O Comandante Guélas
Série Paço de Arcos
A Regata da Açorda
Série Paço de Arcos
A Regata da Açorda
O quotidiano da tripulação do “Submarino” não é assim tão normal como pensamos. O comandante da embarcação ficara toda a noite a preparar a estratégia para a regata, empunhando um candelabro com velas, de olhos fixos no retrato do Patrão Lopes, a porta de entrada do seu espírito sonhador. Boacara sempre tivera uma paixão bela, simples e frágil por aquele lobo-do-mar com estátua em Paço de Arcos. Estava agora num trapézio sem rede, assinava a sangue e na primeira pessoa, porque pretendia uma sublime transformação dos seus homens, exigindo-lhes agora o quarto lugar, a contar de cima, numa regata de vinte e sete, em vez do habitual primeiro, a contar da cave. Naquela noite viu universos inteiros de regatas, e foi com convicção que na manhã seguinte se dirigiu à tripulação alinhada no convés, comunicando-lhes mais por gestos do que por palavras. Discursou com uma fúria tão feroz, que nem reparou nas grades de sumo de cevada que entravam clandestinamente no saco do soro do velho Saul, directamente para o beliche do Mac Macléu Ferreira , uma espécie de Poppey, que comia lulas recheadas em vez de espinafres. No momento da largada a voz subiu-lhe com insistência, persistência e resistência, chegando a ameaçar encerrar a tripulação no convés com as cuecas do Bajoulo, caso não trouxessem para a Marina de Oeiras um certificado a atestar o quarto lugar, não tendo no entanto reparado no riso fininho da tripulação, e no ar embasbacado do velho Saul, que tinha acabado de engolir uma carica, arrancada apressadamente com a dentadura.
- Hoje as nossa preferências não são o habitual convívio no convés, mas sim o quarto lugar, - disse, ao mesmo tempo que alguém dava início ao esquentamento duma açorda que entrara clandestinamente no Submarino.
- Comandante Boacara, hoje trouxe uma surpresa, uma refeição energética que não vai deixar a tripulação adormecer, quebrando-se assim a tradição destes lobos-do-mar.
- As minis estão proibidas a bordo, e tudo com elas relacionado, como “Galinha com Cerveja”, “Pato Bock”, “Cadelinhas embebidas em Tinto”, “Gelado de Rum”, alimentos anti-regata. – Gritou o proprietário do Submarino, espreitando com raiva para as mochilas dos amigos.
- Calma patrão, isto é uma simples açorda feita com pão, - explicou o Velho Saul, ao mesmo tempo que tomava uma pílula energética.
- E o pão foi embebido em quê?
- Água, só água!
- E açorda é condimentada com quê?
- Piripiri.
- Piripiri, um afrodisíaco? Nem pensar. Para mastro basta-me o do barco, não preciso de canas da índia, - gritou, colando a boca aberta na testa do Velho Saul, deixando sair uma tempestade inesperada, brilhante, veloz e aterradora, como se fosse, não do domínio do ar, mas do seu interior obscuro.
O grito apanhou o marujo Mac Macléu Ferreira a meio do sono, na precisa altura em que enchia com a boca uma “Sereia Acompanhante”, da marca “Use e Abuse”, tendo-se precipitado do beliche para anões a ele destinado, onde dormia com tudo dobrado, batendo com estrondo no fundo do Submarino, que fez uma volta de 180º. Foi por isso que o Chefe Máximo do Submarino achou estranho cortar a meta três horas antes e em primeiro lugar, com a tripulação a festejar o feito heróico, só comparável à chegada do Pedro Álvares Cabral ao Brazil, também ele vítima de uma açorda traiçoeira. Mas do Submarino espera-se tudo, e a atracagem foi diferente de todas as outras. Mac Macléu Ferreira foi incumbido de saltar para a doca com um cabo na mão, mal a proa do navio passa-se à vertical da primeira madeira, evitando assim que o mesmo fosse marrar mais à frente. Ao nosso herói das lulas recheadas faltava um pormenor: as lunetas com 5 dioptrias cada e uma barriga atestada de açorda e minis clandestinas. Saltou antes, muito antes, logo à entrada da Marina de Oeiras, que estava atestada de tios e de tias, e ficou preso na corda, pendurado com a cabeça a roçar na água e uma catrefada de Robalos no seu encalço.
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