Comandante Guélas
Série Colégio Militar
O Peidão, o Azias, o Pani, o Teta, o Madiura,
o Zacarias eram, por altura da Revolução, Meninos da Luz e como
tal estavam a ser preparados para a defesa da pátria, que estava em debandada
das Províncias Ultramarinas. Na Parada junto ao edifício do Geral das Companhias, que eram
quatro, havia vestígios de outras guerras, dois canhões do primeiro conflito
mundial, que serviam para o senhor Delgado tirar as fotografias da praxe,
enviando depois a conta exorbitante diretamente para os encarregados de
educação, por isso era mais conhecido como o Chulógrafo; um tanque da Segunda
Grande Guerra, por baixo do qual todos os ratas eram obrigados a passar e,
acabada de chegar, vinda diretamente de África, uma soberba Panhard. O batalhão
estava formado no pátio quando o brinquedo e o oficial maneta que o trazia estacionou.
Depressa a auto metralhadora ligeira foi despojada de todos os acessórios,
sofreu mais nas mãos destes meninos do que nos vários anos em combate contra os
turras. Numa bela noite de verão uma mão cheia de adolescentes danados para a
brincadeira, e com insónias, e um oficial malandro, foram protagonistas de uma
aventura digna do major Alvega, o herói desta geração. O tenente era pequenino
mas a tabuleta que usava no braço esquerdo, com a inscrição de “COMANDOS”
dava-lhe um ar cruel e implacável. O Bico, o Galinha, o Cavalo,
o Coiote, o Pitosga, o Gordini, o Cão, o Morena, o
Peixinho, o Xicaca, o Mijón, o Horrível, o Vinesse, o Escalope, o Cabedo, o Pejó, o Judi, o Minhoca,
o Sorridente, o Peida Gorda, o Loira, o Cu-de-Senhora,
o Barrada, o Bétis, o Xoxo, o Six, o Bicuda, o
Elefante, o Vaca, o Leitão, o Camélia, o Pencas, o
Bina, o China, o Peugeot, o Brumi, o Barbas, o
Labras, o Fiasco, o Jóia, o Picanço e mais os outros
artistas do início, pegaram no brinquedo blindado e empurraram-no até ao
ginásio, no topo do colégio. Por essa altura o tenente estava a entrar no seu
Mini branco estacionado junto às bombas de gasolina, dando início à ronda. O
blindado já estava pronto para a partida mas faltava ainda arranjar lugar para uma
mão cheia de soldadinhos, que não faziam questão de vir a pé. O Horrível sentou-se no lugar do condutor e avisou os passageiros de que não era aconselhável
permanecerem parados durante muito tempo, pois o Xavier, o Celestino, o Moca, e
outros vigilantes poderiam andar pela zona. Avisou também que o checklist
tinha detetado a ausência do travão de pé.
- O travão de mão basta, - disse o Peidão.
Quando o monte de meninos se pôs em movimento, o pequeno “COMANDO” já vinha
a entrar no pátio em marcha lenta, não fosse estar alguém a evadir-se por
alguma das janelas da sala de leitura da quarta companhia. O blindado, tapado
com uma mão cheia de garotinhos fardados de cotim cruzou-se com o funcionário
careca da cozinha, o Meia-Lua, e a deslocação de ar quase o atirou para o chão.
Só faltava uma reta seguida de uma curva para a esquerda, que se abria depois
num vasto pátio onde o batalhão costumava desfilar antes do almoço, caso o oficial
de dia fosse daqueles que adorava ter 600 meninos, desde tenrinhos a peludos, a
marchar só para ele. Quando o tenente pequenino com uma tabuleta no braço
direito a dizer “COMANDOS” em letras maiúsculas e a bolt fez a curva que o levava para os lados do ginásio, deu de
caras com um blindado a transbordar de alunos. Um reflexo inesperado fê-lo
galgar o passeio e salvou-lhe a vida, uma vez que o 125 não fazia
questão de puxar pelo travão-de-mão, mas sim passar a ferro o Mini branco. A
Auto Metralhadora entrou pelo pátio a alta velocidade e acabou a viagem
sozinha, pois os garotinhos evaporaram-se como éter, cada um para a sua caminha.
3 comments:
Muito bom!422/74
Gostei. O "comandinhos" seria o Aparício?
Desta lembro-me. Estava lá. 534/69 Mijón.
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