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315 estórias

Saturday, March 15, 2014

Dallas Cowboy




Comandante Guélas

Série Colégio Militar



A vida é constituída por grandes e pequenos afetos. Por isso quando o oficial entrou na companhia e viu ao longe o funcionário a esfregar o chão, gritou a plenos pulmões:
- Moca, - e acelerou o passo.
- Epá, meu malandro, como estás crescido, - exclamou o fâmulo, encostando a esfregona à parede.
O abraço foi sentido, tinha misturado uma grande amizade e saudade.
- Se fosse noutro tempo já me tinhas arreado uma cabeçada por estar a pisar o molhado.
- Ainda sou capaz de te dar uma - respondeu, rindo-se.
- Não és homem, não és nada.
- Não me provoque meu coronel, - disse, aproximando a cabeça em forma de bigorna.
- Estás com medo?
A cabeçada do senhor Cândido Gomes Alves foi tão eclética, que trouxe à luz do dia todas as memórias profundas dos fabulosos anos em que o visitante fora um Menino da Luz. Mas esta estória segue outro rumo!
O período era dos “5 estudos”, preparação para os exames, destinado a quem não tinha dispensado. Por isso o tempo era de estudo intensivo, os procedimentos militares reduziam-se ao mínimo indispensável, o batalhão colegial estava residual. Só estudo? Só estudo não, havia muita atividade noturna extracurricular, os deleites da carne tinham-se transformado em verdadeiros vícios. Quando naquela noite de verão o Broche resolveu acompanhar os colegas, ia com a cabeça cheia de sonhos, já só se via a trote em cima da “Albertina das Mamas Grandes”, e a galope no lombo da “Dallas Cowboy”.
- E com um bocado de sorte está lá a Constança e a Francisca, - informou o líder do grupo, um cliente de “Cueca Gold”, o único que tinha no currículo uma camponesa desprevenida que se cruzara com ele durante um exercício de marcha na Semana de Campo em Mafra, que o obrigou a atirar a mochila e a espingarda para o feno, para assim poder dar os tiros.
O estudante Broche não aguentou a emoção, também havia princesas no Bairro Alto, por isso foi a correr para a casa de banho tirar o ranho à cobra, estava imparável, numa sucessão interminável de ereções permanentes. A fuga deu-se a seguir ao toque do recolher, como a época era especial não havia necessidade de pedir licença aos poucos graduados, e muitos deles estavam mais preocupados em preparar a emboscada à Rosa. Até lá o líder informou os excursionistas dos serviços disponíveis e da tabela de preços, o frango do noviço iria deixar a capoeira para ser esgalhado por mãos alheias. O jovem Broche saiu do colégio já com o bicho em sentido. Quando as primeiras sombras do pecado começaram a aparecer no lusco-fusco, sentiu uma entidade estranha a forçar-lhe a braguilha. Viu então uma mulher lívida, de sorriso estampado na cara.
- O nosso melhor cliente está de volta - disse, aproximando-se do “Cueca Gold”.
- Trago um que, relações, só com a almofada, - informou o Menino da Luz.
- Vai para a Albertina, ela tem um bom par pedagógico.
O imberbe Broche aproximou-se da porta e viu, iluminados por uma luz branca com papel celofane amarelo, uns pés de hipopótamo decorados com umas unhas de águia pintadas com um vermelho desbotado, das quais pendiam restos do lençol, que um dia tinha sido branco. Estava tudo desfocado, desproporcionado. Entrou com cautela. Deu de caras com um espetro de extrema singularidade, inquietante e perturbador, que bebia calmamente uma cerveja preta e debicava uns tremoços, ao mesmo tempo que acariciava com sensualidade uma barba que nascia na cabeça e desaguava nos pés. O Menino da Luz olhou para as cortinas gastas que guardavam os vestígios de outros clientes, que tinham conseguido resistir à erosão do tempo, e quis fugir pela janela. A intensidade do desejo impedia-o de ver a situação na perspectiva correta.
- Então, demoras muito a tirar a arma cá para fora? – Perguntou a dama, com palavras levadas por um vento e por uma tempestade inesperada, veloz e aterradora, que deixou no ar um bafo azedo polissémico, agressivo.
Mas a dita do Broche tinha desmaiado, e a “Albertina das Mamas Grandes” estava à beira de um ataque de nervos, porque uma cerveja preta e uma taça de tremoços davam geralmente para cinco clientes, mas com este Menino da Luz estavam agora vazias. O que se passou a seguir deu origem a várias versões, que circularam na camarata, uma das quais dizia que a cobra do Broche entrara dobrada, com a Albertina a gritar para se despachar, ao mesmo tempo que comia tremoços e bebia a sua cerveja preta, e a outra versão dizia que regressara à camarata com a arma selada, tendo-se vingado na almofada a noite toda.  

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