem a ser propriedade dos “operários, camponeses,
soldados e marinheiros”. Por isso a segurança fora reforçada, havia patrulhas
na quinta contígua ao mosteiro com ordens para dispararem contra os intrusos.
Mas nada disto demovia os possessos Meninos da Luz cujo “ardor guerreiro” os
impelia a tentar alcançar os ninhos das suas dulcineias, e ainda por cima com o
Colégio Militar em formato de balda geral, onde a autoridade tinha atingido o
nível mínimo, facilitando as fugas maciças da escola pública cujo Estado se
tinha comprometido perante as famílias a guardar os seus filhos durante a
semana. Conheciam todos os recantos, Odivelas e a Luz eram uma só entidade,
como atualmente. E numa noite a presença destes jovens adolescentes chegou ao
conhecimento das meninas do D. Diniz, provocando uma debandada geral da
camarata, que deu nas vistas, porque mais parecia a manifestação do 1º de maio
a seguir à revolução. Com isto a tia Deolinda ultrapassou a beira do ataque de
nervos e tomou medidas excepcionais, mas nem essas conseguiram conter as
visitas de cortesia dos cavaleiros da Luz. Estavam indomáveis! Teria aquela
visita oficial, em que a Escolta a Cavalo viera da Luz até Odivelas, onde foi
recebida em apoteose por meninas a acenar com lenços brancos da varanda que
dava para o largo, acendido o rastilho? Teriam os Meninos da Luz confundido os
lenços com cuecas, e estavam agora a querer receber os troféus? Quando o 147
espreitou através da janela da camarata feminina, deu de caras com o rosto
angelical da Fernanda, e sentiu a flauta a arrebitar. Para a menina ele era o
herói que a despertara do sonho de amor aos soluços, que lhe trazia agora
relâmpagos, fragmentos curtos, súbitos clarões. Um brilho apagou tudo e um
segundo depois a luz extinguiu-se. Primeiro deu um grito silencioso e deitou-se
como se fosse feita de milhares de pedacinhos coloridos, agitada. Sentiu a
sombra do pecado a movimentar-se no soalho e a aproximar-se de si. Na janela
centenária viu um rapaz atlético, alto e espadaúdo, de olhos vivos, capazes de
engolir o que viam, com um sorriso de marfim. Sentiu a respiração ofegante, um
súbito calor subiu dos pés à cabeça. Mas a figura omnipresente da Senhora Dona
Deolinda trouxe-a de novo à realidade, pois o grito que deu foi tão alto e
assustador, que até a barbicha ruiva que sobrava dos restos do monarca se
arrebitou com o barulho, assustando aquelas que calmamente fumavam um cigarro
junto ao túmulo. O corte de relações entre o Instituto de Odivelas e o Colégio
Militar foi imediato, a Dona Deolinda comunicou à direcção dos Meninos da Luz
que a partir daquele momento deixaria de enviar delegações às festas deles, e
eles estavam proibidos de assistir à grande seca da Abertura do Ano Letivo delas.
Mas como os arrufos de namorados são sol de pouca dura, bastou uma delegação de
alunos com caras de anjos deslocar-se ao Instituto de Odivelas e pedir
formalmente desculpas à Diretora, para tudo ficar na mesma. Tinham sido feitos
uns para os outros!
2 comments:
Fernanda é nome fictício :) o verdadeiro é outro !
E que estórias saberá a Fernanda fictícia?
Post a Comment