Comandante Guélas
Série Paço de Arcos
Há certas histórias que devem repetidas, repisadas, analisadas com mais pormenor, para assim compreendermos as motivações psicológicas dos elementos deste original gang caucasiano de Paço de Arcos. E uma delas passou-se com um monstro da cultura paçoarcoense, o hilariante Conan Vargas. Quando o ex-cozinheiro pára-comando recebeu a cartolina vermelha com o símbolo da DGV nem queria acreditar que era verdade.
- Já posso guiar em tudo o que mexe, desde o triciclo do João da Fruta até ao Fórmula 1 do Niki Lauda ….incluindo as mulheres deles - disse, tirando o documento oficial da República de Portugal de dentro do livro da tabuada dos dois, e mostrando ao seu colega de carteira, o Ánhuca, que estava mais entretido a esmagar os piolhos que trouxera da capoeira do Manelinho do Estrume, depois de uma noite bem passada com uma das ovelhas.
Estava decidido, à noite iria impressionar as queques lá para os lados do Santini, não com o velho Ford Escort LA-91-40, mas sim com muito mais estilo, o novinho Renault 16 BU-13-78, que a mãe acabara de adquirir. E a desculpa foi fácil, tinha um exame de Química Iónica à noite no Liceu de S. João do Estoril e esquecera-se de pôr gasolina no seu bólide, e o comboio estava parado porque o primo surdo-mudo do João da Quinta tinha decidido atravessar a linha no momento em que passava o rápido vindo de Lisboa e olhado para o lado do pára em todas de Cascais, acabando dividido em dois, o surdo para um lado e o mudo para o outro. Mas antes passou pelo Picadili e convidou os amigos mais parecidos com estrangeiros, estilo suecos, ou seja, o Bigornas, o Bajoulo e o Escoto. Assim, as queques olhariam logo para o Renault e, parafraseando o irmão com cara de papagaio do Bajoulo, “ia ser phoder à cagão”! A entrada na praceta foi feita em estilo “todo boneco”, com o braço de fora, cigarrito na ponta da boca e o agora saudoso cabelo ao vento, tudo isto acompanhado com um chiar de pneus estilo Charles Bronson. O Conan Vargas já quisera ser pastor, depois bombeiro, tropa especial, mas nesta altura estava bastante baralhado. O Bigornas assistiu a toda a cena, porque insistia em tomar o café na esplanada, onde uns dias antes fora detido pelo Chefe Bigodes, depois de se ter recusado a fugir para dentro do café após o Focas ter gritado “ó chui” quando o carro patrulha passou. O Bajoulo nem se mexeu, porque mesmo que quisesse o porte atlético já não lhe permitia grandes aventuras. O Escoto, o adolescente mais parecido com uma girafa, gritou “temos Fangio”, não se apercebendo que o que dissera entrara como uma seta no Super-Ego do Conan Vargas, mesmo que a resposta tenha sido uma aceleração em seco, cujo fumo acertou em cheio na cara do Trovão, que ia a passar. Antes de descolar, porque era de um voo que se tratava, passou a mão pela cabeça para verificar se ainda tinha cabelo e fez um checklist das curvas da vila que iria fazer no dia seguinte: curva do Manel da Leitaria, Curva do Trambolho que seria mais tarde batizada Curva da Rosa Cambalhota, em memória do Pilas, do Vélinho e do Serapito, que nunca mais seriam os mesmos. Sentiu então um impulso, um ímpeto, um incitamento, e o Renault16 de cor branca, BU–13-78, saiu a guinchar. O Bigornas, que ia no banco de trás, ouviu o barulho da mioleira do condutor a ferver, estilo fumarola e teve um pressentimento terrível: no dia seguinte poderia não haver a fila interminável à porta da Jomarte. E ainda por cima tinha uma surpresa para os clientes: não um novo livro de quadradinhos que demorava sempre meio-dia a ler, mas sim um Curso Completo de Gestão. Quem fosse para a fila no primeiro dia do mês seria atendido no dia 31 às 14H00! Antes de rumar definitivamente, e pela última vez, a Cascais, o Renault 16 de cor branca, BU-13-78, guiado pelo Fangiovargas, cruzou-se com o Opel 1200 Caravan do Fangiocoelho, Menino Élinho para os amigos, que o tinha gamado pela centésima vez, e atingira agora os 120 junto ao Manuel da Leitaria. Quando entrou na marginal, na cabeça de Conan Vargas já rodava outro filme, imaginava-se no circuito do Mónaco ao volante de um Mc Laren, e quando ultrapassou o senhor Manuel da Fruta, que ia calmamente para casa no seu triciclo com caixa à frente, viu o Emerson Fitipaldi no seu Lótus, a seguir apareceu o Velinho e o Mini Clubman FF-62-88, que tinha ido às boxes para beber um sumo de cevada , como habitualmente, e que fazia a vez do Niki Lauda e do seu Ferrari. Na recta da praia de Carcavelos, já com fumo a sair das orelhas, ultrapassou o Serapito e o seu Opel Kadett EU-13-12, e avistou o Peugeot 304 paçoarcoense BM–18-35 a fazer a vez do James Hunt, mas ultrapassar o Pilas era uma tarefa quase impossível, apesar de ir só a 160 Km/h. O Renault 16 de cor branca, Bu-13-78, guiado pelo ex pára-cozinheiro de nome Conan Vargas, agora travestido de Fangiovargas, entrou a ganir e a rodopiar na curva do sanatório, completamente desequilibrado devido ao facto do Bigornas e a sua volumosa cabeça, que lhe dava o nome, estarem colados a um extremo do banco traseiro. Quando a lateral do motor bateu no poste, com um valor de 30 contos, o Escoto amolgou o tecto com a cabeça e dos olhos do Zé do Fotógrafo saíram vários flash multicolores, enquanto que o Conan Vargas gritava a tabuada dos 3 (3x1=4, 3x2=8, 3x3=15…), acompanhada de ratés de origem indeterminada. Mais uma volta e nova porrada, desta vez no muro e com o poste no encalço do carro. Aqui o Bigornas deixou de ter dúvidas e preparou-se para o mergulho final no mar, agarrando com sofreguidão a pesada tola, que o iria arrastar, com toda a certeza, para o fundo escuro do oceano, tal como uma poita. Seria o fim da Jomarte e de tudo o que ela significava para a Praceta. Mas contra todas as leis da física, o Renault 16 de cor branca e matrícula BU-13-78 ficou colado à parede, perpendicular, e apanhou com o pesado lampião na zona do motor. Nem um arranhão sofreram estes garbosos paçoarcoenses, que acabaram a noite a chupar no Santini!
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