Série Colégio Militar
No ano letivo 1972 / 1973 ao professor de História e Geografia de nome Francisco António de Simas Alves
de Azevedo e alcunha “Feio”, uma das turmas atribuída foi o 2º E. Por isso de cada
vez que se dirigia para o pavilhão junto aos claustros, após o primeiro toque
da corneta, tinha sempre à sua espera um comité de receção. Segundo o
regulamento interno, os alunos deviam estar devidamente formados à espera do
docente, mas não era esse o entendimento do 2º E. Uma vez avistado o professor
Azevedo ao longe, todos gritavam em uníssono “Feio”, “Feio”, “Feio”, e tantos
“Feios” que conseguissem, terminando com o tenor de número 125 (Horrível):
- Ó careca tira a boina, que a moda é andar em cabelo!
O Feio era liso no cocuruto, tinha pelugem nas laterais e uns soberbos óculos
com lentes estilo fundos de garrafa. Após esta receção, que acontecia sempre
que se dirigia para o 2º E, todos corriam para a porta da sala, e quando o
docente chegava tinha um conjunto de anjinhos impecavelmente formados. O chefe
de turma dava ordem de “firme”, “sentido”, fazia dois “direita-volver”, e
ficava de frente para o professor Azevedo, fazendo-lhe uma soberba continência,
ao mesmo tempo que pedia licença para entrar. O Feio dava o seu consentimento
com a cabeça, e os procedimentos militares continuavam. Mais dois
“direita-volver”, seguidos de novas ordens à turma: “esquerda-volver”,
deslocação em passo de corrida para a frente da primeira fila, que recebia um
“em frente marche” e assim sucessivamente. Mas houve um dia em que todos se sentaram,
em vez de permanecerem, como habitualmente, em sentido junto à carteira até
ordem em contrário.
- Alguém deu licença para se sentarem? – Perguntou o professor Azevedo, já
um pouco alterado. – Levantem-se!
Todos obedeceram.
- Chefe de Turma, pode dar ordem para se sentarem.
- Atenção turma, podem-se sentar,
Mas a turma permaneceu em sentido. E o docente congelou, com os olhos esbugalhados,
efeito aumentado pelas grossas lentes.
- Estão a gozar comigo? – Gritou o Feio, tirando os óculos e limpando a
testa com um lenço. – É preciso ir chamar o Oficial de Dia?
Nem pensar, nesse dia o tenente Aparício, o pequenote malandreco com uma
tabuleta no ombro esquerdo a dizer “Comandos” estava de serviço. Era muito
arriscado, haveria com toda a certeza abrunhos para todos se fosse chamado.
Sentaram-se! Era a altura de escrever o sumário, e por isso os cadernos deveriam
estar em cima das carteiras. Estavam todos? Todos não, o tenor tinha-se
esquecido do seu nas camaratas, e por isso apanhou uma “falta de material”, que
iria ter consequências disciplinares: “Puno o aluno nº 125 do 2º ano turma E,……,
com Informação Negativa, por no passado dia….não ter levado o caderno para a
aula de História e Geografia”. Após este prelúdio o Feio começou a despejar a
matéria, ao mesmo tempo que fazia perguntas aleatoriamente para assim aferir da
atenção dos alunos, assinalando o desempenho do contemplado com um “mais” ou um
“menos“ numa enorme folha de papel aberta sobre a secretária. Neste dia a
brincadeira consistia num jogo muito pedagógico entre as filas dos extremos:
atirar um dardo caseiro, feito com uma agulha, uma rolha e cartolina, tendo
como objetivo espetá-lo na parede. A equipa ganhava assim um ponto. O Feio debitava
e o dardo cruzava os céus do 2º E. Até que:
- Senhor 191, se quer dar alguma coisa a um colega, não é preciso atirar, -
disse o professor Azevedo, interrompendo a aula.
- Foi uma borracha, não queria incomodar, - justificou o Peidão.
Todos riram, inclusive o 157 (Becas) que, sem saber, tinha feito a vez da
parede, o atirador tinha tido necessidade de disfarçar na altura em que o Feio
detetara o seu gesto brusco, e não respeitou a técnica de lançamento. O Becas
ostentava agora um belo dardo espetado na cabeça. Foram salvos pela corneta,
que anunciou o fim da aula. O Chefe de Turma recebeu ordem para os
procedimentos de saída, e o Feio foi à sua vida, não sem antes ser contemplado
de novo com o coro e o tenor, quando chegou ao rés-do-chão.
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