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315 estórias

Thursday, October 28, 2010

O Bê à Bá do Filete


Camarada Choco 
Aventura 68
 
Além de ter nascido um Desaparafusado bronzeado, o Filete herdou do pai Filipe o “Fil” e da mãe Arlete o “ete”. Depressa a Escola de Aparafusados classificou o novo aluno como “Indigente”e enviou-o via “Correio Azul”, com aviso de recepção, não fosse o carteiro enganar-se e devolve-lo de novo às “Doutoras”. O novo aluno foi recebido com entusiasmo pelos semelhantes, também eles bronzeados, e sujeito de imediato a um conjunto de “praxes académicas tribais”, que também serviram aos técnicos para uma recolha de informações mais aprofundada. E houve um dado que se destacou em relação aos outros: de cada vez que o Filete levava com algum estímulo (palmada, bolada, pedrada, etc.) na cabeça, ouvia-se um eco! A Terapeuta da Fala, a Prima da Afilhada da Doutora Sem Canudo, uma mocinha do Entroncamento habituada a todo o tipo de fenómenos, nem queria acreditar no que ouvia:
- É um barulho a espaço vazio, o Filete parece ter uma cabeça oca, – disse, com um ar desanimado.
- O Filete é um “Calhau com Olhos”, - retorquiu o Stor Pobre, especialista em Pinos e Cambalhotas, com muitos anos de Desaparafusados no lombo, e também ele já com folgas nos carretos. – A técnica mais apropriada, caso tu pretendas tentar pôr o aluno a ler, passa pelo uso intensivo da “Banheira do Porres”.
- “Banheira do Porres”?
- É exclusiva aqui desta escola, e muito mais eficaz que a “Sala de Snozelan”, – explicou o Stor Pobre fazendo o exame final ao Filete, um soberbo “Toque Pedagógico” que teve como resposta “cinco ecos e um baralhar de olhos sem Jackpot” (parágrafo 2, ponto C, alínea A, da Escala Pedagógica Universal de Granitos e Afins - EPUGA).
- Estranho, - disse a Prima da Afilhada da Doutora Sem Canudo. – Numa me ensinaram isso na Faculdade.
- Nós estamos sempre à frente dos “Doutores” pelo menos vinte anos, – atirou de rajada o Stor Pobre, empunhando o panfleto de apresentação da famosa “Escola para Desaparafusados da Venteira”, com o Porres, actual Presidente Honorário, ainda de fraldas, e a brincar ao Lego com o Choco, ao mesmo tempo que reconfirmava tudo com um novo “Toque Pedagógico”, cujo eco acordou o colega do Filete de nome Paulo Bento.
A Prima da Afilhada da Doutora Sem Canudo não se convenceu dos novos métodos Pedodesaparafusados e recorreu aos clássicos. Agarrou numa bola azul de plástico e perguntou ao Filete:
- Querido aluno, que cor é esta?
O “Indigente” (classificação do Ministério), “Calhau com Olhos” (classificação EPUGA), olhou demoradamente para o esférico, rodou os glóbulos oculares dezenas de vezes, coçou a cabeça e por fim abriu a boca…mas não saiu nada.
- Que cor é esta, Filete? – Perguntou de novo a Prima da Afilhada da Doutora Sem Canudo, aumentando o volume da voz e colando a bola azul entre os olhos do “Indigente” (classificação do Ministério) ou “Calhau com Olhos” (classificação EPUGA).
O comportamento recorrente do Filete não alterou nem uma vírgula, encarou demoradamente o esférico, como um boi para um palácio, rodou os olhos, arranhou o coco, abriu a boca e respondeu com um ar triunfante:
- Verde!
- O que é que se passa aqui? – Perguntou o Cabo Pilas aparecendo por detrás de uns cabides.
- Ainda bem que estás aqui, Chiquinho, - disse a Prima da Afilhada da Doutora Sem Canudo, tocando-lhe no ombro. – Podes-me dar a tua opinião acerca das capacidades deste aluno?
Por momentos fez-se um silêncio ensurdecedor. O Cabo Pilas olhava para a mão da pequena com um ar ameaçador, e também ele rodou os olhos e coçou, não o coco, mas o baixo-ventre. Por fim falou:
- Desde quando é que uma Terapeuta da Fala estagiária se dirige nesse tom a um Pedopedagogo do meu tamanho. “Chiquinho”?!!
A Prima da Afilhada da Doutora Sem Canudo tirou a mão tão depressa, que todos pensaram que se tinha queimado. Se desejava um parecer do Dr. Cabo Pilas teria de se dirigir à secretaria e pedir por escrito. Optou por acompanhar o Stor Pobre na “Banheira do Porres”. Quando entrou no espaço pedagógico o nevoeiro era tanto que nem se apercebeu que o colega do Filete, o Buda, acabara de fazer uma portentosa mija que acertara em cheio nas calças de ganga da Mosca Morta, a mais antiga funcionária da Escola de Desaparafusados. A boiar estavam inúmeras bolas de várias cores, o Filete sentado na rampa, o Coxo Mais Rápido da Brandoa no fundo à caça de um dinossauro e um bacalhau de molho dentro de uma bóia chinesa, rodeado de chouriços. Como técnica apurada começou de novo a intervenção, mostrando ao Filete uma bola vermelha:
- Que cor é esta?
O mesmo do mesmo: rodou os olhos, arranhou o coco, abriu a boca e respondeu com um ar triunfante:
- Azul!
E assim continuou para desespero da Prima da Afilhada da Doutora Sem Canudo, que julgava que a água a entrar pelos ouvidos do Filete iria transformar o caroço de azeitona, que fazia a vez de Cérebro, numa abóbora do Entroncamento, permitindo ao “Indigente” (classificação do Ministério), “Calhau com Olhos” (classificação EPUGA) debitar todas as cores do Arco-Íris e mais algumas. Quando o Stor Pobre se apercebeu do desespero da colega, aproximou-se do Filete e teve uma humilde conversa junto à sua orelha. Passados alguns segundos o sucesso educativo concretizou-se:
- VERMELHA!



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