Comandante Guélas
Série Comandante Guélas
O senhor Tolas
Monas era um “paçoarquiano” dotado de uma cabeça fora do comum que, devido a
essa anomalia genética, se julgou sempre no direito de reclamar para si várias
licenciaturas, tiradas algures numa Independente qualquer. Consoante o local
onde se encontrava, ora se intitulava Doutor, ora Arquitecto, ora Engenheiro,
apesar de a última vez a ser visto na Escola tivesse sido em 1975, a tentar
acabar o 2º Ano do Curso Complementar dos Liceus, tudo à conta das passagens
administrativas, facto muito comum no ensino dessa altura. Aliás, muitos dos
doutores que andam hoje em dia por aí a dizer mal dos putos, foram aqueles que
se safaram à conta dos tempos da balda geral do pós-25 de Abril, e muitos deles
hoje em dia ainda nem acreditam como é que conseguiram obter os canudos, e de
cada vez que os mostram aos filhos, para os incentivar a estudar, ficam
atónitos. Mas a versão que contam é que no tempo deles o Ensino era muito
exigente e até se fartavam de ter Exames Nacionais, omitindo que as provas
geralmente estavam disponíveis uns dias antes, fruto de gamanços bem sucedidos.
Situado o senhor Tolas Monas no universo mágico da inigualável vila de Paço de
Arcos, passemos à acção. Este “paçoarquiano” tornou-se assim um adulto multifunções,
um autêntico “canivete suíço existencial”, que estava sempre em todo o lado e
em lado nenhum. Se aparecesse alguma oportunidade para o negócio, lá estava o
Tolas Monas com o letreiro ao pescoço a dizer que era “DOUTOR”. Até que um dia
resolveu comprar um Bar, à entrada de Paço de Arcos, e contratar o Bajoulo para
servir uns copos. A ideia não foi das melhores, como se vai ver daqui para a
frente. Quando o estabelecimento encerrava ao público, abria de imediato para o
Gang na modalidade de “Bar Aberto”. Se algum cliente se demorasse um pouco mais
para além do horário legal, o Gang simulava uma cena de pancadaria entre os
seus membros, e era vê-los a fugir em pânico pela rua fora, com medo de serem
envolvidos no meio da confusão. Então o Bajoulo trancava a porta e dava-se
início ao “self-service” e aos telefonemas para as esquadras da PSP, pois a
essa hora da noite era certo e sabido que estavam todos a dormir. O Gang até já
tinha uma lista completa de todos os locais e dos nomes dos respectivos dorminhocos.
- Esquadra da
PSP de ….? – Atendia o agente, bocejando.
- Chame-me o
Chefe Silva.
- O Chefe está
a dormir…a fazer uma diligência. Quem fala?
- O Comandante
Antunes de Lisboa.
- Comandante
Antunes?!! Um momento, eu vou ver se ele já acabou o serviço.
Telefone no
descanso, mal tapado com a mão, permitindo o acesso ao falatório “off de
record”.
- Júlio, vai
chamar o Chefe e diz-lhe para vir ao telefone.
- Acordar o
Chefe?!! Mas ele fica com mau feitio quando o acordam.
- É o
Comandante Antunes de Lisboa!
- O Comandante
Antunes? Então deve ser uma emergência.
E ouviam-se uns
passos a correr para lá e segundos depois vários passos a acelerar para cá.
- Tou?
- Então ó
Silva, estavas a dormir no serviço? É para isso que te pagam?
Silêncio
ensurdecedor.
- Cabrões, –
gritava o Chefe desligando o telefone com raiva.
Nova chamada,
nova corrida.
- Esquadra da
PSP…?
- Chame-me o
Chefe Tremoço.
- E quem é que
quer falar com ele?
- Comandante
Narciso.
- Comandante
Narciso?!! Não conheço!
- Comandante
Narciso do Comando Operacional do Continente,…. – etc., etc., mais umas tantas
frases para impressionar. – Estou a falar com quem? – Voz zangada.
Silêncio,
seguido de uma pergunta em “off”, audível.
- Ó Jaquim,
conheces algum Narciso do Comando Operacional?
- Narciso? Não.
- Quer falar
com o Chefe Tremoço.
- Acorda o
Chefe e não levantes problemas.
- Um
momento…Comandante.
- Tenho pouco
tempo e muita urgência, – disse o Graise com uma voz rude.
A cena
repetiu-se, a correr para lá e em alta velocidade para cá.
- Desculpe Comandante,
estava numa diligência.
- Estavas era a
dormir, ó Tremoço!
- Quem fala?
- Uns cidadãos
indignados com os chuis deste país que estão todos a dormir durante o serviço.
Pausa no
diálogo.
- Fosga-se, –
reclamou o Chefe dorminhoco, desligando o aparelho.
E era assim
durante toda a noite, ininterruptamente, com “bejecas”, pipocas e sandes mistas
pelo meio, até acabar o “stock” do dia e o João Pestana vir buscar estes
adolescentes pós-revolução.
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